12 Mai 2012
"Muita mobilização em torno da questão indígena nesses dias em Brasilia. Foi importante a presença massiva do movimento negro e indígena, com outros movimentos sociais, na Camara dos Deputados em ato de protesto contra a PEC do trabalho escravo. Além disso a Comissão da Verdade da Câmara propiciou uma inédita audiência pública para elucidar o ocultado exterminio de mais de 2 mil Waimiri-Atroari, por ocasião da construção da BR 174, Manaus-Boa Vista, pela ditadura militar. Vários depoimentos lançaram luzes sobre esses fatos, mostrando o quanto ainda precisa ser revelado sobre a violência e mortes no regime militar", escreve Egon Heck, CIMI-MS, ao enviar o artigo que publicamos a seguir.
Eis o artigo.
Contra os Waimiri Atroari se realizou uma “guerra relâmpago”. Ao citar essa frase., Egydio concluía seu depoimento na Comissão da Verdade, da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, em Brasília. Seus olhos começaram lacrimejar. Era um início de tarde agradável na capital federal.
No dia 9 o plenário 9 recebeu um curioso e indignado público.
Estava se começando a revelar um dos mais cruéis crimes cometidos pela ditadura militar contra um povo indígena. Existem indícios de que no período de dez anos (1967 a 1977) no período da construção da BR 174, que liga Manaus a Boa Vista, foram exterminados em torno de 2 mil Waimiri Atroari. Esses povo resistiu bravamente contra a invasão de seu território.
A guerra santa do desenvolvimento a qualquer custo, ontem e hoje, continua fazendo milhares de vítimas, em sua grande maioria anônimos, ocultados, enterrados pela história do colonizador, dos interesses dominantes. Foi o que expressou o secretário do Cimi, Cleber Buzatto, ao iniciar os depoimentos do massacre e genocídio dos Waimiri Atroari. Fez menção à construção da hidrelétrica de Belo Monte, que está sendo construída às custas de enormes e irreversíveis impactos sociais e ambientais.
Egydio em seu depoimento de um pouco mais de meia hora trouxe inúmeros documentos e informações que mostram como o palco e desenrolar a guerra contra os Waimiri Atroari e sua resistência. Disse, em seu depoimento contundente: “Em junho de 1985, sentado em companhia de dois Waimiri-Atroari na calçada em frente ao prédio da FUNAI, aqui em Brasília, um deles me perguntou à queima-roupa: “O que é que civilizado joga de avião e que queima o corpo da gente por dentro?”. Teria sido napalm? Em aula, mais tarde, as perguntas se sucediam: “Por que kamña (civilizado) matou Kiña?” “O que é que kamña jogou do avião e matou Kiña?” Kamña jogou kawuni (de cima, de avião), igual a pó que queimou garganta e Kiña morreu”. “apiyeme-yekî”=por quê?”
Para ilustrar a forma bélica utilizada para vencer a resistência dos Kiñá trouce uma afirmação do sertanista Sebastião Amâncio, substituto de Gilberto Pinto, publicado em O Globo. “Os Waimiri-Atroari precisam de uma lição: aprender que fizeram uma coisa errada. Vou usar mão de ferro contra eles. Os chefes serão punidos e, se possível, deportados para bem longe de suas terras e gente. Assim, aprenderão que não é certo massacrar civilizados (...) Irei com uma patrulha do Exército até uma aldeia dos índios e lá, em frente a todos, darei uma bela demonstração de nosso poderio. Despejaremos rajadas de metralhadoras nas árvores, explodiremos granadas e faremos muito barulho, sem ferir ninguém, até que os Waimiri-Atroari se convençam de que nós temos mais força do que eles”.
De forma maquiavélica e cruel, o sistema foi invadindo o território, matando e subjugando seu povo, abrindo aos interesses do grande capital nacional e internacional. Ficam os monumentos à insanidade, como a hidrelétrica de Balbina, os buracos e rastro de destruição deixados pela mineradora Paranapanema e atual Taboca. Como dizia o sertanista Apoena Meirelles, quando coordenador da Frente de Atração Waimiri Atroari, em 1975 “Infelizmente um manto de silêncio se lançou sobre esse crime" . “A FUNAI, como principal testemunha do desaparecimento dos Waimiri-Atroari, se mantém hoje estrategicamente à distancia dos novos acontecimentos, enquanto a empresa que alagou grande parte da Reserva, dirige o destino desse povo.”
Egydio nos relatou com emoção o tempo em que viveu com sua família entre os Waimiri Atroari, desenvolvendo um importante trabalho na área de educação “Foi o período mais feliz de minha vida”
O antropólogo da UNB, Stephen Baines, que também foi expulso da terra indígena Waimiri Atroari, não apenas confirmou os indícios da morte de aproximadamente 2 mil indígenas desse povo, por ocasião da construção da estrada, mas acrescentou vários elementos que corroboram essa denúncia. Outros depoentes expuseram fatos relacionados às políticas que levaram à morte milhares de indígenas por esse Brasil afora. A Funai e a Eletronorte não enviaram seus representantes.
Momento histórico
Todas as manifestações e depoimentos ressaltaram a importância dessa audiência pública, qualificando-o como “momento histórico”. Porém não pode ficar na denúncia. Teremos que fazer justiça, e principalmente evitar que se continue cometendo essas barbaridades contra os povos indígenas.
Ao começarmos a desvendar essa triste memória, não apenas daqueles que enfrentaram diretamente a ditadura, mas de todos os que foram vítimas do mesmo regime, como é o caso dos Waimiri Atroari.
A verdade continuará sendo revelada. Viva o heroico e resistente povo Kiñá!
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Waimiri Atroari – a guerra velada e revelada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU