Por: André | 24 Abril 2012
“Em defesa da fé, dos santuários profanados e da Igreja”. Com este lema, a Igreja Ortodoxa Russa conseguiu reuniu, no domingo, 65.000 pessoas ao redor da catedral do Cristo Salvador de Moscou em um ato liderado pelo patriarca Kiril, seu expoente máximo. Embora fosse qualificada de “oração”, a concentração teve características de comício político antiliberal e identificou a confissão que se considera majoritária na Rússia com o próprio Estado.
A reportagem é de Pilar Bonet e está publicada no jornal espanhol El País, 22-04-2012. A tradução é do Cepat.
O evento constitui a reação de maior envergadura até agora da Igreja Ortodoxa Russa diante do acalorado debate provocado pela prisão de três integrantes do “Pussy Riot”, depois que, em 21 de fevereiro, meia dúzia de feministas membros deste grupo subiram ao altar mor da catedral e entoaram canções anticlericais e contra o líder político russo, Vladimir Putin. As três suspeitas presas podem ser condenadas a sete anos de prisão por “vandalismo” e sua prisão foi prolongada até o dia 24 de junho esta semana por um juizado de Moscou.
Os organizadores da oração ortodoxa utilizaram telões colocados ao redor da catedral para divulgar mensagens de figuras políticas, culturais e religiosas, que em alguns casos chegaram a atacar aqueles que se manifestaram a favor de eleições limpas por ocasião da recente campanha eleitoral parlamentar e presidencial na Rússia.
Os representantes da Igreja ortodoxa afirmam ser vítimas de uma campanha hostil instigada por seus inimigos que, na sua opinião, são os mesmos que os da Rússia. Para eles, a ação do Pussy Riot é um episódio a mais de uma série de ataques organizados e instigados pelas “forças do mal”, entre os quais figuram agressões a ícones e imagens religiosas em diferentes partes da Rússia. No domingo, esses ícones com as marcas de machadadas e facadas em sua superfície, foram levados em solene procissão ao redor da catedral para que os fiéis, muitos deles vindos das províncias russas, pudessem vê-los.
Vestido com uma casula vermelha e dourada, o patriarca Kiril afirmou que as imagens vão ficar deliberadamente sem restauração. Entre os objetos que desfilaram estava uma cruz da igreja de Nevinnomisk, na região de Stávropol, atacada com uma faca no dia 20 de março em Veliki Ustiug. Ao lado dela seguia um ícone da Virgem que havia sido atacada a tiros no começo dos anos 1920.
Na imprensa liberal russa os dirigentes da Igreja Ortodoxa Russa, e especialmente o patriarca Kiril, estão sendo muito criticados por suas ambições, insensibilidade social e pouca transparência. O departamento de Imprensa do Patriarcado retocou uma foto do Patriarca para fazer desaparecer de seu braço um luxuoso relógio de fabricação estrangeira. A reputação de Kiril se viu enlameada por uma briga em relação a um andar de sua propriedade em que os vizinhos do dignatário foram condenados a pagar uma fortuna pela poeira causada no apartamento do hierarca durante a execução de obras.
“As vivências da nossa Igreja no século XX não têm análogo em nenhuma parte”, disse Kiril referindo-se à perseguição religiosa durante a época comunista. “Reconstruímos a Igreja como símbolo do renascimento da Rússia”, afirmou e assegurou que nos momentos chaves da história, como na Segunda Guerra Mundial, a Igreja estava com o Estado. “Não viemos a um comício. A igreja não realiza comícios, não temos cartazes, mas estandartes, ícones; viemos para rezar a Deus por nosso país, pelo povo, para que nunca mais e em nenhuma circunstância seja violada a Igreja de Cristo Salvador (derrubada por Stalin nos anos 1930 e reconstruída após a desintegração da URSS), para que os nossos santuários não sejam profanados, a nossa história não seja manipulada, o nosso espírito e a nossa força moral não sejam pervertidos”. “Não ameaçamos ninguém, não demonstramos nossa força, mas ninguém pode nos proibir que nos momentos cruciais da história – e hoje vivemos esse momento – nos reunamos para rezar”, manifestou o patriarca.
Nos telões, com intervenções previamente gravadas, o cineasta Nikita Mijailkov manifestou referindo-se às moças de Pussy Riot que “não são menores de idade”, e, portanto, não podem ser perdoadas como se fossem menores. “A Igreja é o último apoio do Estado e as autoridades sabem disso”, sentenciou. “Não é uma brincadeira inocente”, disse Kiril. O arquimandrita Tijon, por sua vez, no passado considerado o diretor espiritual de Putin, garantiu que as integrantes do Pussy Riot entenderão que “estão no mesmo nível que os bolcheviques quando estiverem conscientes do que fizeram”. “Estamos dispostos a perdoar, mas (as Pussy Riot) não precisam do nosso perdão, mas da impunidade. Eles e quem estiver por trás delas querem permissão para continuar a fazer a mesma coisa no futuro”.
A cientista política Natalia Narochnitskaya, por sua vez, afirmou que a perseguição vivida pela Igreja começou no museu Sájarov (com uma exposição que se chamou “cuidado-Religião”) e que “quem defende as Pussy Riot são os mesmos que nos convocam a sair para a praça Bolótnaia (cenário dos protestos massivos contra a fraude eleitoral). “A Rússia estava congelada no marxismo e quando ocorreu o degelo, ficou evidente que precisamos de uma fé”, sentenciou Narochnitskaya.
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A Igreja ortodoxa toma as ruas de Moscou - Instituto Humanitas Unisinos - IHU