11 Janeiro 2012
A Igreja da Rússia também pede que Putin escute a voz das ruas, "examine as demandas dos manifestantes", "garanta o direito de cada cidadão a uma própria opinião pessoal". E faz isso com a sua máxima autoridade, o Patriarca Kirill, no dia do Natal ortodoxo, a festa mais estimada por milhões de cristãos russos.
A reportagem é de Nicola Lombardozzi, publicada no jornal La Repubblica, 08-01-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No dia 7 de janeiro pela manhã, o chefe da Igreja, considerado até pouco tempo mais do que um adulador e um amigo próximo do chamado "tandem no poder", deu uma severa lição pública de democracia aos seus amigos Putin e Medvedev.
Kirill estava voltando da missa da meia-noite celebrada diante de mais de 6.000 fiéis na Catedral do Cristo Salvador, igreja demolida com dinamites por ordem de Stalin e que ressurgiu em seu lugar na Moscou do início dos anos 1990. Ele deu uma longa entrevista ao canal estatal Rossiya 1. Um espaço impossível para qualquer outro nestes primeiros dias do ano, em que, por tradição soviética, os jornais ficam fechados e os noticiários radiotelevisivos ficam reduzidos ao essencial.
Indiferente às perguntas genéricas do entrevistador, o patriarca foi direto ao cerne da questão, provocando alguns tremores de preocupação ao Kremlin e arredores: "O objetivo do protesto, político, quando correto e civil, é chegar a compromissos que melhorem a situação. O poder tem o dever de levar isso em conta". Mas não parou por aí: "Se as autoridades permanecerem imóveis diante desses protestos, será um sinal muito ruim. O sinal de que não são capazes de se adaptar aos tempos que mudam".
Um tapa forte e direto. Uma clara referência à atitude de suficiência, e até de desprezo, adotado por Putin, que definiu os manifestantes como "povo de símios" e que fez piadas pesadas sobre as fitas brancas, símbolos do protesto, "que parecem um monte de preservativos".
Mas, com a sua renomada tendência a dramatizar retoricamente todo assunto, Kirill, depois, foi ainda mais adiante, fazendo uma comparação que atingiu não só aos fiéis cristãos: "Se, antes da Revolução de 1917, o poder tivesse escutado a voz do povo, não teria havido tantos lutos, e hoje a Rússia seria um país mais rico e mais feliz".
Palavras fortes que logo giraram pelos blogs e pelos sites de oposição em plena fermentação por causa da grande manifestação em meados de fevereiro do ambicioso projeto de levar um milhão de pessoas às ruas. Certamente, é um sinal de que a Igreja decidiu se distanciar, pela primeira vez, de um governo que tinha gradualmente retirado espaços e concessões através de uma política de adesão total e sem a sombra de uma crítica.
Ainda no dia 7 de outubro passado, o patriarca, ao fazer os votos de feliz aniversário a Vladimir Putin, primeiro-ministro à espera de voltar como presidente nas eleições do dia 4 de março, tinha-o chamado individualmente de "eminência". E havia se lançado em elogios pessoais, que concluíram com o desejo de uma longa permanência no comando do país.
Foi apenas há três meses, mas muitas coisas mudaram. A indignação com a manipulação dos votos em novembro, a multidão nas praças de pessoas de diversas culturas e razões sociais, deslocaram muitos equilíbrios. Vladimir Putin, que no dia 7 de janeiro contava a história do seu batismo secreto e da sua provada fé cristã, apesar do passado como espião do KGB, também deve levar isso em conta.
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Rússia: o tapa da Igreja em Putin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU