Por: Jonas | 03 Abril 2012
Martín Gelabert Ballester (Manacor, 1948), professor da Faculdade de Teologia de Valência, é um teólogo sério e ponderado. Talvez, por isso, foi escolhido pelo próprio Andrés Torres Queiruga para que o acompanhasse no colóquio com a Comissão para a Doutrina da Fé. Triste, após a publicação da nota da Comissão da Doutrina da Fé da Conferência Episcopal da Espanha, o teólogo dominicano assegura que se trata somente de “uma advertência”, porque “sua teologia não atenta contra a fé da Igreja”. Também reconhece que o teólogo admoestado “é uma das grandes figuras vivas da teologia espanhola”, dos poucos “cuja obra está traduzida para o alemão” e que esta, “tanto aos simples como àqueles com maior formação, faz muito bem”.
A entrevista é de José Manuel Vidal, publicada no sítio Religión Digital, 31-03-2012. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
O que o senhor sentiu ao ler a nota do episcopado sobre algumas obras de Torres Queiruga?
A nota da Comissão Episcopal me causou uma grande tristeza, sobretudo porque sei o sofrimento pelo qual está passando Andrés. Infelizmente, a nota corre o risco de ser interpretada como uma condenação de sua teologia, indo além da sua intenção explícita, que diz que não pretende condenar, mas oferecer algumas clarificações. Porém, de fato, alguns setores a tem interpretado como uma condenação e, o que é pior, alegram-se por isso. Estas alegrias causam muito dano para a Igreja. Isto sem tocar na pouca conformidade com o Evangelho.
É, portanto, mais uma nota de advertência do que uma condenação formal?
Efetivamente, não é uma condenação formal. É uma nota de advertência, um convite para que Queiruga revise alguns aspectos de sua teologia. De fato, a nota começa dizendo que a preocupação de Torres Queiruga é louvável e, em diferentes momentos, se expressa de forma matizada. Não é fácil fazer teologia, a não ser que por teologia se entenda uma mera repetição de textos “oficiais”.
Neste caso, seguiu-se o procedimento canônico previsto? Os bispos aludem que escutaram o autor.
Para especificar: foram os bispos que escutaram a Queiruga, acompanhados do presbítero secretário da Comissão Episcopal para a Doutrina da Fé. Não sou canonista e não posso dizer se seguiram o procedimento canônico adequado, porém, sim, creio que existem outros procedimentos que poderiam ter seguido e que, para Andrés, seriam mais de acordo com a fraternidade eclesial. Um destes procedimentos teria sido um debate público, num fórum apropriado, com teólogos reconhecidos, de diferentes tendências, sobre a obra de Torres Queiruga.
Numa reunião que teve com alguns bispos, o senhor defendeu a obra de Queiruga. Por quê?
Eu estive na reunião ocorrida na sede da Conferência Episcopal, a pedido de Andrés Torres Queiruga. Ele quis que eu estivesse presente, como teólogo, e a comissão aceitou minha presença. Tecnicamente, quem me convidou para assistir foi o bispo presidente da Comissão, mesmo que esteja claro que os bispos aceitassem que eu estivesse ali como advogado defensor. Se eu estive na reunião foi porque pensava, e assim me manifestei, que a teologia de Torres Queiruga não atenta contra a fé da Igreja e é necessário entendê-la dentro do legítimo pluralismo teológico.
Continua defendendo o autor e a sua obra?
Sua teologia é uma tentativa de melhor compreender a fé, tendo em conta as novas problemáticas que apresentam a situação e a cultura atual. A fé é vivida por pessoas situadas e sempre suscita perguntas. Uma fé que não suscita perguntas é uma falsa fé. A teologia de Queiruga é uma tentativa honrada e séria de enfrentar as perguntas que hoje a fé lhe apresenta.
Pode-se dizer, com objetividade, que Queiruga é um dos mais importantes teólogos espanhóis e dos poucos cuja obra está traduzida para o alemão?
Sem dúvida. Eu acredito que é uma das grandes figuras vivas da teologia espanhola. Mais ainda, é um dos poucos, para não dizer o único teólogo espanhol, cuja obra está traduzida para o alemão. Torres Queiruga é valorizado e apreciado para além do mundo de língua espanhola. É um dos teólogos espanhóis mais lidos. Para mim, pessoas simples e pessoas com maior formação teológica manifestam o bem que faz a leitura dos livros de Torres Queiruga.
Condenações ou advertências, como esta, colocam em dúvida que a Igreja espanhola seja uma instituição intelectualmente apta?
Bem, a Igreja espanhola somos todos. Não se deve reduzir a Igreja a uma Comissão Episcopal. Na Igreja existe um legítimo pluralismo. Porém, é uma pena que, às vezes, apareça como uma instituição em que seus melhores pensadores são questionados e vigiados. Não digo que seja assim, digo que é uma pena que alguns a vejam assim.
Trata-se de uma desqualificação, não somente à obra de Queiruga, mas, também, à sua maneira de ser e de fazer Igreja?
Sem dúvida, muitos verão na nota uma desqualificação de uma maneira de fazer teologia. Pior ainda, Andrés sente que se questionou toda uma vida dedicada, por inteira, a este serviço eclesial importante e imprescindível como é a teologia. Existem pessoas que dão a vida pela Igreja, nos temos dado. É triste e desagradável sentir-se desqualificado publicamente. O mais lamentável é que a nota é suscetível de ser lida como um convite ao diálogo, porém, infelizmente, nos setores mais barulhentos não se verá assim.
Como está Andrés Torres Queiruga?
Andrés se encontra tranquilo. Triste, porém, tranquilo, pelo que sei.
Acredita que o teólogo galego seguirá refletindo, publicando e repensando a fé nas categorias atuais?
Estou convencido de que seguirá adiante com sua tarefa teológica. Esta nota, dentro de pouco tempo, será algo passado para ele. Não acredito que mude muito sua forma de trabalhar, ainda que seja possível que, em alguns pontos, sinta a necessidade de introduzir matizes ou clarificações.
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“A teologia de Torres Queiruga não atenta contra a fé da Igreja”. Entrevista com Martín Gelabert Ballester - Instituto Humanitas Unisinos - IHU