30 Março 2012
Místico ortodoxo, ele se encontrou com Deus no Monte Athos. A sua doutrina gira em torno da perda e não a presença da graça divina superior. Tudo nele se reduz à simples afirmação e repetição do nome e da presença de Cristo.
A análise é de Piero Citati, um dos mais famosos escritores e críticos literários italianos, em artigo publicado no jornal Corriere della Sera, 27-03-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Quando era jovem, Silvano [ou Siluane] do Monte Athos, que se tornou um dos últimos grandes santos ortodoxos, era um ingênuo e monstruoso Pantagruel. Ele nascera em 1866, no governatorato de Tambo. Frequentou a escola do seu vilarejo por apenas dois invernos. Aos 19 anos, era um jovem alto e robusto, que trabalhava como carpinteiro na propriedade do príncipe Trubeckoj. As garotas o amavam e o cortejavam.
Um domingo de Páscoa, ele e sua família tiveram um almoço abundante, durante o qual comeu muita carne. À tarde, a mãe propôs lhe preparar uma omelete: o filho aceitou e devorou um imenso omelete de 50 ovos, como se estivesse possuído por um apetite insaciável. Nas noites de festa, ia à taverna, onde bebia três litros de vodka sem se embriagar. Tudo o que era enorme, cansativo ou doloroso parecia ser feito especialmente para ele. Quando almoçava com seus companheiros, pegava uma panela de sopa fervente com as mãos nuas na cozinha e a levava até a mesa. Com um soco, quebrava um grosso pedaço de madeira. Batia nos amigos e os jogava no chão como fios de palha. Um dia, ele chegou quase a matar um de seus companheiros. Até o serviço militar, continuou assim a sua existência de gigante rabelaisiano.
Quando era menino, o pai havia hospedado por alguns dias um vendedor ambulante de livros, que tentava lhe demonstrar que Cristo não era Deus e até que Deus não existia. Ele dizia continuamente: "Mas onde está esse Deus?". Silvano menino pensava consigo mesmo: "Quando eu crescer, vou buscar esse Deus por toda a terra".
A busca começou cedo. Durante o serviço militar, entre 1886 e 1892, ele sempre pensava nesse Cristo solitário e fugitivo, no Monte Athos, onde Cristo era profundamente venerado, e no Juízo Final. Em outubro de 1892, aos 26 anos, chegou ao Monte Athos e não o deixou mais, salvo em um período em que foi chamado novamente às armas como reservista. Assim que chegou, passou alguns dias em retiro, para se lembrar de todos os pecados que cometera: pecados que ele acreditava que eram inúmeros, enquanto estavam envolvidos por uma profunda inocência do coração. Ele anotou pecados: depois, os confessou a um pai espiritual, subjugado por um ardente e irresistível desejo de arrependimento. O pai espiritual lhe disse: "Tu confessaste os teus pecados diante de Deus: saibas que te foram perdoados".
Assim, Silvano começou a sua vida de monge devotíssimo. Trabalhava no moinho, onde produzia todos os dias mais de oito quintais [cerca de 480 kg] de farinha. Era quase analfabeto: ouvia as longas pregações na capela do mosteiro, aquelas pregações eram embebidas de imagens e ideias da grande tradição mística bizantina, e ele começou a ler os textos originais. Em primeiro lugar, Isaac de Nínive e Simeão, o Novo Teólogo: depois, os Apoftegmas dos padres do deserto, A Escada do Paraíso de João Clímaco e os textos de um místico russo do século XIX, Serafim de Sarov. Ele sentiu a necessidade de pôr por escrito a multidão de pensamentos que o tumultuava na mente: enchia folhetos, cartas, anotações nas margens de livros ou nos catálogos de flores. Não compunha ensaios propriamente ditos, embora “O lamento de Adão” seja uma obra-prima literária.
Agora, todas as páginas de Silvano de Athos estão reunidas em um livro, Nostalgia di Dio, excelentemente traduzido por Adalberto Mainardi (Ed. Qiqajon, Comunidade de Bose, 324 páginas). A mesma editora publicou Silvano del Monte Athos, de Jean-Claude Larchet (398 páginas).
A mística de São Silvano era uma mística da perda, não da presença da graça de Deus. A figura fundamental do seu mundo era Adão. No paraíso, Adão havia conhecido a doçura do amor divino e, depois de ter sido expulso, sofria amargamente e elevava profundos gemidos. As lágrimas escorriam pelo seu rosto, banhavam-lhe o peito, e o deserto escutava os seus lamentos. O frio e a fome o torturavam: os animais e os pássaros, que no paraíso o amaram, agora tinham medo dele e fugiam perante os seus passos. A alma de Adão era atormentada por um único pensamento: "Fiz sofrer o Deus que eu amo". Ele não chorava pela beleza do paraíso perdido, mas sim porque havia ferido o amor de Deus, que continuava atraindo a sua alma até o céu.
Agora, Adão vivia apenas de nostalgia. Consumia-se sem cessar por Deus, pregava-o dia e noite, porque o nome do Senhor era doce e docemente desejado. Buscava insaciavelmente ver o Invisível e aferrar o irrefreável. Quando o Senhor o visitava e fugia, ele o buscava: "Onde estás, minha luz? Onde estás, minha alegria? A tua marca efunde perfumes na minha alma, mas tu não estás lá, e a minha alma anseia por ti. Por que me escondeste o teu rosto? Há muito tempo, a minha alma não te vê e se consome por ti e te busca em lágrimas. Onde estás, meu Senhor? Por que não te vejo na minha alma? O que te impede de viver em mim?".
A condição da nostalgia de Deus era a mais alta que o ser humano poderia conhecer: Adão a havia conhecido. Mas, para São Silvano e os homens modernos, era uma condição terrivelmente difícil de conservar. A nostalgia lhe abandonava: tudo se tornava vazio e deserto, e era impossível suportar a vida.
Assim, não restava senão uma solução a São Silvano: habitar na humildade, que é o coração metafísico do Cristianismo. Se Cristo se encarnara e morrera na cruz por humildade, ele devia imitá-lo, sem descanso nem fim. Quando conseguia ser humilde, como Jesus lhe pedia, a sua vida se tornava leve e alegre, todas as coisas eram caras para o espírito, a quietude, a paz e o refrigério desciam sobre a alma cansada e sobrecarregada. Silvano via na onda da repetição uma força musical e consoladora, e nada mais fez que repetir até o último dois versículos de Mateus, sempre iguais ou levemente variados, como se contivessem todo o significado do Cristianismo.
Quando São Silvano rezava, a oração era esvaziada de todo conteúdo e de todo significado preciso, e se reduzia à simples afirmação e repetição do nome e da presença de Cristo. Como a dos místicos sufis, que também se reduzia à afirmação da existência de Alá. O fiel dizia: "Jesus Cristo, filho de Deus, tem piedade de mim". Nada mais do que essas palavras nuas. Mas essa oração não devia parar nunca: contínua, incessante, assim como é contínua a presença de Cristo no mundo.
Segundo Isaac de Nínive, São Paulo havia dito: "O espírito, quando habita no ser humano, não deixar de rezar: reza continuamente". "Então – Isaac havia acrescentado –, nem quando está dormindo nem quando está acordado a oração do fiel cessa na sua alma. Mas, quer coma, quer beba, quer durma, quer faça qualquer coisa, e até quando está imerso no somo, as exalações da oração se elevam no seu coração sem fadiga. Então, ele obteve a oração não por um período limitado, mas para sempre. E, quando acabou do lado de fora, ela é celebrada no seu segredo".
Enquanto São Silvano rezava, o coração se tornava terno, úmido. Os olhos se enchiam de lágrimas suaves: uma fonte, um rio incessante. João Clímaco lembrava que a perfeição consistia em chorar quando se reza: isto é, sempre. As lágrimas caíam dos olhos do fiel como águas de torrente: misturando-se às orações, às leituras, à meditação, à comida e à bebida.
O fiel – dizia Simeão, o Novo Teólogo – é "uma fonte que flui": água viva, que dança e salta sempre, e que rega as almas com profusão, e, como de uma cisterna, se derrama sobre aqueles que estão perto e aqueles que estão longe, e faz transbordar as almas que recebem a palavra com fé.
Não eram apenas lágrimas de arrependimento e de compunção. Primeiro, lágrimas de tristeza, raras e amargas; depois, sempre mais abundantes, sempre mais doces, verdadeiro "orvalho celeste", que se transformava em um radiante pranto de alegria, como se a alegria fosse a própria substância da dor cristã. Era a graça: essa fonte, dizia João, "que jorra em nós para a vida eterna". Assim como a oração, o amor não tinha fim.
São Silvano tinha vivido longamente sobre a terra e amava a beleza terrena: o céu e o sol, os jardins e o mar e as flores, os bosques e os prados, e a música, e tudo na terra lhe dava alegria sobre a terra. Ele vivia em uma condição de perene felicidade pascal: "Todas as coisas são boas: o mar magnífico, as pessoas amáveis, a natureza amável, o corpo leve".
Como Serafim de Sarov, ele estava convencido de que o primeiro livro escrito por Deus é o cosmos. E quisera se afastar do mosteiro para se esconder na floresta, entre os ursos, os lobos, as lebres, dando aos lugares próximos os nomes das localidades evangélicas para reviver mentalmente a vida do Salvador. Ele tinha compaixão por todas as criaturas vivas.
Uma vez, quanto matou uma mosca, ele chorou por três dias e três noites, entrevendo naquele inseto quase repugnante as figuras de todos os seres humanos e animais e vegetais que Deus havia criado. "Verde é a folha das árvores – repreendeu-se asperamente - e tua a arrancaste sem razão".
Não devemos nos admirar se esse homem, que amava as folhas e as moscas, tenha nos dado uma das mais impressionantes descrições do inferno em que o ser humano vive: em todos os tempos e, especialmente, nos tempos modernos. Ele imaginava que os demônios enchiam a sua cela com as suas figuras imensas: para evitá-los, ele se virava, prostrando-se diante dos ícones, e os demônios se colocavam diante destes, esperando que ele se inclinasse. Diziam-lhe: "Tu agora és santo", ou "Tu jamais serás salvo".
Deus havia lhe dado um senso muito agudo do pecado: ele havia feito com que ele conhecesse a sua essência sutil com tal penetração e intensidade que lhe parecia viver entre as chamas e os tormentos do inferno, até mesmo lá, no santo mosteiro do Monte Athos. De repente, ele percebia que havia perdido a graça: a alma se sentia rejeitada, expulsa, jogada fora, imersa nas trevas. Ele dizia: "Onde estás, Senhor, por que me abandonaste?". E se lembrava de uma frase de João Clímaco: "Os sofrimentos daqueles que perderam a graça são muito superiores aos dos condenados à morte e dos que choram seus mortos".
Justamente nesse momento extremo, junto ao abismo da perdição, Deus lhe dizia: "Mantenhas a tua mente nos infernos e não te desesperes". São Silvano sabia que a nossa condição habitual é o pecado, a tragédia, o inferno. Mas nada era mais grave do que ser ofuscado pelo desespero, dizendo a si mesmo: "Não me salvarei".
Onde quer que ele habitasse, mesmo naquele ponto mais lúgubre e profundo do inferno, descia o hálito da esperança, o sopro quieto e indomável da caridade cristã.
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Silvano, o santo que lia o grande livro do cosmos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU