17 Março 2012
O paradoxo do Evangelho: a verdade negada aos sábios. Um juízo revolucionário. A verdadeira filosofia está acima da racional. O espírito de inocência e humildade contém uma sabedoria muito profunda.
A opinião é de Piero Citati, um dos mais famosos escritores e críticos literários italianos, em artigo publicado no jornal Corriere della Sera, 13-03-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
"Naquele tempo, Jesus respondeu dizendo: 'Eu te glorifico, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos inteligentes, e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, assim foi do teu agrado. Tudo me foi revelado por meu Pai, e ninguém conhece o Filho, senão o Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar. Vinde a mim, todos vós que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos restaurarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e encontrareis restauro para as vossas almas. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve'". (Evangelho de Mateus 11, 25-30; os primeiros versículos estão quase na mesma forma no Evangelho de Lucas 10, 21-22).
O fragmento do Evangelho de Mateus que eu gostaria de comentar, começa com uma nota solene. "Eu te glorifico, Pai, Senhor do céu e da terra": isto é, eu confesso o meu pecado e, ao mesmo tempo, te agradeço, te exalto, invoco o teu nome, professo a minha fé em ti, te prometo solenemente como tu me prometes. Nessas palavras ressoa o eco de uma passagem de Enoque: "Naquele dia, todos com uma só voz começarão a louvar, exaltar, glorificar, magnificar no espírito de fé, da sabedoria, da misericórdia, da justiça, da paz e da bondade , e todos dirão a uma só voz: 'Louvai-o, e o nome do Senhor dos espíritos seja glorificado por toda a eternidade'". Essa solene glorificação promete, a todos que confessam que Jesus é o Senhor, a salvação no fim dos tempos.
Por que o leitor de Mateus glorifica a Deus com essas palavras solenes? A explicação poderia ser muito simples: ele glorifica a Deus porque criou o universo, ou porque é bom, ou porque nos socorre, ou porque nos ama.
Na realidade, o texto diz outra coisa: Deus escondeu alguma coisa (que por enquanto permanece indeterminado) de uns e revelou-a a outros. Se nos perguntarmos quem são os primeiros, penetramos de golpe no coração do paradoxo cristão. Os primeiros, aos quais a revelação é escondida, são os sábios e os inteligentes, isto é, os mestres profissionais da sabedoria e da cultura, que especialmente o judaísmo tanto exaltou, e todos os sábios e os inteligentes que, nos séculos cristãos, educarão os povos e os reis, e esperarão conhecer, eles sozinhos, o verdadeiro segredo da realidade e da verdade.
São Paulo insiste com grandioso extremismo: "Dispersarei a sabedoria dos sábios, e anularei a inteligência dos inteligentes", desenvolvendo uma passagem de Isaías. Com essas palavras, a história do mundo é invertida: a luz não ilumina mais quem deveria receber e difundir a luz em todo o mundo. Nem sábios nem inteligentes: o cristianismo sempre teve pouca ternura por eles, se não recebem um outro dom do céu.
A quem se dirige, portanto, a revelação? Com imenso escândalo do mundo greco-latino, Jesus responde: aos népioi. No grego clássico, népioi significa: as crianças, os filhos, os filhotes dos animais, os indefesos, os tolos, os inexperientes, aqueles que não têm discernimento e não compreendem nem a realidade, nem a vontade dos deuses, nem os sinais do destino.
Tudo muda com Isaías, os Salmos e os escritos de Qumran: népios é o pio que está sob a proteção de Deus, que dá sabedoria aos simples, os protege, os defende e lhes concede a luz da revelação. Depois da destruição do Templo, um Rabi disse: "Desde o dia em que o templo foi destruído, a profecia foi tirada dos profetas e dada aos tolos e às crianças". O verdadeiro népios é principalmente Jesus, que nos fez conhecer aquele Deus que ninguém jamais havia visto e que revelou todos os mistérios da natureza e da história e os corações dos homens, que, antes dele, permaneciam envoltos em trevas.
Assim, a inversão está realizada, a verdadeira filosofia está acima da filosofia racional: a condição de népios, o espírito de inocência e de humildade, que aos nossos olhos parece insignificante, contém uma sabedoria muito profunda e inefável, a qual a sabedoria técnica dos inteligentes nunca poderá se adequar.
Ainda não sabemos, até este momento, qual será o conteúdo da revelação, indicado por um genérico "essas coisas". Sabemos apenas que tudo nos será revelado, porque, como diz uma outra passagem de Mateus, "não há nada de escondido que não será revelado, e não há nada de oculto que não será conhecido". Se Heráclito havia dito que Deus não diz abertamente nem esconde, mas indica, Mateus fala da revelação plena e completa, que nos é oferecida já neste momento, quando o percurso de Jesus ainda não está completo, e nós não conhecemos a verdade do fim dos tempos.
O Evangelho procede ora por paradoxos e inversões, ora por retomadas. Aqui temos uma retomada. O conteúdo da revelação anunciada é uma nova revelação, promulgada em uma grande fórmula. Nós, portanto, possuímos o conhecimento do Pai, obtido exclusivamente através da mediação do Filho; e o conhecimento do Filho, obtido exclusivamente através da mediação do Pai. Há uma correspondência perfeita entre os dois conhecimentos, que se somam em um só: "essas coisas" são o mistério de Deus, em quem estão escondidos todos os mistérios da sabedoria. E não só. Há mais uma revelação: porque o Filho quer confiar àqueles que ele escolheu (não sabemos quem) o coração da sua mensagem, isto é, a correspondência perfeita entre o Pai e o Filho, na qual toda figura é o espelho perfeito da outra.
As pessoas, que nesse momento estão ouvindo a revelação, sofrem todas de um jugo e estão todas "cansadas e sobrecarregadas". O jugo é, acima de tudo, o de Deus: o jugo da sabedoria, dos céus, do Santo, da Torá, dos mandamentos, da penitência, que o fiel deve assumir a todo custo.
Mas há outros jugos: o da sabedoria rabínica, que é aplicado à vida cotidiana e se torna muito oneroso, o das nossas paixões reguladas ou desreguladas, das nossas fantasias e dos nossos pensamentos, dos quais nós mesmos nos carregamos, todo aquele peso intolerável que é a existência de todo ser humano, conduzido dia a dia, passo a passo, sob uma capa que nos esgota, nos pesa, nos enfraquece, nos desgasta, nos exaure.
Não podemos esperar que o de Jesus não seja um jugo nem um peso: o próprio Jesus não espera isso; por sua própria natureza, toda religião é um jugo e um peso, que a alma irradia ao seu redor. A diferença entre as outras religiões e aquela anunciada por Jesus é que o jugo cristão é doce e suave, e que o seu peso é muito leve e imponderável; de modo que não parece pesar nem cansar, e nós acabamos não o sentindo. Há apenas uma única religião tão leve: a taoísta, que muda como as nuvens, a chuva, o arco-íris, e ama a condescendência, a multiplicidade, a flexibilidade, as contradições e, principalmente, o vazio que atravessa e preenche as coisas, como se fossem quase diáfanas e tênues como o ar.
Com uma breve excursão, o discurso retorna a Jesus: "Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração". É a única vez nos Evangelhos que Jesus diz "aprendei de mim", porque ele, que é o Modelo, foge constantemente de se apresentar como modelo. Aqui está a palavra fundamental da nossa passagem, e talvez de todos os Evangelhos, e talvez de todo o cristianismo: "Eu sou humilde de coração", diz Jesus.
Na grecidade clássica, tapeinós significa: miserável, insignificante, baixo, fraco, humilde, pobre. Com os salmos e a tradução Septuaginta, começa a inversão do significado. "O Senhor protege os pequeninos: fui humilhado, e ele me salvou". Os adeptos do Qumran se definem: os pobres, os humildes. Os rabinos sabem que Deus exalta quem se humilha, e humilha quem se exalta, antecipando as frases dos Evangelhos: "Quem se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado", frase que recorre três vezes. O rabino Hillel diz estupendamente: "A minha humilhação é a minha exaltação, e minha exaltação é a minha humilhação".
Por fim, chegamos à inversão absoluta. Não é mais o ser humano que se humilha ou que é humilhado, mas sim Jesus que humilha a si mesmo, assumindo o corpo de um homem, até mesmo o de um néuios, aceitando subir com esse corpo na cruz, como escândalo e loucura para os homens e para o universo, e vivendo segundo a humildade (e a mansidão e a ternura) nos seus poucos anos de vida.
Tudo mudou: as palavras, os símbolos e os valores se transformaram. E, com o seu toque leve, Mateus, que em nome de Jesus já havia anunciado: "Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus", diz com a voz muito profunda de Jesus: "Eu sou humilde de coração".
A última palavra dessa figura mansa e humilde, que justamente por isso ascende até o cume da história, é anapáusis: cessação, trégua, repouso, paz, restauro, quietude. Não é uma palavra nova, porque os textos sapienciais, apocalípticos e gnósticos já haviam anunciado o repouso das almas cansadas e sobrecarregadas. Mas desta vez anapáusis é incomensurável: pressupõe uma quietude da alma tão íntima e profunda como jamais havia sido conhecida, porque todos os pensamentos, as sensações, as paixões, as inquietações, as bem-aventuranças, os sofrimentos, os pesos e os jugos caíram, deixando a alma vazia e pura. E, depois, a quietude se estende para longe, cada vez mais longe, como diz São Paulo, no repouso infinito do éon futuro.
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O primado dos humildes que subverteu o mundo. Artigo de Piero Citati - Instituto Humanitas Unisinos - IHU