Por: Cesar Sanson | 27 Março 2012
Como em poucos momentos da história, o Brasil vive um agitado período de lutas políticas em torno do acesso e domínio de suas terras, com intensas pressões sobre as legislações ambientais e fundiárias. Enquanto o Senado aprova a proposta ruralista de um novo código florestal, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprova a PEC 15, que transfere do Poder Executivo ao Congresso o poder de decisão sobre a homologação de terras indígenas e quilombolas.
Em uma análise do atual contexto político, Gilmar Mauro, dirigente do MST, afirmou em entrevista ao Correio da Cidadania, 27-03-2012, que o momento é parte das tradicionais ofensivas capitalistas, que visam avançar sobre novas fronteiras econômicas e suas férteis terras - ao mesmo tempo em que a esquerda se encontra em grande refluxo, de modo “que apenas age reativamente, corre atrás do prejuízo após a direita tomar iniciativas políticas, em geral, perdendo”.
A condução da política econômica focada nos interesses do ‘agrobusiness’ exportador, altamente desestimulante para os investimentos produtivos e industriais (estão aí os dados de nossa ‘desindustrialização para comprovar), corre ao lado de uma reforma agrária a cada dia mais excluída da pauta política. Gilmar Mauro refuta, no entanto, as críticas que sugerem passividade do movimento em relação ao governo petista, lembrando que o MST está “no mesmo patamar de mobilização da época de FHC, com 80, 90 mil famílias acampadas pelo país”.
Realista, ele ressalta a importância da atual jornada de luta camponesa, incluindo as de outros movimentos, mas prefere não alimentar ilusões de grandes mudanças e conquistas populares para o ano. De todo modo, afirma que há muito tempo o movimento camponês não convergia em torno de pautas e cobranças políticas similares.
Como exemplo do atual momento crítico que vivemos, cita a determinação de Dilma Rousseff de não permitir desapropriações que custem mais de 100 mil reais por família. “Ou derrotamos e destruímos essa proposta da Dilma, ou não tem mais assentamento no centro-sul do país”. Com esse novo e desconhecido golpe que se pretende aplicar à reforma agrária – em um país que gasta 48% de seu orçamento com juros da dívida e 0,22% com reforma agrária -, fica notório que a troca de ministro do Desenvolvimento Agrário tende a ter valor prático nulo, como lembra Gilmar Mauro.
Eis a entrevista.
As grandes questões ambientais, agrárias e sociais parecem tratadas de modo cada dia mais raso pelos governantes e pela mídia. Ao mesmo tempo, é notória a efervescência com que o país aparece aos olhos do público, com os números de um agronegócio galopante e com o interesse das multinacionais e grandes corporações em entrar no país, comprando terras e investindo pesado, basicamente, na especulação financeira. Como este cenário vai se associar, daqui em diante, com uma das demandas sociais mais básicas em nosso país, a reforma agrária?
Toda a lógica apresentada não é nova, mas antiga, e evidentemente aprofunda uma característica histórica de nosso país, a de ser exportador de produtos primários. Faz parte de uma lógica econômica de tentar saldos positivos na balança comercial para se equilibrar no balanço de pagamentos, coisa que por sinal tampouco tem se conseguido. Embora eventualmente o Brasil tenha saldos positivos no balanço comercial, o déficit em conta corrente é altíssimo, fruto de um processo de endividamento externo especulativo, sugando anualmente bilhões e bilhões dos cofres públicos e, conseqüentemente, da população.
Com isso, a reforma agrária está fora de pauta, fora da agenda. A lógica do modelo econômico é o desenvolvimento do agronegócio. Mesmo em relação à pequena produção, vimos a proposta do governo, no sentido de propor o empreendedorismo rural, uma espécie de “agronegocinho”, integrado aos grandes grupos econômicos, às grandes agroindústrias, ou produzindo para o mercado interno.
Dessa forma, dentro de tal política do governo, podem ser integrados mais uns 2 milhões de pequenos agricultores, da chamada agricultura familiar, para dentro deste modelo. E o restante, a grande maioria, mais uns 2, 3 milhões de famílias, mais os assentamentos, fica com o Bolsa família, compensações sociais etc., mas nenhuma perspectiva dentro de tal modelo.
Concluindo, a reforma agrária agora depende de um debate político da sociedade. Se a sociedade quiser dar esse uso que o Brasil vem dando à terra, à água, aos recursos naturais, não cabe mais a reforma agrária. Se a sociedade brasileira quiser consumir esse tipo de alimento, não precisa mais de reforma agrária.
Se quisermos dar outro uso à água, ao solo, aos recursos naturais e comer outro tipo de comida, a reforma agrária é um dos projetos modernos a serem implantados no país, o que evidentemente exige um novo modelo agrícola. É o debate que a sociedade precisa abrir.
Os números apresentados em relação à reforma agrária em 2011 denotam, portanto, realmente, que o governo Dilma pouco se empenhará no sentido de promovê-la?
São números pífios! Como sempre foram os resultados da reforma agrária no Brasil, que praticamente inexiste. Aliás, nunca existiu reforma agrária. Nós temos é política de assentamento. E cada vez menor. Os números de 2011 refletem esse cenário, de uma política de assentamento de menor intensidade, com menos recursos, nenhuma prioridade do governo aos resultados. É o reflexo da política que vem sendo aplicada no último período político.
Não acredito que a presidente Dilma se empenhe na questão. Ao menos é o que tem mostrado, ficando muito mais preocupada com a macroeconomia e sua atual lógica de condução, calcada na exportação de commodities agrícolas.
Aliás, todo o desenvolvimento econômico brasileiro está alavancado em três eixos: a demanda externa dos últimos 10 anos por commodities agrícolas e minerais, que as valorizou e valorizou também as próprias terras; em segundo lugar, grandes injeções de recursos públicos, principalmente via BNDES, patrocinando fusões de grandes empresas que se transformam em transnacionais - injeções realmente grandes financiadas pelo povo brasileiro; e em terceiro lugar, os investimentos que o Estado tem feito em grandes obras de infra-estrutura, dos megaeventos, do PAC.
Outro ingrediente que sustentou o crescimento dos últimos anos foi o endividamento das famílias brasileiras, com a abertura do crédito para consumo, a antecipação do consumo, tanto de automóveis como da linha branca. Mas esse modelo econômico tem limites, todo mundo sabe disso. Não dá pra prever a data e a hora da crise, mas ela virá, certamente.
Portanto, dentro do atual cenário macroeconômico (a real preocupação do governo Dilma), a reforma agrária, claro, está fora das prioridades.
A propósito, em face do atual troca-troca de ministros em um governo de ‘composição’, cada dia mais refém do fisiologismo parlamentar e das imposições midiáticas, qual o significado da troca do ministro do Desenvolvimento Agrário realizada nesses dias, em que Pepe Vargas ocupou o lugar de Afonso Florence?
Do ponto de vista pessoal, não conheço muito o Pepe Vargas, porém, ele deve entender mais de reforma agrária que o anterior, que não entendia nada. Mas, de toda forma, sendo objetivo na avaliação, não vai se alterar muito o cenário da reforma agrária. Não é a pessoa, um só ministro, que vai mudar isso. É a política de governo, e quem a determina é a Dilma.
Prova disso é a determinação da Dilma de não fazer assentamento onde a terra custe mais de 100 mil reais por família. Ora, com o preço das terras em São Paulo, no Sul, no Centro-Oeste, não haverá mais desapropriação. Com isso, a presidente altera a Constituição, a qual estabelece que a terra que não cumpre sua função social deve ser desapropriada para fins de reforma agrária, dando lugar a uma medida administrativa, econômica, estabelecendo que o custo por família assentada não pode passar de 100 mil reais. Portanto, não tem mais desapropriação no centro-sul do nosso país.
Houve informações de que o principal fator a convencer Dilma de trocar o ministro foram informes da ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) acerca da grande insatisfação do movimento, e o medo de sua radicalização. Elas são verídicas?
Que há uma grande insatisfação do MST, e também de outros movimentos, é evidente. Claro, com um ministro da reforma agrária que não entendia do assunto, nada se encaminhava. Mas a insatisfação não era só com essa pessoa, e sim com o fato de que o Brasil usa 48% de seu orçamento para juros e amortizações da dívida e somente 0,22% para reforma agrária. Esse é o motivo de insatisfação.
Em termos de radicalização, o movimento apenas continua fazendo lutas, estamos no mesmo nível em que estávamos no governo FHC, com 80, 90 mil famílias acampadas em todo o Brasil. Houve um período, logo que o Lula entrou, quando o povo achava que ele avançaria na reforma agrária, que as famílias acamparam em maior número. Mas hoje temos em torno de 80 ou 90 mil famílias.
Continuamos fazendo ocupação, luta, sem ilusão de que vão resolver o problema da reforma agrária. Porém, não deixaremos de fazê-lo, pois é preciso colocar o debate para a sociedade, para outros setores, categorias.
Fora isso, também vivemos um momento de poucas lutas sociais. Aquelas que ocorrem são bastante corporativas, calcadas em reivindicações econômicas, seja do movimento sindical, seja do movimento social. Um cenário difícil para todo o movimento social, a esquerda, os setores progressistas. Mas o nosso movimento vai continuar fazendo o que sempre fez. O ingrediente principal é ampliar o debate no conjunto da sociedade.
Mas o que pensa desse expediente de infiltração de agentes do Estado nos movimentos sociais?
Quanto à participação da ABIN, deve ser falta do que fazer, deve faltar serviço lá. Mas, historicamente, sempre fizeram isso conosco. Não só os serviços internos, como também a CIA. Portanto, estamos vacinados com relação a eles, além de ser de fato uma falta do que fazer.
Porém, não acredito que a mudança do ministro seja resultado de tal diagnóstico da ABIN. Essa insatisfação já foi mostrada por vários setores em diversas reuniões. Inclusive, estamos conseguindo reunir uma pauta comum entre vários movimentos sociais, algo inédita no último período, com a participação de Contag, Fetraf e outros movimentos, na perspectiva de realizarmos um encontro nacional de movimentos camponeses, uma espécie de congresso camponês no Brasil. E é a primeira vez, pelo menos nos últimos dez anos, que conseguimos juntar todo esse povo numa pauta em comum.
Sendo assim, acredito muito mais nesses fatores do que nas informações vindas de agências como a ABIN.
De toda forma, a Abin e outros órgãos do Estado também dedicam seus serviços a investigar as milícias do campo contratadas pelo latifúndio, promotoras de permanente violência, chegando muitas vezes a assassinatos, ou sua atuação reitera o caráter de classe e de discriminação social do Estado?
Aí tem uma questão importante a ressaltar. Historicamente, sempre houve violência, ora com o viés mais coercitivo, ora desenvolvendo processos de geração de consensos na sociedade. E acredito que o atual momento seja de intensificação de ambos. Um momento de ampliação dos instrumentos de produção de consenso social, e aumento também do uso de instrumentos coercitivos, basta observar os últimos despejos ocorridos em São Paulo.
Mas a tentativa deles, do Estado e da sociedade de classes, é produzir consensos na sociedade que justifiquem processos de coerção; o episódio Cutrale foi isso, a entrada nos morros do Rio de Janeiro também, e assim por diante.
Este é o momento que vivemos, e não é uma particularidade brasileira, e sim uma realidade mundial. À medida que o capitalismo enfrenta dificuldades econômicas e entra em crise, é evidente que o aparelho repressivo dos Estados entra em ação, não sendo diferente o caso brasileiro.
Como você avalia a recente jornada de lutas das mulheres camponesas e a importância deste tipo de mobilização encabeçada por elas? A marcha das mulheres prenuncia algo para a jornada de lutas do Abril Vermelho?
Nós iniciamos no começo do ano um processo de luta com várias ocupações. Na jornada em solidariedade aos companheiros do Pinheirinho, levamos 11 ônibus com militantes, quatro caminhões de comida. Agora, colocamos em mobilização por todo o Brasil milhares de mulheres. Em São Paulo, houve paralisações em todas as regiões, envolvendo centenas e centenas de mulheres. E vamos continuar assim na jornada de abril, que estará calcada fundamentalmente na reforma agrária. Ou a gente destrói e derrota essa proposta da Dilma de que terra acima de 100 mil reais por família não deve ser desapropriada, ou a política de assentamentos continuará fora da pauta política.
Assim, estamos iniciando bem o ano, com as forças que temos, com as dificuldades que temos, as quais, como eu disse, são dificuldades do conjunto da esquerda e do movimento social. Mas acho que será um ano de muitas lutas, muitas mobilizações, e principalmente, na minha expectativa, de construções políticas com outros setores da classe trabalhadora, a exemplo do que está acontecendo com o movimento camponês.
Portanto, acho este um ano promissor em termos de lutas sociais, principalmente dos movimentos do campo. E outros setores estão dando os mesmos indicativos, como os professores. Na semana passada, acabou a jornada nacional do MAB, com participação do MST, e agora vem o Abril Vermelho, uma jornada que espero que seja bem grande em nível nacional.
Qual o significado deste tipo de manifestações na atual conjuntura política e econômica, dominada pelo entrelaçamento do capital fundiário ao financeiro, com a agricultura praticamente refém de grandes grupos econômicos? Que conseqüências efetivas se podem esperar destas manifestações neste contexto?
Eu não crio ilusões. O capital é o capital, na indústria, no comércio, no sistema financeiro ou na agricultura. A agricultura é só mais um espaço para a sua valorização. E o capital investe muito no Brasil porque está ganhando muito, e vai continuar a fazer isso.
Já a minha falta de ilusão é em relação às manifestações da classe trabalhadora. Creio que a grande maioria das mobilizações da classe trabalhadora se resume a reivindicações de ordem econômica. O movimento sindical em geral e a classe trabalhadora em geral lutam por aumento de salário, Participação nos Lucros e Resultados (PLR) etc. Claro que há outras reivindicações também, significativas, porém, ainda bastante calcadas na luta econômica.
Assim, acredito que o próximo período ainda será marcado por esse tipo de mobilizações, aliás, no mundo inteiro. As mobilizações na Europa são importantes, mas também não tenho dúvida de que estão calcadas nas importantes perdas sofridas pela classe trabalhadora no último período. Não está posta a luta pelo socialismo na Europa, por exemplo. Ao menos com força popular. O caso do Oriente Médio, nos países árabes, é semelhante, pois são muito mais lutas democráticas do que anti-sistêmicas. O Brasil não foge à regra, as lutas são muito mais econômicas do que por mudanças políticas e anti-sistêmicas. Nesse sentido, ocorrerão mais lutas, até mais greves do que ultimamente, porque o Brasil ainda vive esse período, não tem pleno emprego, mas ainda tem muitas possibilidades.
De toda forma, creio que devemos nos preparar para um longo período. O próprio Plínio Arruda Sampaio (ex-presidente da Associação Brasileira da Reforma Agrária) já disse que temos de nos preparar para uma maratona. Não dá pra pensar em corrida de 100 metros. Eu vejo, tranquilamente, de maneira igual. Os momentos de luta da classe trabalhadora são esparsos, sazonais, às vezes sai só uma greve no ano, e com a luta bastante calcada no aspecto econômico.
Porém, enquanto existir capitalismo, a classe trabalhadora vai bater cartão de dia e de noite. Temos de ir nos fortalecendo em relação às organizações, movimentos. Não se trata de fortalecer indivíduos, fomentar mais divisões, e sim de fazer esforços em favor das organizações e lutas conjuntas, ainda marcadas pelo viés econômico, mas visando politizá-las, discutir os processos vividos. Em alguns cantos, o processo de politização é mais rápido, em outros, mais lento, mas existe o aprendizado coletivo, tanto em relação ao que é esse governo, ao que é o Estado, como à lógica do capital. Nesse sentido, muitas organizações sociais têm evoluído.
O que implicaria, na atualidade, e a seu ver, uma autêntica e renovada discussão sobre reforma agrária? Quais seriam, ao mesmo tempo, eventuais novas estratégias para levá-la a cabo?
Eu dividiria a tarefa em duas partes. A primeira é a da resistência. É importante segurar a bandeira em pé, isso é o fundamental. Em tempos de crise é mais fácil sair xingando todo mundo e começar a promover novas rachaduras, sendo que muitos setores da esquerda não conseguem falar com o conjunto da classe trabalhadora, voltando-se a elas mesmas e gerando uma digladiação interna que só gera fragmentação. E assim nem precisa de direita. Manter as bandeiras em pé e resistir a esse tempo histórico é fundamental.
Em segundo lugar, do ponto de vista estratégico, como já comentamos em parte, é preciso fazer um amplo debate na classe trabalhadora sobre o que é o modelo econômico. No nosso caso, o modelo agrícola, colocando em pauta o questionamento a respeito de quem nossas terras estão a serviço, a que custo isso tudo está sendo produzido, com a destruição ambiental, degradação da água, das reservas florestais etc., além do tipo de comida que nossa sociedade quer consumir. Tudo para promover um debate politizado de que é preciso pensar num novo modelo agrícola, que respeite o meio ambiente, produza alimentos, matérias-primas, empregos e condições de vida com novos paradigmas tecnológicos e produtivos.
Para fazer isso, evidentemente, não tenho ilusões, é preciso outro Estado. É preciso outro governo, e isso não depende só de nós. Aliás, para fazer reforma urbana também precisa de outro Estado, outro governo. Porém, tudo acaba recaindo na correlação de forças e avanço do conjunto de setores da classe trabalhadora, o que é o nosso desafio e também de toda a esquerda que acredita e quer mudanças profundas em nosso país.
Enfim, nesse tempo de resistência, é preciso continuar investindo na formação político-ideológica e rever a organização. Enfatizo a organização, pois, como a classe não vive lutando - quem trabalha vive trabalhando, e só luta todo dia quem não trabalha -, caímos no problema da importância da organização, com memória histórica, preparadora de novas lutas, formadora de novos militantes, inclusive com a tarefa da conspiração, no bom sentido, política da classe trabalhadora. É mais que necessário fortalecer as organizações sociais.
Na época da eleição de 2010, pouco antes da vitória de Dilma, você nos concedeu entrevista na qual reiterava que o Movimento dos Sem Terra não seria refém deste governo, a despeito de não haver tomado partido de nenhum candidato naquele momento. Você acredita que o movimento venha tendo posturas condizentes com essa afirmação?
Acredito que sim. O MST não é refém de nenhum governo e nem será, muito pelo contrário. Mas é preciso dizer umas coisas. Conversando com sindicalistas, ouço que “o MST não está fazendo muita luta, e não sei que...”, mas devolvo lembrando que estamos no mesmo patamar da época do FHC, replicando com a pergunta: “nas greves do movimento sindical qual é a pauta? Vocês têm pautado a desapropriação das fábricas? As greves não são pra melhorar o salário e PLR? As negociações são com quem? Com o próprio patrão?”.
Com o MST é o contrário. Nós ocupamos o latifúndio e não negociamos com o latifundiário. Negociamos com o governo, com o Estado brasileiro, e reivindicamos que o desaproprie. Assim, é evidente que, embora façamos uma luta radical, a ocupação da terra etc., no fundo fazemos uma luta radical para que a terra seja desapropriada e aí sim legalizada, institucionalizando a ação do nosso movimento. Que seja legalizada para novas famílias assentadas, pois é a única forma de terem acesso aos créditos e outras coisas. Isso porque não temos força para tomar e distribuir o latifúndio por conta própria e fazer a reforma agrária por conta própria. Por isso, na nossa luta, ocupa-se e negocia-se. Nela, vemos o governo brasileiro como o canal da nossa negociação, assim como o sindicato negocia com o patrão que é o dono da fábrica. Portanto, neste contexto, a única diferença é que lutamos pela desapropriação e o sindicato por melhores salários.
Fiz essa reflexão para chegar a outra: quando se parou uma fábrica e o conjunto de seus trabalhadores veio para uma ocupação nossa? Quem vem para as ocupações é a representação política da categoria, do sindicato, o que é importante, mas já paramos nossa produção inteira para prestar solidariedade a outros setores da classe trabalhadora.
Não estou dizendo isso para defender que o MST seja melhor que outros setores, e sim que o estágio da luta ainda se encontra fundamentalmente em torno de lutas econômicas. E aí tenho clareza de uma coisa: uma organização que não responde às necessidades de sua categoria perde o sentido e razão de ser para a sua categoria. Portanto, o MST vai ter que conjugar a necessidade da sua base, a luta pela terra, a lona, a cesta básica, o crédito, mas, concomitantemente, terá de investir na formação político-ideológica, fazendo todas as lutas. Esse é o grande desafio de ser um dirigente do MST no atual momento histórico, a meu ver.
Ao lado da reforma agrária, mais fora da pauta da grande mídia bem como da agenda governamental, estamos diante das intensas discussões e polêmicas em torno do Código Florestal. O que tem a dizer do imbróglio em que se tornou esta reforma e como ela está associada ao destacado boom de ‘expansão capitalista’ no Brasil e ao tema da reforma agrária?
Essa é a tentativa deles: avançar nas terras brasileiras e na destruição do que ainda resta de preservação ambiental. É o papel deles no jogo. O que impressiona é ver setores da esquerda – se é que se pode chamar de esquerda -, progressistas, entrarem nessa, inclusive setores da igreja, com um discurso econômico em defesa do modelo atual.
De nossa parte, estamos em campanha contra os agrotóxicos, um debate que a meu ver envolveu e entrou na sociedade. Se for aprovado esse Código Florestal, será goela abaixo, porque há sinais claros na sociedade de que a maioria dos brasileiros é contra a sua aprovação.
Enfim, é o rolo compressor do modelo econômico aplicado no país, mas os impactos da aprovação do código, evidentemente, serão muitos.
E já há informações de que a presidente poderá vetar o novo texto do Código tal como votado no Senado. Porém, novos decretos viriam a modificar este modelo anterior, de modo a atender às expectativas da bancada ruralista. O que deve ser o desenrolar final desse processo em sua opinião?
Eu não gosto de fazer projeções, pois seriam mais especulações subjetivas. Em minha opinião, se a Dilma vetar, ótimo. Só não sei se tem tempo pra isso, se o fará de fato, é disso que não tenho nenhuma segurança. Acho difícil ficar apelando agora, “veta, Dilma, veta, Dilma!”. Sei lá, é muito difícil. Tomara que isso ocorra, seria uma medida importante, mas não tenho certeza e nem apostaria minhas fichas nisso. Mas, se vetar, dará mais força para a sociedade continuar se mobilizando. Não acho que facilitaria subterfúgios posteriores.
Na verdade, para ser honesto, tenho que dizer que os movimentos sociais, os partidos de esquerda, todos, estamos a reboque – a reboque – do grande capital e do Estado brasileiro. E estamos agindo reativamente, esse é o nosso problema, e não é só do MST. Estamos sempre correndo atrás das iniciativas que eles tomam. E normalmente perdendo.
Esse é o balanço que precisa ser feito, inclusive para fugir à arrogância de que cada um tem uma verdade, absoluta. É preciso dizer que estamos todos ferrados, pra não usar outra expressão. E se não tomarmos consciência da necessidade de se fazerem lutas com perspectiva de unificação, vamos perder em todas as frentes, nas quais só estamos correndo atrás do prejuízo. Estamos com dificuldade de ter uma estratégia própria e tomar iniciativas. O caso do Código Florestal é evidente, mas é só um. Há a Transposição do São Francisco, os transgênicos... Estamos sempre correndo atrás, e pior, perdendo, como disse.
Acredita que o descaso com as questões agrárias, sociais e ambientais, ao lado da hegemonia do agronegócio, com seu modelo de exploração dos recursos naturais e o pesado lobby que vem fazendo para desmantelar o Código Florestal, poderão levar a uma radicalização dos movimentos sociais, inclusive do MST, nos próximos tempos?
Não é uma questão de vontade. Meu desejo é fazer a revolução... Mas não posso cair no subjetivismo. Volto a ressaltar que a classe trabalhadora está numa fase de lutas com reivindicações econômicas. Eu não acredito em processos mais intensos do que esse. Tomara que esteja equivocado, mas não vou semear ilusões num meio de comunicação. Acho que estamos num tempo difícil e, mesmo com tais medidas, na sociedade brasileira as lutas ainda estão sendo marcadas pelo economicismo.
E se eu tenho convicção de uma coisa hoje, é a seguinte: não existe a menor possibilidade de fazer a revolução pela classe. Ou a própria classe faz a revolução ou não haverá um grupo que a fará por ela. Portanto, é momento de ter essa consciência histórica, trabalhar, trabalhar e trabalhar, e talvez a gente consiga superar para o próximo período o atual momento de fragmentação e dificuldades.
Acho que a crise econômica internacional, que certamente virá para cá, pode nos ajudar. Se agora não tivermos sabedoria sobre como nos posicionar e onde queremos estar quando a crise vier – e sem dúvida, virá – para darmos um salto de qualidade, talvez possamos ir mais para trás ainda. Não acredito que neste ano acontecerão grandes coisas. Tomara, tomara que sim, mas não quero plantar grandes ilusões.
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“Movimentos sociais, partidos de esquerda, todos, estamos a reboque do grande capital e do Estado brasileiro”, afirma dirigente do MST - Instituto Humanitas Unisinos - IHU