Por: Jonas | 21 Março 2012
A líder humanitária Bertha Oliva afirma que com o governo de Lobo aprofundou-se a violência contra jornalistas, camponeses e trabalhadores sociais. “Todas as estruturas de poder se sentiram legitimadas com o retorno de Honduras à OEA (Organização dos Estados Americanos).”
A entrevista é de Gustavo Veiga, publicada no jornal Página/12, 20-03-2012. A tradução é do Cepat.
Seu olhar triste, apagado, parece conviver bem com a força de suas convicções. Essa combinação de aparências transmite serenidade, desenvoltura, como se sua dor fosse reciclada para lutar: a luta a que se entregam os que sofreram. Bertha Oliva é hondurenha, coordena o Cofadeh (Comitê de Familiares de Presos Desaparecidos em Honduras). Ela esteve em Buenos Aires e foi premiada no Ciclo de Março, Mulher e Memória. Ali, compartilhou uma jornada com Nora Cortiñas, a presidente das Mães da Praça de Maio Linha Fundadora. Antes de retornar ao seu país, disse em entrevista que, “lamentavelmente, temos muito trabalho porque há muitas violações aos direitos humanos. Eu gostaria de pensar que algum dia não será assim, porque nesse dia, então, serão diminuídos estes crimes. Porém, agora existem execuções, assassinatos, ameaças, torturas, perseguição, temos que enviar pessoas para o exterior. E estamos falando do que acontece hoje em Honduras”.
Eis a entrevista.
A situação que você descreve é gravíssima.
A impunidade é muito forte em meu país. Estão eliminando jornalistas, advogados, professores, e desarticulando os movimentos sociais e sindicatos na base do terror e da perseguição. Os jovens são perseguidos. Também, nunca como agora tantas mulheres foram assassinadas. Uma disse: “O que é que estamos vivendo?”. Sobre La Granja, o que aconteceu no presídio de Comayagua é uma clara amostra. Morreram 361 presidiários. Tudo o que se vê antes, durante e depois do incêndio demonstra que houve um padrão e que, além disso, havia planejamento. Absolutamente, feito para castigar. As famílias estão sendo vencidas pelo cansaço, para que não reclamem.
As violações aos direitos humanos se aprofundaram, do governo golpista de Roberto Micheletti ao atual, de Porfirio Lobo?
Lobo aprofundou o problema porque a partir do momento em que o Estado voltou a fazer parte da OEA, todas as estruturas de terror que existem se sentiram legitimadas. Elas são um poder consolidado. Honduras vive num estado de emergência em matéria de direitos humanos, igual ou pior que nos anos de 1980.
Você pode falar do tema, em primeira pessoa, porque seu esposo, Tomás Nativí, está desaparecido desde 1981?
Sim, era professor de profissão. Porém, exerceu seu magistério no ensino social, sem ir a colégios para dar aulas ou ensinar numa universidade. Tomás se entregou às causas sociais. Era um revolucionário. No momento em que ele desapareceu, havia renunciado ao Partido Comunista de Honduras, foi aí que ele impulsionou e deu origem à União Revolucionária do Povo ou URP, uma organização de massas com toda sua dinâmica nos colégios e nas universidades.
Desde que foi fundado, em 1982, quantas pessoas desaparecidas foram descobertas pelo Cofadeh?
Nós pudemos registrar, porque se um dado fosse falso seria motivo para que nos desarticulassem, 184 desaparecimentos forçados, todos documentados. Porém, sabemos que o número é muito maior porque só na operação ocorrida em Aguacate, no estado de Olancho, quando entrou o padre Guadalupe Carney, com uma coluna a partir da Nicarágua - estamos falando do ano 1983 -, só aí eram cem homens com os quais ele entrou, e temos registrados onze presos, com nome e sobrenome, e sete que sobreviveram. Do restante, não sabemos o que aconteceu, há muitos cemitérios clandestinos.
Vocês conseguiram levar ao julgamento os responsáveis desses crimes de lesa humanidade, como a Argentina está fazendo?
Conseguimos identificar os responsáveis, para levá-los ao julgamento. Provamos que havia desaparecimentos forçados, científica e juridicamente. Porém, a postura do Estado hondurenho é que os casos de desaparecimento forçado continuem sempre na impunidade.
Essa dificuldade foi igual em todos os governos?
Em todos. Aconteceram algumas mudanças, por exemplo, quando Carlos Roberto Reina esteve no poder. Ajudou muito em processos de exumações e, em seguida, com a eliminação do serviço militar obrigatório. Isso permitia que os militares não estivessem semeando o terror nas famílias e que não se intrometessem tanto nos crimes que haviam cometido.
Ou seja, salvo essa contribuição que você atribui ao governo de Reina, nem sequer durante o governo de Zelaya houve uma facilitação nos trabalhos de esclarecimento?
Com Zelaya tivemos proximidades. Em seu governo houve dois casos apresentados ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos e quando não se tinha um acordo amigável, passavam à Corte Interamericana. E aí ele nos disse: “Façam uma proposta do Cofadeh”. Ele demonstrou vontade política. Aprovou um decreto que, se tem algumas falhas, são falhas nossas. Aprovou como nós apresentamos. Era um programa de reparação para os familiares das vítimas. Porém, não com a visão de se criar monumentos e de indenizar as famílias, mas para que fosse o início de uma política de Estado, em matéria de direitos humanos, que foi interrompido com o governo de Micheletti.
O que aconteceu com o decreto?
Está aí. Seria necessário ver se é levado em conta. Embora, como fruto desse decreto, tenha iniciado uma campanha de desqualificação e de ódio ao Cofadeh e em relação a esta sua servidora, que recebeu fortes e terríveis ameaças de morte. Eu não acreditava que as estruturas de impunidade estavam tão consolidadas em Honduras. Nos demos conta disso quando fizeram toda essa campanha e barbárie contra nós. Inclusive, houve uma tentativa de assassinato.
A quem você atribui estes fatos?
Não se pode dizer nesse momento, porque estamos numa alegação jurídica e não quero que seja interrompida, mas sim, sabemos de onde vem tudo, os temos bem situados, como planejaram e quais são os grupos que deram o golpe de Estado. Esses mesmos grupos são os que fizeram essa campanha, fundamentalmente, contrária ao Cofadeh e seus membros.
Como se sustenta a organização que você coordena, num ambiente tão hostil?
A insegurança que existe, em nível geral, é terrível em Honduras. Eles matam lideranças sociais, mas atribuem ao estado de insegurança que se vive. O assassinato de jovens, ou pessoas que estavam muito ligadas com a Frente e, bem, não acontece nada porque “caminhavam em algo”. Agora mesmo, estamos falando de esquadrões da morte. Todas as estruturas encarregadas de buscar justiça e de proteger ao povo hondurenho estão coniventes com o crime.
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“A impunidade é forte em Honduras” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU