13 Março 2012
Os cristãos não têm o direito de usar uma cruz ou um crucifixo abertamente no trabalho: essa é a proposta que o governo da Inglaterra irá discutir em um processo judicial histórico.
A reportagem é de David Barrett, publicada no sítio do jornal The Telegraph, 10-03-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em uma medida muito significativa, os ministros britânicos vão disputar um caso no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos em que duas britânicas irão tentar defender o seu direito de exibir a cruz.
É a primeira vez que o governo é forçado a afirmar se apoia ou não o direito dos cristãos de usar o símbolo no trabalho.
Um documento visto pelo The Sunday Telegraph revela que os ministros irão argumentar que, por não ser um "requisito" da fé cristã, os empregadores podem proibir o uso da cruz e demitir os empregados que insistirem em fazê-lo.
A posição do governo recebeu uma resposta irritada na última sexta-feira, 9 de março, de figuras proeminentes, incluindo Lord Carey, ex-arcebispo de Canterbury.
Ele acusou os ministros e os tribunais de "ditar" normas aos cristãos e disse que esse era outro exemplo de que o cristianismo está sendo marginalizado da vida oficial.
A recusa do governo de dizer que os cristãos têm o direito de exibir o símbolo de sua fé no trabalho surgiu depois de que os seus planos para legalizar os casamentos entre pessoas do mesmo sexo foram atacados pelos líderes da Igreja Católica Romana da Inglaterra.
Uma pesquisa encomendada pelo The Sunday Telegraph mostra que o país está dividido sobre a questão.
Em termos gerais, 45% dos eleitores apoiam movimentos para permitir o casamento gay, e 36% são contra, enquanto 19% dizem que não sabem.
No entanto, o primeiro-ministro está fora de sintonia com seu próprio partido. Exatamente metade dos eleitores conservadores se opõem ao casamento gay em princípio, e apenas 35% o apoiam.
Não há nenhuma vontade pública para mudar a lei com urgência, já que mais de três quartos das pessoas entrevistadas dizem que é errado apressar o projeto antes de 2015 e apenas 14% dizem que isso é certo.
Liberdade religiosa
O caso de Estrasburgo depende do fato de as leis dos direitos humanos protegerem o direito de usar uma cruz ou um crucifixo no trabalho nos termos do artigo 9 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
Ele afirma: "Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença, e a liberdade, seja sozinho ou em comunidade com outros e em público ou privado, para manifestar sua religião ou crença no culto, no ensino, na prática e na observância".
As mulheres cristãs que apresentaram o caso, Nadia Eweida e Shirley Chaplin, alegam que foram discriminadas quando seus empregadores as proibiram de usar os símbolos.
Elas querem que o Tribunal Europeu decrete que esse ato violou o seu direito humano de manifestar sua religião.
A resposta oficial do governo afirma que usar a cruz não é uma "exigência da fé" e, portanto, não está sob a alçada do artigo 9.
Os advogados das duas mulheres afirmam que o governo está exigindo muito e que "manifestar" a religião inclui fazer coisas que não são uma "exigência da fé", e que essas coisas são, portanto, protegidas pelos direitos humanos.
Eles dizem que os cristãos recebem menos proteção do que os membros de outras religiões que obtiveram um status especial para vestes ou símbolos como o turbante sikh e o bracelete kara, ou o hijab muçulmano.
Histórico
No ano passado, Eweida, empregada da British Airways, e Chaplin, enfermeira, haviam levado a sua queixa até o Tribunal Europeu, em Estrasburgo, depois de ambas terem enfrentado uma ação disciplinar por usar uma cruz no trabalho.
O caso de Eweida remonta a 2006, quando ela foi suspensa por se recusar a tirar a cruz, pois seus empregadores alegavam que isso violava o código de uniforme da British Airways.
Eweida, de 61 anos, natural de Twickenham, é uma cristã copta que afirma que a British Airways permite que os membros de outras religiões usem vestes e símbolos religiosos.
Mais tarde, a British Airways mudou a sua política de uniforme, mas Eweida perdeu a sua disputa contra uma decisão anterior de um tribunal trabalhista na Corte de Apelações e, em maio de 2010, foi-lhe recusada a permissão para ir até a Supremo Corte.
Chaplin, 56 anos, de Exeter, foi impedida de trabalhar em enfermarias pela Royal Devon and Exeter NHS Trust depois de ter se recusado a esconder a cruz que usava em uma correntinha, encerrando 31 anos de enfermagem.
O governo afirma que a apresentação da queixa por parte das duas mulheres junto ao Tribunal de Estrasburgo é "manifestamente infundada".
Sua resposta afirma: "O governo alega que (...) o fato de as demandantes usarem uma cruz ou crucifixo visíveis não era uma manifestação de sua religião ou crença, de acordo com o sentido do artigo 9, e (...) a restrição às demandantes de usar uma cruz ou crucifixo visíveis não foi uma 'interferência' nos seus direitos protegidos pelo artigo 9".
A resposta, preparada pelo Ministério das Relações Exteriores, acrescenta: "Em nenhum dos casos existe qualquer sugestão de que o uso de uma cruz ou crucifixo visíveis era uma forma geralmente reconhecida de praticar a fé cristã, muito menos uma forma considerada (inclusive pelas próprias demandantes) como uma exigência da fé".
Mais casos
O governo também definiu a sua intenção de se opor a ações movidas por dois outros cristãos, incluindo um ex-escrivão que se opôs a realizar cerimônias de união civil para casais homossexuais.
Lillian Ladele, que trabalhava como escrivã para o Conselho de Islington, no norte de Londres, há 17 anos, disse que foi forçada a renunciar em 2007 depois de receber uma ação disciplinar, e alegou que havia sido humilhada devido a suas crenças.
Gary McFarlane, um conselheiro de relacionamentos, foi demitido da Relate [instituição de caridade especializada em relacionamentos] por se recusar a dar terapia sexual para casais homossexuais.
Grupos cristãos descreveram a postura do governo como "extraordinária". Lord Carey disse: "O raciocínio se baseia em um julgamento completamente inapropriado de questões de teologia e de culto sobre as quais eles não podem reivindicar nenhuma perícia. A ironia é que, quando os governos e os tribunais ditam aos cristãos que a cruz é uma questão insignificante, ela se torna um símbolo e uma expressão ainda mais importantes da nossa fé".
Os casos de Estrasburgo apresentados por Chaplin e McFarlane contam com o apoio do Christian Legal Centre, que formou Paul Diamond, um dos principais advogados dos direitos humanos.
Os juízes de Estrasburgo irão decidir se todos os quatro casos poderão progredir para audiências completas. Se continuarem, os casos vão testar o quanto os direitos religiosos se equilibram perante as leis de igualdade destinadas a proibir a discriminação.
Andrea Williams, diretora do Christian Legal Centre, disse: "É extraordinário que um governo conservador precise argumentar que o uso de uma cruz não é uma prática geralmente reconhecida da fé cristã. Nos últimos meses, os tribunais se recusaram a reconhecer o uso de uma cruz, a crença no casamento entre um homem e uma mulher, e os domingos como dia de culto como expressões 'centrais' da fé cristã. E o que mais agora? Os nossos tribunais também irão anular os Dez Mandamentos?".
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Cristãos não têm direito de usar crucifixo no trabalho, diz governo da Inglaterra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU