10 Março 2012
O terremoto, o tsunami e o consequente desastre nuclear que atingiram o nordeste do Japão no dia 11 de março do ano passado deixaram uma marca muito profunda na opinião pública do país. Entre mortos e desaparecidos, as vítimas do terremoto foram cerca de 19 mil, enquanto é impossível avaliar as possíveis consequências de Fukushima. Os eventos se impuseram com uma urgência e uma dramaticidade tais que o seu impacto trágico se manteve nos discursos de todos por pelo menos três meses depois dos desastres, principalmente no Japão oriental e na capital, relativamente próxima às zonas atingidas.
O depoimento é de Stefano Bossi, filósofo formado pela Universidade Católica de Milão, que viveu sete anos no Japão. Atualmente, reside em Tóquio, onde trabalha como gerente de marca do grupo Richemont. O artigo foi publicado na revista Popoli, dos jesuítas italianos, 01-03-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Além de sentir os tremores, Tóquio viveu depois o problema de como encontrar energia. De fato, antes de Fukushima, a cota de produção de energia elétrica a partir da energia nuclear era de 30% (com o objetivo declarado de chegar aos 50% até 2030, com novas usinas). No momento do terremoto e do tsunami, em cerca de 15 reatores, automaticamente se colocou em ação o processo de desligamento, exceto em Fukushima, onde houve explosões e perdas, mas as explicações sobre como isso aconteceu sempre foram parciais.
Hoje, só quatro reatores estão em funcionamento, e 50 estão parados. A partir de abril, com o agravamento do desastre, foi necessário fechar outras centrais e foi feito um convite oficial às empresas para encontrar formas para não sobrecarregar com o consumo a rede elétrica nacional.
As consequências foram óbvias e afetaram a vida de todos: nos meses quentes e úmidos, reduziu-se o uso do ar condicionado; nas inúmeras linhas ferroviárias estatais e privadas, os trens foram menos frequentes. As empresas desenvolveram planos de contingência, algumas produziram a sua própria eletricidade comprando geradores. Na Toyota, por exemplo, por algum tempo, os operários trabalharam no sábado e domingo, e ficaram em casa no meio da semana, quando o consumo é mais intenso. Tudo isso marcou a vida diária, exigiu espírito de solidariedade e compreensão do momento de crise, levando os japoneses de todas as gerações e status socioeconômico a se fazer novas perguntas ou a abordar questões que antes davam por óbvias.
No Japão, convive-se com uma natureza muitas vezes adversa, e os terremotos estão na ordem do dia. Até as crianças sabem o que é um terremoto, que se pode morrer e que, quando chegar, é preciso ter comportamentos específicos. Desde pequenos, elas recebem uma instrução na família e na escola, habituando-se a conviver com o "senso de precariedade", dado não metaforicamente por uma terra que treme. Mas o sismo de magnitude 9 de um ano atrás não foi previsto na sua intensidade por nenhuma das entidades de pesquisa institucional contratados para definir as políticas de prevenção e os planos de emergência do Estado.
Um evento semelhante colocou todos os japoneses diante do limite da sua ciência e da sua capacidade de se salvar. Executando ordinariamente os planos de emergência, algumas comunidades alcançaram áreas de evacuação que foram submersas pelo tsunami. Outras foram inundadas antes do previsto por causa da rapidez dos eventos. Não se pôde culpar ninguém disso, embora os responsáveis não tenham se escondido atrás de erros de previsão.
A sociedade japonesa está acostumada a se organizar como um relógio suíço e perceber, como um tapa brutal, que, de vez em quando, o relógio não marca a hora exata. Existe um forte senso de corresponsabilidade, a sociedade se interpreta como um corpo social único, em que o grupo conta mais do que o indivíduo, e, portanto, se o governo, a empresa ou simplesmente os bombeiros dizem que se comportam de um certo modo, confiamos neles, assumindo que são pessoas sérias diante de um problema sério. Por isso, às autoridades envolvidas com a segurança, deve-se obediência e disciplina. Ao descobrir que o senso de confiança e a disciplina foram "mal repostos", e não só traídos pela natureza e pela ferocidade dos elementos, mas também por outra coisa, então pode-se pôr tudo em discussão.
Se um japonês ainda pode perdoar um erro de avaliação por um terremoto inevitável, o desastre de Fukushima não é considerada uma fatalidade, mas representa uma culpa que teve um responsável bem específico: acima de tudo, a Tepco, a maior companhia elétrica que geria as centrais atingidas, mas, por extensão, também os outros operadores do setor.
Gradualmente, espalhou-se na opinião pública uma forte dúvida sobre a validade da escolha energética de focar na energia nuclear para depender o mínimo possível das importações de hidrocarbonetos. O país fez enormes investimentos na energia nuclear civil, desde a ativação do primeiro reator em 1966, e, com esse objetivo, orientou também a sua política externa. Mas hoje o projeto de confiar à energia nuclear metade da produção de energia elétrica está bloqueado.
No verão passado, ocorreu uma manifestação antinuclear que reuniu 10-20 mil pessoas, números excepcionais para o Japão. Exigia-se o fechamento definitivo das centrais e ressarcimentos adequados, dado que, na área mais atingida pelas radiações, ainda não sabe como realizar a descontaminação, nem quando os habitantes poderão voltar para casa.
Tais questões veem um alto nível de participação e conscientização em todo o país, porque, se o terremoto afetou mais uma área, a questão nuclear, com as centrais deslocadas sobre o território sísmico em todas as partes, tornou-se um tema de todo o arquipélago. Ao norte de Osaka, onde há a máxima concentração de centrais, neste momento todas paradas, as comunidades locais se dividem entre aqueles que querem fechá-las e aqueles que trabalham nelas e têm seus próprios interesses legítimos.
Os japoneses continuam orgulhosos pela sua tecnologia, assim como pelo seu sistema social, conscientes dos seus sucessos, embora tal atitude, às vezes, provoque um curto-circuito com um senso de inferioridade com relação aos estrangeiros brancos, que têm na Europa a "verdadeira" cultura e, nos EUA, o " verdadeiro" poder. Essas duas almas sempre conviveram, mas, depois do dia 11 de março de 2011, a alma orgulhosa sofreu contragolpes.
Fukushima levou a elaborar previsões mais precisas e a desenhar planos de emergência mais flexíveis, até porque o sismo de um ano atrás colocou em movimento uma energia que provoca um aumento de tensões na falha debaixo de Tóquio (30 milhões de habitantes). Hoje, a probabilidade de um terremoto de magnitude superior a 7 é de 70% nos próximos quatro anos, enquanto antes era de 70% nos 30 anos posteriores. Em outras palavras, o terremoto de um ano atrás teria acelerado a chegada do próximo.
Os meios de comunicação, tradicionalmente distantes de sensacionalismos e, ao contrário, deferentes com relação aos interesses das grandes empresas, nessas circunstâncias, foram o espaço para fazer pesadas críticas. Assim, eles favoreceram o amadurecimento de novas reflexões, mesmo entre os mais distantes ou indiferentes. Hoje, o ar decididamente mudou. Há uma reflexão muito forte sobre uma política energética diferente. Foram iniciados estudos frenéticos sobre as tecnologias aplicáveis às energias renováveis.
A atenção ecologista à redução dos gases de efeito estufa na pátria do Protocolo de Kyoto continua alta, mas a energia nuclear não é mais a principal alternativa. Uma recente foto tirada por um fotógrafo da Reuters mostra um enorme outdoor em Fukushima que diz: "A energia nuclear é a energia limpa do futuro". E é isso que sempre se disse e se ensinou aos japoneses. Hoje, ninguém mais tem a coragem de dizê-lo.
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Japão, um abalo de um ano de duração - Instituto Humanitas Unisinos - IHU