29 Fevereiro 2012
Se o provocativo título do livro de Alain de Botton Religião para ateus (Ed. Intrínseca) não incomoda crentes e não crentes, então a sua primeira frase, provavelmente, incomoda: "A pergunta mais enfadonha e inútil que se pode fazer sobre qualquer religião é se ela é ou não verdadeira".
A reportagem é de Patrick McCabe, publicada no sítio Eureka Street, revista eletrônica dos jesuítas australianos, 21-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
E se qualquer leitor otimista por aí permanecer impassível, a tese central do livro deveria irritar até mesmo ele. Botton diz que as religiões não são verdadeiras, e que Deus não existe. No entanto, os ateus não se deveriam descartar as religiões com base nisso. Os rituais, os modos de pensar, as metodologias e as abordagens à vida promovidas pelas religiões ainda pode ser de grande ajuda para os ateus.
Por exemplo, Botton defende que os ateus poderiam aprender como promover um senso de comunidade a partir da missa católica. O Dia da Expiação judaico poderia ajudar os ateus a construir melhores relações interpessoais. Os retiros zen-budistas poderiam ajudar os ateus a refletir sobre a direção das suas vidas.
(Como essa amostra representativa sugere, o livro provavelmente poderia ter sido mais precisamente intitulado como Catolicismo, Judaísmo e Zen Budismo para ateus.)
Um capítulo elogia os lugares de culto religioso e os sentimentos que eles podem induzir em nós. Botton sugere que se construa um "Templo da Perspectiva" secular – um lugar onde os seres humanos podem colocar seus problemas em perspectiva, refletindo sobre os 460 milhões de anos em que a Terra já existe.
Com zelo típico, Botton já colocou essa sugestão em ação, arrecadando quase metade do 1 milhão de libras esterlinas [cerca de 2,7 milhões] necessárias para realmente construir este templo em Londres.
A proposta irritou seus colegas ateus. Richard Dawkins condenou o plano, declarando que "ateus não precisam de templos" e que esse dinheiro seria melhor gasto na promoção do "pensamento racional e crítico". Steve Rose, do jornal The Guardian, protesta que o Templo da Perspectiva é insuficientemente ateu, e assim "um cristão ou muçulmano" também podem ser capazes de usufruí-lo.
Essas críticas demonstram a brecha entre Botton e os outros ateus. O ponto de vista de Dawkins e de Rose é missionário, enquanto o de Botton é pastoral. Dawkins e sua turma querem salvar as almas da religião e promover a boa nova do ateísmo. Botton está mais preocupado com as necessidades espirituais do rebanho existente.
Muitos ateus argumentam que as pessoas religiosas são infantis, irracionais, carentes e vulneráveis, e que o ateísmo trata de afastar de todas essas coisas, abraçando uma existência racional e madura. Esse argumento está implícito no desdém de Dawkins de que "ateus não precisam de templos".
Enquanto Botton concorda que o ateísmo é uma escolha racional, ele argumenta que aqueles que fazem essa escolha não deixam de repente de ser irracionais e infantis. Não são as pessoas religiosas que são infantis e vulneráveis, mas sim os seres humanos. A sabedoria da religião está em reconhecer a nossa vulnerabilidade inerente e suprir esse aspecto do nosso ser.
É evidente por que os ateus podem estar irritados com as ideias de Botton. Mas o que os teístas deveriam fazer com esse livro?
Ele ofenderá os teístas que acreditam que a única razão para a prática de rituais religiosos é simplesmente aderir aos editos de Deus. Para tais teístas, as razões de Deus para prescrever determinados rituais são irrelevantes e inescrutáveis. De forma mais direta, Deus também podia muito bem ter nos mandado fazer uma dança de roda, e esses teístas a dançariam com tanto zelo quanto ao assistir a uma missa católica
Esses fiéis consideram absurdo e blasfemo o uso por parte de Botton de elementos de rituais religiosos fora de um contexto teísta.
Outros teístas, como eu mesmo, ao invés, veem os rituais e práticas religiosos como uma forma de orientar e possibilitar uma vida vivida de acordo com as crenças e os valores de uma determinada fé. Religião para ateus pode ajudar esse tipo de fiel a ganhar uma nova apreciação para a utilidade dos rituais religiosos.
Botton demonstra eloquentemente como as práticas religiosas são úteis, mesmo quando o conteúdo teísta é substituído por lições sobre a "perspectiva" ou a "comunidade". Os fiéis podem ver que, quando os ensinamentos mais profundos das religiões são reinseridos nos rituais, esses rituais são, de fato, poderosas ferramentas para nos ajudar a viver nossas vidas de uma forma que esteja em sintonia com os valores e as crenças teístas.
Embora as ideias e os argumentos individuais de Botton estejam às vezes abertos a críticas fundamentais, a sua perspectiva geral é valiosa. Seu livro pode ajudar os teístas a articular a importância das práticas religiosas em um mundo que é, mesmo entre fiéis, cada vez mais cético em relação à religião organizada.
Mas, ao mesmo tempo, ele também pode ajudar os fiéis a adaptar e a melhorar destemidamente os aspectos da religião tradicional onde isso seja necessário. Em uma nova época que exige que as religiões sejam introspectivas se quiserem se manter fortes, isso só pode ser algo bom.
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O ateísmo pastoral de Alain de Botton - Instituto Humanitas Unisinos - IHU