29 Fevereiro 2012
O âmbito político não precisa do consenso total (muito improvável) em torno de visões substantivas da vida. Só assim se realiza aquele bem comum essencial que Maritain sugeria, quando falava da sociedade humana como "corpo de comunicações sociais".
A opinião é do cardeal arcebispo de Milão, na Itália, Angelo Scola. O artigo que segue é um trecho da conferência que o cardeal proferiu na catedral de Notre-Dame, em Paris, neste domingo, 26 de fevereiro, no início da série de palestras quaresmais.
O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 26-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A ética cristã não pode ser proposta sem se confrontar com a situação contemporânea de inédito pluralidade em que estamos falando e atuando. O fato é que vivemos uma condição que Maritain já definia justamente como babélisme: "A voz que cada um profere nada mais é do que um ruído puro para os seus companheiros de viagem". Podemos dizer que vivemos uma crise comunicativa, no sentido de uma incapacidade para elaborar um código universal de entendimento. É óbvio que, na ausência desse código, a pluralidade causa problemas.
Essa despotencialização narrativa global, essa dificuldade de dizer algo que saia da medida puramente subjetiva, atinge centralmente o significado tipicamente universal da ética. Hoje, não prevalece uma contestação frontal aos códigos universais, incluindo o da ética cristã, mas sim um gradual processo de abandono da própria pretensão de universalidade: nenhum dos códigos secularizados conseguiu manter a sua promessa de dizer a verdade sobre a experiência humana de modo credível.
Desse modo, não só se difundiu uma desconfiança geral com relação ao anúncio cristão, mas também já vivemos na convicção mais ou menos explícita de que a razão humana é um instrumento frágil, incapaz de levar a termo a tarefa de conhecer a realidade e de estabelecer valores totalmente compartilháveis.
Tal desconfiança, além disso, não parece causar problema: assemelha-se cada vez mais a uma desilusão complacente, que celebra a provisoriedade, a incerteza, como exaltação suprema da liberdade de escolher sem as cansativas constrições do passado (éticas, religiosas, sociais).
Portanto, chegamos a uma espécie de "alegre resignação": o homem se descobre sozinho consigo mesmo, incapaz – ou simplesmente cansado – de procurar o sentido humano da sua própria experiência, mas, paradoxalmente, "contente" por ser assim e, por isso, disponível, sem o seu conhecimento, aos novos e sutis despotismos tecnocráticos.
A resignação complacente anestesia o desejo de edificar o bem comum, deixando as pessoas, assim, à mercê de lógicas que funcionam segundo fins que não são mais necessariamente humanos.
Considerada essa atmosfera que respiramos, entende-se como se tornou difícil se comunicar entre pessoas que têm concepções do mundo tão diferentes e contrastantes. Não é por acaso que as democracias estão hoje, em sua maioria, em crise: a dificuldade de se comunicar é um sintoma que não podemos subestimar se quisermos defender o espaço político de uma convivência democrática.
Habermas sempre esteve particularmente atento a esse indicador: "A condição em que uma democracia se encontra pode ser determinada apenas sentindo o pulso do seu espaço público político". E é bastante óbvio que a alegre resignação não é propriamente uma terapia: seria preciso, de fato, tirar a palavra de qualquer pessoa (e não só dos cristãos) que não tenha a intenção de se comprazer em dizer "adeus à verdade".
Essa neutralização do espaço público reduz drasticamente as "batidas" do pulso democrático. Naturalmente, a receita para se ter um espaço público vital também não pode ser a dedução do político do teológico.
Uma solução inteligente, ao invés, é a imaginada por Maritain, em seu discurso à Unesco de 1947 (La voie de la paix). Nessa ocasião, Maritain afirmou que, dado o fato da pluralidade irredutível dos atores sociais, o âmbito político deve visar a convergir rumo a um "pensamento prático comum", ou seja, um "conjunto de convicções capazes de dirigir a ação". O que implica aceitar a inevitável divergência das visões do mundo, apostando, ao mesmo tempo, na possibilidade de se entender concretamente sobre o que fazer.
Isso não significa renunciar ao plano da justificação teórica do agir prático (essa renúncia já seria niilista). Significa, ao contrário, reconhecer que o âmbito político não precisa do consenso total (muito improvável) em torno de visões substantivas da vida. Só assim se realiza aquele bem comum essencial que Maritain sugeria, quando falava da sociedade humana como "corpo de comunicações sociais".
Isso significa que o político deve ser o âmbito em que todos os "diferentes" devem ter a possibilidade de contribuir responsavelmente com o bem comum da comunicação, tentando explicar o que para eles é válido, em uma linguagem que seja acessível para todos. Pode-se, então, ficar justamente perplexos diante da suposta laicidade de escolhas políticas que visem a eliminar toda referência religiosa no espaço público. É verdadeiramente público, e por isso sadiamente laico, somente aquele espaço que aposta na liberdade dos cidadãos, crentes e não crentes, de entrarem no jogo de uma "narração recíproca" em vista – como ensina Ricoeur – de um recíproco, embora fatigante, reconhecimento.
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A suposta laicidade da política. Artigo de Angelo Scola - Instituto Humanitas Unisinos - IHU