22 Fevereiro 2012
O anúncio feito no sábado pela Foxconn, uma das maiores fabricantes de eletrônicos do mundo, de que elevará os salários, reduzindo as horas extras em suas fábricas chinesas, indica que a pressão dos trabalhadores, dos mercados internacionais e dos consumidores ocidentais com as condições de trabalho está provocando uma mudança que pode acelerar a evolução da economia chinesa.
A reportagem é de David Barboza e Charles Duhigg e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 22-02-2012.
Mas o verdadeiro significado das reformas introduzidas pela Foxconn, afirmam os analistas, dependerá em parte de como a companhia poderá reformar um sistema econômico que, durante grande parte da última década, dependeu da capacidade de atrair migrantes para trabalhar por um salário baixo durante uma jornada extensa em enormes fábricas que produzem smartphones, computadores e outros aparelhos eletrônicos.
As fábricas dependem da capacidade dos trabalhadores de permanecer nas linhas de montagem seis ou sete dias por semana, muitas vezes por até 14 horas diárias. Essas fábricas permitem que os aparelhos sejam feitos praticamente com a mesma rapidez com que são concebidos.
Para que esse sistema mude de verdade, a Foxconn, suas concorrentes e seus clientes - entre eles Apple, HP e Dell - precisam convencer os consumidores dos Estados Unidos e de outras partes do mundo de que a melhoria das condições de trabalho nas fábricas para beneficiar os operários permitirá cobrar um preço mais alto pelos produtos.
"É dessa maneira que se imagina que o capitalismo deva funcionar", disse David Autor, um economista do Massachusetts Institute of Technology. À medida que as nações evoluem, os salários aumentam e teoricamente as condições de vida melhoram para todos, conclui Autor.
"Mas, na China, para que essa mudança se torne permanente, os consumidores precisam estar dispostos a arcar com as consequências. Quando as pessoas leem nos jornais a respeito das péssimas condições de trabalho nas fábricas chinesas, talvez fiquem momentaneamente revoltadas. Mas depois entram na Amazon e não têm a menor piedade na hora de pagar os preços mais baixos pelos produtos."
Gigante
A Foxconn, com 1,2 milhão de trabalhadores, é uma das maiores empregadoras da China. Segundo as estimativas, ela monta 40% dos smartphones, computadores e outros aparelhos eletrônicos vendidos em todo o mundo. As decisões da Foxconn estabelecem as normas pelas quais as outras fabricantes devem competir.
A Foxconn anunciou que pretende aumentar os salários em 25%, para cerca de US$ 400 por mês, depois do estardalhaço provocado por causa das condições de trabalho em suas fábricas. Nas últimas semanas, grupos que lutam pelos direitos dos trabalhadores realizaram protestos coordenados em vários países depois que foram divulgadas as duras condições nas quais operam algumas das fornecedoras chinesas em instalações abusivas e perigosas. Para verificar a veracidade das críticas, a Apple encarregou um grupo de trabalho sem fins lucrativos de inspecionar as fábricas que ela utiliza.
Os trabalhadores receberam com entusiasmo o anúncio dos aumentos e dos limites das horas extras, embora alguns tenham se mostrado céticos quanto à possibilidade de uma verdadeira mudança. "Quando estava na Foxconn, de vez em quando surgiam boatos de um aumento salarial, mas nunca vi isso acontecer até quando sai de lá", disse Gan Lunqun, 23, ex-funcionário da Foxconn.
O anúncio da Foxconn reflete a rapidez das mudanças na economia chinesa. "A China não consegue mais garantir os baixos salários e custos como fazia anteriormente", disse Ron Turi, da Element 3 Battery Venture, uma empresa de consultoria do setor de baterias.
Escala
Nenhuma outra companhia do mundo tem a mesma escala de produção da Foxconn. Praticamente toda companhia global de produtos eletrônicos tem algum vínculo com a empresa, que se tornou a maior exportadora da China.
Alguns dos lugares onde ela opera são considerados pequenas cidades, com até 200 mil trabalhadores. Muitos deles vivem em dormitórios perto das linhas de montagem e devem estar prontos para o trabalho assim que chegam as encomendas.
Entretanto, esse modelo sofre pressões. Embora a maior parte das companhias opere com dormitórios semelhantes, com as mesmas estruturas salariais e horários de trabalho, encontrar mão de obra para as fábricas está se tornando cada vez mais difícil. Uma nova geração de jovens chineses mostra-se mais relutante em migrar para as cidades da costa, viver nos dormitórios e labutar durante longas jornadas de trabalho. Muitos preferem ficar mais perto de casa, por causa das novas oportunidades que surgem no interior.
Os cientistas sociais afirmam que os jovens estão também menos dispostos a aceitar emprego nas fábricas por longos períodos. Ao mesmo tempo, as mudanças demográficas fizeram com que a China tenha menos gente jovem para ingressar na força de trabalho. Se os trabalhadores não migrarem para a costa, a lógica diz que as fábricas costeiras terão de se mudar para as regiões onde vive a mão de obra.
Grandes indústrias como a Foxconn responderam a esses desafios transferindo suas fábricas para o interior. E, temendo que o modelo antigo desapareça, a Foxconn anunciou planos de investimento em milhões de robôs e de utilização da automação no processo de produção.
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Pressionadas, fábricas da China começam a mudar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU