Por: Jonas | 10 Fevereiro 2012
Já se passou uma década dos protestos conhecidos como “Argentinazo”. Destacados militantes políticos e dos direitos humanos analisam esses dias de transformação.
A reportagem é de Fernando Chamorro e está publicada no jornal quinzenal espanhol Diagonal, 31-01-2012. A tradução é do Cepat.
Em 19 de dezembro de 2001, sob o lema “que se vayan todos”, os argentinos saíram às ruas para protestar. Dias antes, haviam sofrido o “corralito”, que afetou, sobretudo, a classe média e desencadeou uma onda de indignação cidadã, derrubando cinco presidentes em 13 dias ao custo da morte de 39 pessoas pela polícia. Abaixo da linha da pobreza vivia 40% da população, enquanto no exterior considerava-se o país como o celeiro do mundo. Chegou-se ao limite e explodiu. O líder piqueteiro, Luis D’Elía, argumenta que essa reação foi “o parto de 30 anos de lutas, que preparou a cabeça e o coração do povo e que emergiram nesse dia”.
Vicente Zito Lima, militante histórico dos direitos humanos, por sua vez, lamenta que “o movimento poderia ter crescido com mais força para mudar o mundo, mas não estávamos preparados para isso”. Os limites dessa organização, que poderia ter desencadeado num protagonismo maior das classes populares, foram impostos pela ditadura. “Além de os melhores morrerem, houve um exílio interior e exterior e pessoas deixaram de militar” por medo, ponderou Rubén Saboulard, coordenador do Movimento Assembleias do Povo. “Perderam-se muitos quadros, em todos os ramos de ação social, que eram a base para a construção de um mundo novo”, concorda Zito Lima, companheiro de Rodolfo Walsh em sua etapa mais ativa de jornalista, acrescentando que “por mais que surgiram novas pessoas, esses manifestantes não poderiam aparecer de um dia para o outro, foram necessários muitos anos de formação”.
Com a chegada da democracia constitucional, os governos prosseguiram com as privatizações e com a desregulamentação do mercado de trabalho; as políticas insígnias de Ménem, com as quais se completou a tarefa iniciada pela ditadura. “A indústria nacional quebrou e houve uma total derrota da classe trabalhadora”, assinala Pancho Montiel, do Movimento de Estivadores Portuários de Pé. Por causa dessa destruição do tecido industrial o cenário de organização se deslocou do trabalho para o território. Apareceram os piqueteiros, o movimento de trabalhadores desempregados. Um movimento que, segundo D’Elía, um de seus principais dirigentes, “teve um papel muito forte durante a década dos anos 1990”. Nessa década, sucederam-se diversas lutas piqueteiras que acumularam experiências até chegar ao mandato de Fernando de La Rúa, em 2001. Este decretou estado de sítio para frear a revolta popular, porém a situação se tornou insustentável e ele teve que sair da Casa Rosada de helicóptero.
No caos constitucional desfilaram outros presidentes até que Eduardo Alberto Duhalde conseguiu, “mediante um regime de desvalorização, mudar alguns eixos e ressuscitar um pouco o modelo econômico, o que desencadeou uma nova situação que culminou na vitória de Kirchner”, explica Roberto Perdía, ex-dirigente montonero.
Assembleias Populares
A revolta popular teve como fruto as assembleias populares. “Foi uma experiência histórica porque as pessoas começaram a se representar, disse Zito Lima. Saboulard, que recorda “os dias em que a classe média foi esquerda”, avalia a força das assembleias: “Havia jornalistas, anarquistas, cristãos, etc. e quando Kirchner começou a governar, a organização foi se sedimentando e as pessoas aderiram a uma agenda comum”. Outro fruto foi a recuperação das fábricas, “um fato inédito que agora está sendo estudado por pessoas do mundo inteiro”, disse Zito Lima, diretor de uma Universidade na IMPA, uma das maiores fábricas recuperadas.
Reprodução do capitalismo
As forças políticas tradicionais, que fizeram uma leitura melhor do que aconteceu em 19 e 20 de dezembro foram os Kirchner, esclarece Perdía, e acrescenta que “eles deram lugar às reivindicações dos direitos humanos do passado, a políticas latino-americanas e a algumas políticas assistencialistas mais intensas, mas tudo dentro do restabelecimento do sistema institucional que garantia a continuidade e a reprodução do sistema capitalista”. “O kirchnerismo reconstruiu a base social com concessões econômicas”, realça Saboulard. Esse clientelismo de que fala o coordenador de assembleia pode refletir-se também na incorporação de muitas organizações ao corpo governista. Roberto Perdía disse que “o avanço do kirchnerismo levou à cooptação de muitos grupos de esquerda, que se incorporaram ao Governo”.
A este respeito, o líder Luis D’Elía afirma que “trabalhar articuladamente com o governo não quer dizer perda de autonomia”. Por outro lado, Nora Cortiñas, co-fundadora das Mães da Praça de Maio, assegura que “o governismo cooptou muitos militantes dos organismos de direitos humanos. Também algumas Mães e Avós caíram nessa, esquecendo-se de que temos que ser independentes para focarmos na defesa dos direitos humanos”.
Se a Argentina foi o laboratório dos planos estruturais dos organismos financeiros internacionais, como o FMI, também desenvolveu um processo de luta e resistência frente à imposição desse modelo econômico. “Desde 2001 estão se construindo coisas novas. Cada vez estão se unindo mais as experiências da nossa geração, a da revolução frustrada, com as novas gerações”, reconhece Zito Lima. Saboulard destaca a revolta popular como o ressurgimento de uma nova geração “que, como tudo o que é novo, surge inexperiente. Por conseguinte, surge como reformista, não como geração revolucionária. Contudo, há uma quantidade enorme de organizações que, atualmente, estão se preparando para lutar contra a crise que agora está chegando à Argentina”, sentencia.
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“Argentinazo”. Uma década depois - Instituto Humanitas Unisinos - IHU