21 Janeiro 2012
"Após o terremoto de janeiro de 2010, o Ministério das Relações Exteriores anunciou uma iminente "invasão" de mais de 20 mil haitianos por ano. Dois anos depois, chegaram pouco mais que 3.500", cosntatam Omar Ribeiro Thomaz, antropólogo, e Sebastião Nascimento, sociólogo, ambos pesquisadores do Centro de Conflitos, Catástrofes e Mudanças Ambientais da Unicamp, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 21-01-2012.
Segundo eles, "inicialmente solicitando refúgio, eles ficarem ilegais em 2011. Na época, foram suspensos, apenas para os haitianos, os protocolos de solicitação de refúgio. Foi assim que as autoridades brasileiras lançaram os haitianos na ilegalidade, na imobilidade e na precariedade".
E apontam para o fato que "na mesma tacada em que cria barreiras discricionárias à vinda de haitianos, algo que deveria envergonhar um país que nas últimas décadas tanto se beneficiou com as remessas de sua própria diáspora, o governo brasileiro aplaude a chegada de dezenas de milhares de europeus, ajudando esses imigrantes a contornar a burocracia".
Eis o artigo.
Após o terremoto de janeiro de 2010, o Ministério das Relações Exteriores anunciou uma iminente "invasão" de mais de 20 mil haitianos por ano. Dois anos depois, chegaram pouco mais que 3.500.
Inicialmente solicitando refúgio, eles ficarem ilegais em 2011. Na época, foram suspensos, apenas para os haitianos, os protocolos de solicitação de refúgio. Foi assim que as autoridades brasileiras lançaram os haitianos na ilegalidade, na imobilidade e na precariedade.
A mesma instabilidade política que justificava a missão militar brasileira no Haiti foi negada como razão para pedir refúgio.
Vozes oficiais insistem que estipular um limite de cem vistos mensais e vedar a entrada legal para os que já estão na região seriam medidas humanitárias.
Poucos conseguiram entender o raciocínio tortuoso que tenta transformar restrições em benesses. Sem qualquer novidade, requenta-se a política histórica de cerceamento à imigração oriunda de determinados países ou regiões.
O limite foi estabelecido ao sabor do arbítrio. Ele não se apoiou em qualquer avaliação da demanda por mão de obra ou do tamanho da dinâmica da diáspora haitiana.
O temor de que os recém-chegados tragam as suas famílias inteiras é infundado: praticamente todas as famílias haitianas têm seus mais bem formados membros espalhados entre os Estados Unidos, a República Dominicana, Cuba e outras ilhas do Caribe, a França, o México, a Venezuela, o Canadá e diversos países africanos.
As remessas individuais de dinheiro do exterior são a única fonte segura de recursos para uma população acometida por sucessivas crises, especialmente deletérias no âmbito escolar, em um país onde a educação é privatizada e cara.
As remessas são os únicos recursos que realmente chegam ao destino. Os bilhões entregues à cooperação ou às Nações Unidas se perdem na manutenção do aparato internacional no país e em insondáveis corredores onde burocracia e corrupção se encontram.
Se quisermos apoiar a reconstrução do Haiti, a última coisa a fazer é estabelecer barreiras arbitrárias à circulação de trabalhadores do país.
Logo após o terremoto, uma onda de genuína solidariedade mobilizou a população brasileira em prol dos haitianos. Mas as estruturas governamentais e diplomáticas demonstraram não ter preparo e capacidade para lidar com as ofertas de cá ou com as demandas de lá.
Agora, a forma como o governo e seus agentes encaminham o debate revela novamente o divórcio com a sensibilidade da opinião pública, a recusa ao diálogo com organizações que oferecem apoio aos recém-chegados e o recurso a estereótipos e mistificações para disfarçar a necessidade de amplas reformas nas instituições voltadas para a absorção de imigrantes.
Na mesma tacada em que cria barreiras discricionárias à vinda de haitianos, algo que deveria envergonhar um país que nas últimas décadas tanto se beneficiou com as remessas de sua própria diáspora, o governo brasileiro aplaude a chegada de dezenas de milhares de europeus, ajudando esses imigrantes a contornar a burocracia.
O país assim reencontra a sua tradição secular de promoção de imigração seletiva. Não há diferenças significativas de qualificação entre os bem acolhidos europeus e os vilipendiados haitianos, mas sim uma seletividade míope, centrada no status de seus países de origem.Talvez seja assim que complexos de inferioridade e mecanismos de autocomplacência se reproduzam, mas certamente não é assim que uma política migratória moderna e eficaz se concretiza.
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Europeus bem-vindos, haitianos barrados - Instituto Humanitas Unisinos - IHU