10 Dezembro 2011
As cenas de abertura de Habemus papam (diretor: Nanni Moretti; elenco: Michel Piccoli, Jerzy Stuhr; 104 minutos) retratam uma procissão de cardeais que se reúnem para o conclave papal. Enquanto olhamos esse desfile solene, somos surpreendidos pelo fato de que, sob as vestes cerimoniais e a santa conduta, esses são homens idosos – um fato que fala tanto da experiência quanto do cansaço.
A reportagem é de Tim Kroenert, publicada no sítio Eureka Street, revista eletrônica dos jesuítas australianos, 07-12-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Uma vez confinados na Capela Sistina, assistimos a como cada cardeal delibera dolorosamente sobre a sua cédula de votação. A eleição de um papa exige uma decisão feita com gravidade e discernimento. Os personagens romanos do cineasta Moretti levam esse encargo claramente a sério.
Até este momento, o retrato de Moretti do conclave papal enfatiza a piedade e o ritual. No entanto, enquanto os cardeais remoem sobre a grave decisão, suas orações não ditas começam agora a clamar em sussurros. Cada homem reza uma variação das mesmas palavras: "Não eu. Por favor, não eu".
A humanidade está claramente no centro do filme de Moretti. As orações dos cardeais ecoam o relato bíblico de Jesus que pede ao Pai que lhe alivie o seu destino. Eles nos lembram de que a piedade não impede o medo humano comum e a dúvida de si mesmo.
Inesperadamente, o cardeal Melville (Piccoli), de fala mansa, emerge como o vencedor inesperado da corrida papal. Para ele, essa honra concedida por seus pares e por Deus é avassaladora. Antes de ele ser apresentado aos fiéis multitudinários que se aglomeram do lado de fora, ele sofre um ataque de pânico.
As regras do conclave exigem que os cardeais permaneçam isolados até que o papa seja anunciado. Por isso o porta-voz do Vaticano, Rajski (Stuhr) procura uma resolução rápida. Ele pede secretamente a Melville, incógnito, que veja um terapeuta na cidade. Melville, atormentado pela dúvida e pela depressão, foge e desaparece.
A humanidade permanece na frente e no centro da obra. A recalcitrância de Melville não é atribuída à fraqueza. Ele é um ser humano falível que – como ficamos sabendo – abriu mão de seus sonhos "comuns" a fim de prosseguir em sua vocação religiosa. O filme se centra nos seus esforços genuínos para reordenar o seu estado emocional, mental e espiritual.
Ele interpõe a sua luta existencial com a longa e ansiosa espera dos outros cardeais, e com as tentativas muitas vezes bem-humoradas de Rajski de protegê-los da verdade – ou seja, que ele tem "perdeu" o papa.
Os cardeais são retratados de uma forma um pouco irreverente, enquanto disputam por jogos de cartas, por pílulas para ajudá-los dormir e enquanto jogam uma desajeitada partida de voleibol para passar o tempo. O retrato não é indelicado, no entanto, e contém muita compaixão. Estamos conscientes, do início ao fim das implicações devastadoras para esses fiéis cardeais, de que as fraquezas humanas de Melville subvertem o mais reverenciado processo do conclave.
O próprio Moretti aparece como um psicanalista, professor Brezzi, que inicialmente é levado ao Vaticano para tentar ajudar o novo papa, mas cujos esforços são frustrados pelos cardeais. Ele não é autorizado, ao tomar conhecimento da identidade do papa, a lhe perguntar o tipo de perguntas que os psicanalistas precisam fazer.
Posteriormente "trancado" com os cardeais depois do desaparecimento de Melville, Brezzi personifica o "forasteiro" dentro do mundo fechado do conclave (uma perspectiva que nós, o público, compartilha). Mais uma vez, Moretti favorece o afeto acima do cinismo: assim como Brezzi, ele encoraja os cardeais em sua colegialidade, ao mesmo tempo em que também oferece algumas alfinetadas à sua piedade.
A Igreja Católica tem mais de um bilhão de membros no mundo inteiro. Liderá-los é uma responsabilidade imensa. Apesar da irreverência, Habemus papam se destaca como um gesto gracioso e livre sobre as políticas da Igreja para aqueles que aceitam essa responsabilidade. Certamente, ninguém faria isso de forma tão alegre.
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Papa em fuga - Instituto Humanitas Unisinos - IHU