15 Mai 2011
A comédia espiritual e "sem fé" sobre o papa e sobre o Sínodo, contada por um cineasta "ateu, graças a Deus", que não esconde os rancores reprimidos do ex-cristão, não escandalizou, mas desorientou a imprensa e os admiradores estrangeiros de Nanni Moretti, mito da Croisette, ex-Palma de Ouro. Aplausos sinceros no final da projeção e risadas sempre no lugar certo. Sala lotada na coletiva de imprensa. Com muitos poloneses.
A reportagem é do jornal Il Manifesto, 14-05-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A acolhida mais calorosa, obviamente, foi a Michel Piccoli, que estava em casa. Ele próprio aplaude a si mesmo e brinca com Jerzy Stuhr por causa dessa sua imitação de Gomulka. Mas o cineasta polonês, que em Habemus Papam é o porta-voz da Santa Sé, admite que se inspirou em sua personagem – de candura maquiavélica e autoritária – menos nos funcionários comunistas do que nos burocratas do episcopado de Varsóvia, que "eu conheço muito bem" .
Moretti lembra que pediu à cenógrafa Paola Bizzarri, para a reconstrução em estúdio e ao vivo, "não autorizada", nem dificultada pelo Vaticano, um toque mais sóbrio do que de costume: "Como espectador, vi filmes e séries de TV `vaticanas` e não queria contar novamente sobre sínodos cheios de intrigas, complôs, pacotes de votos ou autocandidaturas. Não sei o que acontece na realidade, mas nos filmes é sempre assim. Ao invés disso, optamos por uma lenta aproximação ao nosso personagem, para não diminuí-lo. Jamais saberemos por que todos os cardeais votaram em Melville, que no início é enquadrado de longe, inserido em grandes planos, e conquista o primeiro plano só quando o seu nome será repetido surpreendentemente, até a eleição".
Mas todos esperavam um filme de denúncia sobre o hoje... "Não. Eu escolhi um relato não realista – também em respeito às minhas duas interpretações anteriores do padre e do psicanalista –, porque não queria entrar nas questões internas da Igreja. O meu papa não é Ratzinger nem Wojtyla – mesmo que eu não podia não inserir as imagens, muito belas, do seu funeral e algumas alusões. É o `meu` Vaticano e o `meu` papa, sem confortar o telespectador que espera saber o que já sabe. Eu não queria lembrar a pedofilia ou os escândalos financeiros, intervir sobre a beatificação, nem me deixar influenciar pela atualidade. Estou contente que o papa tenha pedido desculpas e tenha se envergonhado pelos abusos sexuais, mesmo que seja conhecido que as posições tomadas pela Santa Sé sobre os episódios políticos italianos sejam acolhidas pelos partidos hoje com maior agitação do que há 30 anos. Interessava-me, ao contrário, em humanizar, também por meio de danças, jogos e esportes, os bispos. Aproveitar a oportunidade de confraternizar entre mundos opostos, `darwinianos` e `bispos`, sem diálogos didáticos. Além disso, a depressão, a fuga, os encontros do papa com os cidadãos no ônibus, nas grandes lojas, na padaria, no bar, entre os atores, me permitiam colocar interrogações ao público. Por isso, mostrei os fiéis que aplaudem Melville quando ele está convencido da necessidade de grandes mudanças e de um guia que leve amor e compreensão a todos os seres humanos".
E Piccoli? "Sem Piccoli, o filme teria sido mais infeliz. Ele foi surpreendente ao entrar em sintonia com todos os atores italianos, de forma aconchegante e familiar. Seus olhares, gestos, sorrisos, movimentos deram muito não só ao personagem, mas a todo o filme".
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Um cineasta ateu e sem rancores diante de mundos opostos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU