03 Dezembro 2011
O Concílio Vaticano II não definiu dogmas novos e embora tenha sido um Concílio "pastoral", não quer dizer que não tenha sido doutrinal. A explicação é do teólogoFernando Ocáriz (vigário-geral da Opus Dei, além de membro da delegação do Vaticano que protagonizou o diálogo com a Fraternidade São Pio X), em um artigo publicado pelo L’Osservatore Romano. A reflexão de Ocáriz, intitulada "Sobre a adesão ao Concílio Vaticano II", foi publicada em diferentes línguas e pode ser consultada no sítio da internet do jornal do Vaticano; sua motivação é o 50º aniversário do anúncio de João XXIII para o grande eixo ecumênico de 25 de dezembro de 1961.
A reportagem é de Andrea Tornielli e está publicada no sítio Vatican Insider, 02-12-2011. A tradução é do Cepat.
Mas o autor não se limita a recordar as circunstâncias da convocação ou os conteúdos da bula relativa ao evento. Responde, ao contrário, a toda uma série de objeções que caracterizaram o debate sobre a recepção do Concílio nos últimos tempos: desde as dos lefebvrianos, que consideram que o Vaticano II representa um afastamento da plurissecular tradição católica, àquelas manifestadas por historiadores e teólogos que compartilham certos pontos de vista dos tradicionalistas, como Roberto de Mattei(autor de uma História do Concílio Vaticano II, visto na perspectiva da direita) ou dom Brunero Gherardini (autor de outro livro intitulado Concílio Vaticano II. Um discurso pendente, que conclui com um pedido ao Papa para que esclareça qual é a interpretação correta de determinadas páginas dos textos conciliares).
O artigo publicado pelo L’Osservatore Romano, enquanto não estiver relacionado de alguma forma com a resposta da Fraternidade São Pio X à Santa Sé com respeito à proposta de setembro (que consiste em um Preâmbulo Doutrinal que deve ser subscrito), toca justamente a questão central discutida pelos lefebvrianos com as autoridades vaticanas. Ocáriz precisa "a natureza da devida adesão intelectual aos ensinamentos do Concílio", dada "a persistência de perplexidades manifestadas, inclusive na opinião pública, em relação com a continuidade de alguns ensinamentos conciliares em relação aos ensinamentos precedentes do Magistério da Igreja".
Sobretudo, o teólogo explica que "a intenção pastoral do Concílio não significa que este não seja doutrinal", pois "as perspectivas pastorais de fato se baseiam na doutrina, como não poderia deixar de ser" e a doutrina "é parte integrante da pastoral".
Desta forma, se responde à tese que diz que o Vaticano II, ao não ter definido dogmas novos e ao ter sido apenas um concílio pastoral, teria, por isso mesmo, um valor menor. O fato de que "um ato do Magistério da Igreja não se exercer mediante o carisma da infalibilidade não significa que pode ser considerado "falível’ no sentido de que transmite uma "doutrina provisória’ ou antes "opiniões autorizadas’". O Vaticano II, explica Ocáriz, tem o carisma e a autoridade de todo o episcopado que se reuniu com Pedro e sob a autoridade de Pedro, "para ensinar a Igreja universal, seria negar algo da própria essência da Igreja".
No artigo também se explica que, "naturalmente nem todas as afirmações contidas nos documentos conciliares têm o mesmo valor doutrinal e, portanto, nem todas requerem o mesmo grau de adesão". Justamente, sobre os três diferentes graus de adesão às doutrinas propostas pelo magistério da Igreja, cita a "Professio Fidei", a profissão de fé que se exige daqueles que assumem um cargo eclesiástico. E a "Professio Fidei" também representa a alma do Preâmbulo que o Vaticano entregou aos lefabvrianos há dois meses e meio.
Nos documentos do Vaticano II há, pois, afirmações que "recordam verdades de fé" e, por isso mesmo, "requerem, obviamente, a adesão de fé teologal", explica Ocáriz, da mesma maneira que "requerem um assentimento pleno e definitivo as outras doutrinas recordadas pelo Vaticano II que já haviam sido propostas com um ato definitivo por intervenções magisteriais precedentes". Trata-se, nestes dois primeiros casos, de verdades contidas na revelação (requer-se a adesão de fé) ou estabelecidas definitivamente pela Igreja (requer-se uma adesão completa e definitiva).
Quanto aos demais ensinamentos conciliares, explica o artigo do L’Osservatore Romano, "requerem dos fiéis o grau de adesão denominado religioso assentimento da vontade e da inteligência’. Um assentimento "religioso’, portanto não fundado em motivações puramente racionais", que antes de ser um ato de fé é um ato de "obediência não simplesmente disciplinar, mas enraizado na confiança na assistência divina ao Magistério". Nos textos do magistério, e também nos do Vaticano II, "pode haver também elementos não propriamente doutrinais, de natureza mais ou menos circunstancial (descrições do estado das sociedades, sugestões, exortações, etc.). Tais elementos devem ser acolhidos com respeito e gratuidade, mas não requerem uma adesão intelectual em sentido próprio".
O artigo sublinha que a característica "essencial" do magistério é sua "continuidade e homogeneidade" no tempo, mas esta continuidade "não significa ausência de desenvolvimento; a Igreja, ao longo dos séculos, progride no conhecimento, no aprofundamento e no consequente ensinamento magisterial da fé e da moral católica".
Ocáriz explica que no Vaticano II "houve várias novidades de ordem doutrinal: sobre a sacramentalidade do episcopado, sobre a colegialidade episcopal, sobre a liberdade religiosa, etc.". Algumas delas, reconhece o autor, "foram e continuam sendo objeto de controvérsias sobre sua continuidade com o Magistério precedente, ou sobre sua compatibilidade com a Tradição", apesar de que requerem o obsequio da vontade e do intelecto. Sabe-se que justamente a liberdade religiosa –, isto é, o conteúdo da declaração Dignitatis Humanae, na qual se afirma que todos os seres humanos têm direito a um espaço de imunidade em relação com suas convicções religiosas e que têm o direito de não serem impedidas de segui-las e nem de serem obrigadas a seguir outras –, é considerada pelos lefebrianos como um dos pontos de maior ruptura com a tradição precedente.
Ocáriz, a este respeito, precisa que não apenas o magistério mais recente deve ser interpretado sob esta ótica. Também o magistério mais antigo dever ser lido com a mesma chave. "Não apenas se deve interpretar o Vaticano II – lê-se no artigo doL’Osservatore Romano – à luz de documentos precedentes do Magistério, mas que também alguns destes são melhor compreendidos à luz do Vaticano II. Isso não representa nenhuma novidade na história da Igreja. Recorde-se, por exemplo, que noções importantes na formulação da fé trinitária e cristológica (hipóstase, ousía) empregadas no Concílio I de Niceia foram precisados muito em seu significado pelos Concílios posteriores".
Com relação ao magistério, conclui o teólogo, "seguem sendo espaços legítimos de liberdade teológica para explicar de um ou de outro modo a não contradição com a Tradição de algumas formulações presentes nos textos conciliares e, por isso, para explicar o próprio significado de algumas expressões contidas nessas partes". A liberdade de discutir, a liberdade de aprofundar, inclusive "embora permaneçam aspectos racionalmente não inteiramente compreendidos". Mas o Concílio, em seu conjunto, e seus ensinamentos, que são o "fil-rouge" de todo o artigo, não pode ser deixado de lado ou converter-se em objeto de críticas corrosivas como se se tratasse tão somente de simples opiniões.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Há indicações seguras sobre o Concílio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU