30 Novembro 2011
O projeto da comunidade fundada pelo jesuíta Paolo Dall`Oglio não é a busca romântica de um irenismo ascético, versão religiosa do orientalismo dos ocidentais: é busca espiritual, compromisso ecumênico e luta pela justiça como fundamento para uma paz duradoura.
A opinião é de Massimo Faggioli, doutor em história da religião e professor de história do cristianismo no departamento de teologia da University of St. Thomas, em Minneapolis-St. Paul, nos EUA. O artigo foi publicado no jornal Europa, 29-11-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A notícia daquelas que, há já algum tempo, narram uma pressão crescente por parte dos regimes árabes formalmente seculares contra as minorias cristãs, em particular a católica. Mas o procedimento contra o jesuíta italiano Paolo Dall`Oglio tem um valor diferente.
Não só à luz do contexto sírio, mas também da atividade desenvolvida por Dall`Oglio na Síria há trinta anos. É do fim de semana passado o anúncio dado pelo governo de Bashar al-Assad de ter dirigido ao responsável da comunidade monástica de Mar Musa o convite, por meio do bispo católico do Pe. Dall`Oglio, a deixar o país.
Trata-se de uma medida de retaliação aparentemente contra o recente Apelo de Natal 2011, datado de 24 de novembro e publicado por Dall`Oglio na revista mensal dos jesuítas italianos, Popoli: um apelo cauto e meditado que pedia a interrupção do conflito armado, a proteção de civis inermes e o início de um processo de pacificação nacional: "Nesta crise, parece-nos que o nosso papel é o do diálogo, da mediação, da construção de pontes e do serviço da reconciliação".
Não se exclui que o procedimento esteja relacionado ao fato de que, no dia 11 de novembro, Burhan Ghalioun, presidente do Conselho Nacional Sírio, a oposição ao regime de Bashar, tinha feito a sua entrada no Vaticano para fazer contato com a Secretaria de Estado. Mas, ainda em março passado, a permissão de permanência de Dall`Oglio havia sido posto sob observação, em termos burocráticos uma "suspensão da residência", dado que, embora vivendo em Mar Musa há três décadas, nunca lhe foi concedida a cidadania.
Ora, a expulsão corre o risco de ser uma brusca interrupção de uma experiência que vê, todos os anos, milhares de pessoas peregrinas, católicas ou não, cristãs ou não, até mesmo da Itália. Quem teve a chance de subir aquela encosta de rocha que olha do alto para o deserto sírio perto de Nabak, ao norte de Damasco, sabe que a comunidade monástica de Mar Musa al-Habachi (São Moisés, o Abissínio) não é um mosteiro como os outros. Fundada em 1984 pelo Pe. Dall`Oglio, que reconstruiu a partir das ruínas um antigo mosteiro do século VI, abandonado no século XVIII, a comunidade monástica al-Khalil (em árabe, "o amigo de Deus", título bíblico e corânico de Abraão) tornou-se, já há duas décadas, um ponto de referência para o diálogo islâmico-cristão. Como para tantas outras comunidades, os monges de Mar Musa se mantêm com os proventos da hospitalidade e com um pouco de artesanato.
O trabalho produzido pela comunidade monástica também serve de sustento para a comunidade muçulmana local: pelo menos até a eclosão da revolta contra o regime de Assad, que pôs os cristãos da Síria (cerca de 10% da população, somando todas as filiações confessionais) em uma posição extremamente perigosa. Ao contrário de outros eclesiásticos e cristãos sírios, que publicamente se inclinaram por Bashar na esperança de manter um regime de liberdade religiosa, que cairia vítima juntamente com o regime dos Assad, Dall`Oglio e a comunidade de Mar Musa, nos últimos meses, tentaram percorrer um caminho diferente: sem se calar sobre os fatos e sobre o seu preço de sangue, mas também sem invocar uma revolução que corre o risco de transformar esse milagre de convivência inter-religiosa chamada Síria em uma espiral de vinganças étnico-religiosas entre muçulmanos sunitas, alauítas e cristãos de várias confissões.
O procedimento do governo sírio afeta o projeto e do Pe. Dall`Oglio e da comunidade al-Khalil, ou seja, o de recriar uma comunidade monástica no coração do Islã, sem fazer no monaquismo uma mera arqueologia monástica. Como se poderá ler em alguns dias no volume de escritos do Pe. Dall`Oglio reunidos em um livro (prestes a ser publicado pela Ed. Gabrielli, La sete de Ismaele, com prefácio de Paolo Rumiz), o projeto de al-Khalil não é a busca romântica de um irenismo ascético, versão religiosa do orientalismo dos ocidentais. Busca espiritual, compromisso ecumênico e luta pela justiça como fundamento para uma paz duradoura caracterizam o monaquismo de Dall`Oglio – romano formado em 1954, esquerdista na cultura política italiana do início dos anos 1970, noviço jesuíta na Companhia de Jesus do Padre Arrupe, formado entre Beirute, Jerusalém, Filipinas e Índia, tendo finalmente aportado na Síria, "apaixonado pelo Islã e crente em Jesus".
Os projetos de abrir novas comunidades no Irã, no Paquistão e nos territórios palestinos dizem muito sobre o cristianismo testemunhado por Paolo Dall`Oglio: um papel profético tanto dentro de uma Igreja Católica aparentemente resignada a se privar do seu pulmão oriental, quanto dentro de mundo árabe do Oriente Médio em que a liberdade religiosa foi até agora garantida por ditaduras inimigas não só da democracia, mas também do fundamentalismo islâmico.
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Um jesuíta na Síria - Instituto Humanitas Unisinos - IHU