20 Novembro 2011
Danças tribais e cores chamativas. Degola de galinhas e bonecos com alfinetes. Danças desenfreadas e êxtases místicos. E depois chifres, conchas, serpentes celestes, divindades dos mares e deusas da fertilidade. Quanta fé e quantas versões existem dos ritos do vodu? Joseph Ratzinger, o papa alemão, teólogo racional, mas pontífice cada vez mais pastor na sua incessante obra de diálogo com cultos diversos, partiu nesta sexta-feira para Benin. Berço do vodu, no qual 80% dos do beninenses acreditam e onde o espiritismo é a religião oficial desde 1996.
A reportagem é de Marco Ansaldo, publicada no jornal La Repubblica, 15-11-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Talvez, Bento XVI, ao aterrissar em Cotonou, a capital, cujo aeroporto é dedicado ao seu grande amigo, o purpurado africano Bernardin Gantin, decano do Colégio Cardinalício e hoje sepultado na vizinha Ouidah, vai se lembrar das palavras pronunciadas em 1993 pelo seu antecessor, João Paulo II – que, neste pequeno país da África, no quarto lugar dos últimos países do mundo em termos de PIB, foi duas vezes até – encontrando-se com os líderes da espiritualidade vodu.
"Caros amigos – disse Karol Wojtyla, abrindo os braços à sua fé –, vocês estão fortemente ligados às tradições que os seus antepassados lhes transmitiram. É legítimo reconhecer aos mais idosos que lhes transmitiram o sentido do sagrado, da fé em um Deus único e bom, o gosto pela celebração, a consideração pela vida moral e pela harmonia da sociedade. Os seus irmãos cristãos apreciam, como vocês, tudo que é belo nessas tradições, já que são, como vocês, filhos do Benin".
A acolhida ao papa foi calorosa, como na viagem anterior, em 1982, e na do ano seguinte ao Haiti, outra pátria do vodu, mas distante de África, na América Latina. Assim como na histórica viagem à Havana. E o Benin, por 20 anos, também viveu sob uma ditadura marxista-leninista, recebendo o apelido de "Cuba da África".
Quem lá esteve por muito tempo foi o monsenhor Giuseppe Bertello, hoje presidente do Governatorato do Vaticano, que foi por dez anos núncio em Cotonou. "No Benin, a Igreja sempre teve uma aproximação ao diálogo religioso", explicou Bertello à Rádio do Vaticano. "Ainda lembro que a carta pastoral do papa, na época, foi um documento acolhido com muita simpatia justamente pelos não cristãos, em primeiro lugar. Foi por isso que quiseram Dom Isidoro de Souza como presidente da Conferência Internacional. Essa carta havia preparado o caminho para um discurso de reconciliação no clima difícil que o país vivia e também tinha conseguido dar um pouco de confiança para começar um caminho novo".
No Benin, a religião do vodu – porque se trata de uma verdadeira fé – é praticada por quatro quintos da população. Existe uma Igreja voduísta solidamente institucionalizada, capaz de administrar as suas congregações, organizar as cerimônias, dotadas de um corpus de doutrinas morais e de uma teologia estruturada. Os seus sacerdotes, os Papaloa, auxiliados pelas sacerdotisas Mamaloa, gerenciam seminários, escolas, hospitais e asilos. Depois, há os chamados "Roi", os reis, descendentes dos antigos soberanos do Daomé, velho nome francês do Benin. Hoje, dois deles disputam o título de "papa" do vodu.
A mediação com Deus é confiada aos espíritos protetores, presentes nos elementos da natureza, raios, fogo, terra, água. Mas o subdesenvolvimento acabou provocando sérios danos também à prática religiosa, impulsionando o vodu beninense não aos feitiços como acontece no Haiti, mas aos envenenamentos.
"A degeneração do animismo leva a formas de satanismo com o recurso aos malefícios", explica o padre Alfonso Maria Angelo Bruno, diretor do escritório de comunicação dos freis franciscanos da Immacolata, em Roma, que durante 12 anos viveu no Benin e o conhece profundamente. "Se essas práticas geraram a cultura do medo, na origem das formas de violência oculta está o fenômeno da poligamia, que levou à `cultura do ciúme` entre meio-irmãos e meia-irmãs de apenas um genitor. O fenômeno do Vidomegon, isto é, das `crianças colocadas`, semelhante ao costume napolitano do carotenuto, nasce do princípio da solidariedade no clã: os mais pobres são adotados por familiares mais abastados. Hoje, no entanto, essa tradição dá lugar à criança vendida ou escrava, forçada a fazer trabalhos servis para as famílias mais ricas. Um dia, eu vi uma criança que consertava um telhado, suspenso no ar. `Cuidado que ela pode morrer se cair aí de cima`, eu disse. `Tanto faz, é uma criança`, foi a resposta".
Os dez bispos católicos locais conhecem bem essa realidade e buscam repará-la. Com uma delicada obra de mediação, tentam trazer a paz às inevitáveis lutas internas, mantendo a calma durante as eleições, as greves dos funcionários públicos, dos professores. Nisso, um papel especial possuem as emissoras. Um meio de comunicação como a Rádio Immaculée Conception, por exemplo, irá receber, no dia 3 de dezembro, o prêmio de melhor meio de comunicação do ano. Em um país onde o Islã está presente só no norte, a classe dirigente é formada em grande parte por católicos. E o que o Estado não consegue fazer na assistência, a Igreja o faz com os religiosos camilianos no tratamento da Aids, e com os Fatebenefratelli [Ordem Hospitaleira de São João de Deus] na cirurgia especializada.
"A intenção do papa é de avaliar, juntamente com os bispos, as condições da Igreja do Benin – continua o padre Bruno, cujos coirmãos estão presentes no país com duas comunidades, dois orfanatos, a rádio nacional, um seminário e um santuário – para manter esse papel do laboratório do catolicismo africano que o país sempre desempenhou".
O país celebra agora os 150 anos de evangelização. O primeiro missionário foi o genovês Francesco Borghezio, da Sociedade das Missões Africanas. Na capital, a nunciatura está situada ao lado do bunker reservado à embaixada chinesa e à representação diplomática da Líbia. Porque o Benin tem um grande valor geopolítico e é um país-tampão entre o Togo e a Nigéria. Na África, ele é considerado um ponto de referência católico: de lá vieram cardeais e bispos de grande valor.
Em Cotonou, Bento XVI vai entregar ao episcopado a Exortação Apostólica Africae munus, isto é, "O compromisso da África": 80 páginas que abordam o que emergiu do Sínodo africano de outubro de 2009. Ele vai dedicar uma parte da viagem ao encontro com a classe emergente dos jovem laicado católico, recebendo uma representação da Comunidade de Santo Egídio beninense, capitaneada por um dos seus animadores, Leopold Djogbede. A comunidade de Trastevere está presente no Benin há mais de 10 anos em oito cidades, com 500 ativistas e iniciativas que se referem à educação de menores, à promoção da paz e da coesão social, à defesa dos direitos humanos, à luta contra a pena de morte. A cereja do bolo: a Maison du rêve, a casa dos sonhos, uma estrutura para crianças de rua que dormem em torno do mercado central, acolhidos diariamente para receber alimentos, roupas, educação, higiene pessoal. Agora, são mais de 100 crianças, entre os 6 e os 12 anos.
Mas ativo, acima de tudo, é o serviço aos idosos. No Benin, também cresce um certo cansaço pela presença cada vez mais numerosa de idosos considerados improdutivos, sem seguridade social e pensão. As famílias, os bairros, os vilarejos os expulsam até. Talvez com motivos mágicos sobre o seu papel nefasto. "Também é a questão da bruxaria que retorna – explicam na Santo Egídio – na passagem a uma difícil modernidade".
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O papa missionário na terra do vodu - Instituto Humanitas Unisinos - IHU