06 Novembro 2011
Em duas semanas, o Papa Bento XVI fará a sua segunda visita à África, passando os dias 18 a 20 de novembro no Benin, no Oeste africano. Ninguém no Vaticano me pediu conselhos sobre a viagem, mas aqui eu vou oferecer alguns de qualquer maneira.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 04-11-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em poucas palavras, é isto: tentem lidar com a questão dos preservativos mais habilmente. Seria bom se a segunda aparição do papa na África não fosse totalmente subvertida pela última rodada do "preservativo-gate" [em alusão ao caso Watergate, um escândalo político dos EUA paradigmático em termos de corrupção].
Para ser concreto, vou oferecer três pensamentos para uma estratégia de comunicação.
- Não finjam que o papa pode ir à África e evitar questões sobre preservativos e a Aids, especialmente porque ele mesmo turvou as águas com alguns comentários recentes. Mas também não finjam que ele pode simplesmente fazer algumas observações casuais sem dar desencadear um frenesi midiático.
- Certifiquem-se de que qualquer coisa que Bento XVI disser seja apresentado de uma forma, e em um momento, que não ofusque outras histórias sobre a África que mereçam registro no Ocidente.
- Verifiquem também que a apresentação não faça o papa parecer isolado, mas, ao contrário, que ela comunique que ele está refletindo um amplo consenso religioso na África, assim como as conclusões de muitos especialistas seculares. As pessoas ainda podem contestar o que ele disser, mas pelo menos elas não serão capazes de caricaturá-lo como um excêntrico europeu octogenário.
Para compreender a relevância desses conselhos, vamos dar um passeio pelo caminho da memória da última vez que Bento XVI esteve na África, visitando Camarões e Angola em março de 2009.
Dirigindo-se para essa viagem, as autoridades do Vaticano disseram que Bento XVI queria usá-la para contar uma "boa nova", concentrando-se especialmente no alucinante crescimento do catolicismo no continente. O papa também queria estar lado a lado com os católicos africanos na sua luta por mudanças sociais, especialmente a luta contra a corrupção. Ele fez isso memoravelmente no Camarões. Em um palanque ao lado do presidente ditador Paul Biya – um ex-seminarista católico que preside um regime avaliado uma vez pela Transparência Internacional como o mais corrupto do planeta –, o papa disse: "Diante da corrupção ou do abuso do poder, um cristão nunca pode permanecer em silêncio".
Para os africanos, essa imagem do papa falando a verdade ao poder foi o momento-chave da viagem. Na Europa e nos Estados Unidos, no entanto, muitas pessoas nem tiveram ideia de que isso tenha acontecido, porque a cobertura foi, ao contrário, dominada pelo "Grande Debate sobre os Preservativos".
Recapitulando, Bento XVI falou brevemente aos jornalistas, a bordo do avião papal a caminho de Camarões, e recebeu a inevitável questão perante qualquer papa em um passeio africano: "E os preservativos e a Aids?". Famosamente, Bento XVI disse: "Não se resolve o problema da Aids com a distribuição de preservativos: ao contrário, seu uso agrava o problema".
Na verdade, ele disse mais do que isso. Sua resposta completa fez uso de 263 palavras, incluindo a importância da solidariedade com o sofrimento. Se você entende de jargão papal, o que surge é um caso ponderado de compaixão, em oposição a um exercício de "simplesmente dizer não" em termos de moralismo.
No entanto, a frase citada acima foi batida como um tambor barato e previsivelmente deixou escapar os cães de guerra culturais. Pela primeira vez na história, um Parlamento europeu (neste caso, belga) censurou formalmente o papa, e o governo esquerdista da Espanha, sob o primeiro-ministro José Luis Rodríguez Zapatero, enviou um milhão de preservativos para a África em protesto.
Como resultado da disputa, nenhuma outra história sobre a viagem jamais viu a luz do dia. Pode-se culpar a imprensa por perder o grande quadro, mas a verdade é que o Vaticano deveria ter visto isso vindo. Alguém imaginou que, se o papa dissesse o que ele disse, sem qualquer contexto ou pano de fundo, isso acabaria obscurecendo qualquer outra coisa?
Na época, o Vaticano não fez quase nenhum esforço para conseguir reafirmar três pontos-chave, por isso, eles só vieram à tona muito mais tarde no círculo de notícias – muito tarde para fazer qualquer diferença.
Primeiro, o papa estava simplesmente dando voz ao que os bispos católicos da África lhe dizem há décadas. Os prelados africanos costumam dizer que os preservativos que chegam à África são frequentemente baratos e não confiáveis, e, de qualquer maneira, simplesmente passá-los em frente, sem nenhuma educação e formação moral, às vezes encoraja as pessoas a se engajar em comportamentos ainda mais arriscados. Você pode contestar isso, mas esse ponto está longe de ser a peculiar cantilena papal.
Segundo, outros líderes religiosos da África sustentam o mesmo ponto de vista. No dia seguinte ao estouro do "Grande Debate sobre os Preservativos", eu entrevistei o imã da mesquita nacional da capital de Camarões. Quando eu lhe perguntei a sua opinião a respeito, o imã disse: "Meu único desapontamento é que o papa não esperou para dizer isso quando ele chegasse aqui, para que o pudéssemos ter dito juntos".
Terceiro, alguns especialistas seculares anti-Aids pensam que o papa tem algo a dizer. Edward Green, de Harvard, publicou um artigo no Washington Post três dias depois, com dados que mostram que as nações que usam a abordagem "ABC", enfatizando a abstinência e a fidelidade ao lado dos preservativos, tiveram mais sucesso para derrubar as taxas de infecção.
Em suma, a viagem de 2009 produziu dois colapsos de comunicação: a mensagem completa que Bento XVI queria passar na África foi obscurecida, e permitiu-se que uma falsa impressão de Bento XVI como isolado e perdido acerca de uma questão criticamente importante se exasperasse.
Há todas as razões para acreditar que a questão dos preservativos vai surgir novamente no Benin. O HIV/Aids praticamente não desapareceu, e o papa praticamente provocou a confusão sobre a sua posição agora. Em um livro-entrevista de 2010, Bento XVI disse que os preservativos, apesar de não serem uma "solução real ou moral" à Aids, podem, no entanto, ser um "primeiro passo em direção à moralização".
Essa frase, juntamente com um subsequente esclarecimento do Vaticano, deixou muitos observadores coçando suas cabeças sobre o que o papa exatamente estava tentando dizer – sem falar nas implicações que poderia haver para os católicos na linha de frente dos esforços anti-Aids em lugares como a África.
Dado esse pano de fundo, a questão está claramente sobre a mesa. O drama jaz na forma como ele vai ser tratado.
* * *
A questão de encorajar uma abordagem de comunicação mais eficaz não é simplesmente, nem mesmo principalmente, acerca de proteger a imagem do papa. Ele já é adulto, e poucos atores da cena católica têm mais experiência para lidar com pedradas e flechadas da incompreensão pública do que Bento XVI.
Em vez disso, o que está em jogo é o que os economistas chamam de "custo de oportunidade". Uma viagem papal à África é uma oportunidade preciosa, se não for desperdiçada, para chamar a atenção sobre um continente que geralmente registra no Ocidente somente quando há uma fome ou uma guerra. Mesmo assim, você não pode dar nada por garantido. A Segunda Guerra do Congo e suas consequências custaram cerca de 5,4 milhões de vidas de 1998 a 2008, o conflito mais mortal do século XX depois da Segunda Guerra Mundial. E ele poderia muito bem ter ocorrido em Marte, em termos de quanto o europeu ou o norte-americano típicos sabem alguma coisa sobre ele.
A questão-chave sobre a visita de Bento XVI ao Benin não é, portanto, como a questão dos preservativos vai ser disputada. É a seguinte: se o Vaticano conseguir evitar essa armadilha, que outras histórias poderiam obter algum interesse?
Catolicismo na África
Eu já citei esta estatística muitas vezes, mas vale a pena repetir. A população católica da África subsaariana disparou de 1,9 milhão em 1900 para 139 milhões em 2000, uma taxa de crescimento de quase 7.000%– o maior surto de expansão missionária da Igreja Católica já ocorrido. Como resultado, muitos católicos acreditam que seu momento histórico africano chegou.
O catolicismo na África goza de muitas forças: energia e dinamismo jovens, uma religiosidade vibrante não (ou pelo menos ainda não) corroída pelo secularismo, uma tradição de servir como uma voz da consciência nos assuntos públicos, uma experiência interessante de envolvimento com o Islã como um áspero "igual" em vez de um subalterno, e um padrão de relacionamentos dentro da Igreja não (ou, novamente, ainda não) infectado pela polarização ideológica.
No entanto, ele também enfrenta questões difíceis. Até que ponto os laços tribais e de parentesco ainda forjam uma identidade comum como católicos? O modelo bastante clerical de liderança em alguns lugares é adequado para mobilizar um laicado cada vez mais instruído e sofisticado? O catolicismo na África está sendo enfraquecido pela exportação de alguns de seus melhores e mais brilhantes jovens sacerdotes para o Ocidente, trocando um rendimento de curto prazo por uma saúde pastoral de longo prazo? Será que a vibrante religiosidade da África irá perdurar enquanto as sociedades africanas se tornam cada vez mais parte de uma aldeia global? Os católicos africanos podem respeitar a espiritualidade e a crença nativa, sem batizar o paganismo e a bruxaria? A África pode evitar repetir os erros da Igreja na América e na Europa acerca da crise dos abusos sexuais?
As respostas a essas perguntas irão percorrer um longo caminho em termos de determinar se o século XXI realmente apresenta um "momento africano" na vida católica.
Bento XVI está viajando para o Benin, em parte, para revelar uma "Exortação Apostólica", que contém as conclusões que ele esboçou a partir do Sínodo dos Bispos para a África, em outubro de 2009. Teoricamente, o documento deveria expressar uma espécie de plano de jogo para o futuro católico do continente.
Ele deveria ser um equivalente católico do discurso de Bush ao Congresso depois do 11 de setembro, ou o lançamento do plano de trabalho de Obama – em outras palavras, um momento "ou vai ou racha" muito aguardado. Se o papa apresentar uma visão convincente, o documento deve ser comemorado. Se ele reciclar o usual palavreado sem realmente fazer avançar a conversa, ele deve ser criticado.
Engajamento com outros crentes
A presença de Bento XVI no Benin também apresenta uma oportunidade para examinar como o catolicismo se engaja com outros sistemas de crença, incluindo alguns com vastas pegadas, que normalmente não chamam muito a atenção católica, seja das castas de especialistas da Igreja em diálogo inter-religioso, seja do oficialismo eclesiástico.
De um lado, a fé Vodun – mais conhecida no Ocidente como "vodu" – teve origem nessa parte de África, e alguns especialistas veem o Benin como um cadinho principal. No Benin, hoje, cerca de 18% da população, o que se traduz em 1,6 milhões de pessoas, são praticantes do vodu, o que o torna o terceiro maior grupo religioso do país depois dos católicos e dos muçulmanos... e muitos desses católicos e muçulmanos detêm um fatia considerável das crenças e dos costumes que têm sua origem no vodu.
E daí? Bem, considere isto.
Hoje, há 75 milhões de metodistas no mundo, e esse número está em constante declínio. Embora contagens precisas são mais difíceis de encontrar para o vodu, as estimativas variam de 30 a 60 milhões, e esse número está aumentando – em outras palavras, uma quantia comparável de pessoas. Ao longo dos séculos, o catolicismo investiu muito mais tempo e dinheiro para compreender o Metodismo do que o vodu, e é possível argumentar que é hora de equilibrar essa balança.
Se você é do tipo de católico inclinado ao diálogo, o argumento seria de que precisamos ir ao encontro desse grupo religioso há muito tempo negligenciado. Se você está mais preocupado com a apologética e a identidade católica, então a questão seria que a Igreja precisa entender melhor o vodu, a fim de proteger os católicos de serem seduzidos por ele. De qualquer forma, com certeza, ele merece tanta reflexão quanto a que nós estamos dando aos metodistas.
Na mesma linha, o Benin também é um grande laboratório para o engajamento com o vasto fenômeno da cristandade independente e não denominacional, o que muitas vezes significa Igrejas improvisadas que misturam elementos da espiritualidade pentecostal e evangélica – um panorama que inclui dezenas de Igrejas originadas na África. De acordo com o Atlas da Cristandade Global, as Igrejas "independentes" hoje representam 16% do total cristão global, cerca de 369 milhões de pessoas.
É difícil imaginar qualquer esforço sério em direção à unidade cristã que não ponha essas pessoas em foco, e o Benin é o lar de um dos maiores órgãos independentes: a Igreja Celestial de Cristo, fundada em 1947 por um carpinteiro local, Samuel Joseph Bilewu Oschoffa, que afirma ter experimentado uma revelação divina durante um eclipse solar, e que acredita que Deus o tinha agraciado com a capacidade de curar e ressuscitar os mortos. Há mais de meio milhão de "celestiais" no Benin, com muitos seguidores também na Nigéria e com postos em todo o mundo (incluindo os Estados Unidos, com sedes em Ewing, Nova Jersey).
Os católicos de todos os lugares deveriam estar interessados em como a Igreja local no Benin pensa os celestiais e como deveriam ser as relações nessas trincheiras.
Finalmente, o Benin também é um bom exemplo do que alguns especialistas consideram como uma forma distinta de "Islã africano", profundamente tradicional no seu ethos, embora em grande parte intocado pelas correntes radicais que se assomam em outros lugares. Cristãos e muçulmanos na África subsaariana desfrutam uma posição de áspera igualdade, em que nenhum domina claramente sobre o outro. Como resultado, os cristãos e muçulmanos africanos tiveram que desenvolver uma grande variedade de diferentes modi vivendi – muitas vezes informalmente, in loco, sem ponderar todos os pontos teológicos e constitucionais mais importantes – que pudessem oferecer subsídios para a reflexão em outras partes do mundo.
É impressionante que o presidente do Benin, um ex-banqueiro chamado Thomas Boni Yayi, é um muçulmano convertido ao cristianismo evangélico. Em outras sociedades com uma forte presença muçulmana, isso poderia ser uma fonte de conflito, já que alguns muçulmanos consideram a conversão como uma forma de apostasia. No entanto, em sua grande parte, o Benin conseguiu evitar a violência cristão-muçulmana que domina, às vezes, o seu vizinho maior, a Nigéria.
Preocupações com a justiça social
O Benin apresenta também uma oportunidade para se concentrar em algumas das mais candentes questões de justiça social que a África enfrenta.
A primeira é a luta contra a corrupção. Se você perguntar a um ativista africano típico, ele ou ela lhe dirá que a redução da corrupção é uma condição "sine qua non" de qualquer esforço de justiça social. Em uma recente pesquisa do Banco Mundial, mais de 150 altos funcionários públicos e analistas de mais de 60 nações em desenvolvimento classificaram a corrupção como o maior impedimento ao desenvolvimento e crescimento econômicos. Estimativas do custo total da corrupção em todo o mundo estão na casa dos 500 bilhões a 1 trilhão de dólares, superando facilmente o montante total gasto pelas nações ocidentais em ajudas ao desenvolvimento estrangeiro.
O Benin é um grande caso em questão, já que o país foi abalado no ano passado pelo equivalente africano ao escândalo de Bernie Madoff. O colapso de um banco de investimentos chamado ICC Services, que estava executando um esquema ponzi com as poupanças de milhares de pequenos investidores, sugou 5% do PIB do Benim, mais de 330 milhões de dólares. Tudo isso em um país onde 88% da população carecem de cuidados de saúde adequados, onde mais de 20% das crianças estão desnutridas, e onde apenas 23% da população adulta feminina é alfabetizada (ao contrário dos quase 50% de homens).
Como se descobriu, vários políticos no Benin pegos no escândalo do ICC Services eram membros da Igreja Celestial de Cristo, que aparentemente usou seus contatos eclesiais para espalhar o esquema ponzi a nações como a Costa do Marfim e Burkina Faso. O líder da Igreja morreu de um ataque cardíaco na mesma época, o que foi amplamente atribuído ao estresse causado pelo caso.
A pergunta a ser feita é que efeito – se houver – uma formação cristã realmente tem sobre a produção de uma nova geração de líderes, mais inclinados a pensar sobre o bem comum do que em encher os próprios bolsos.
Uma segunda questão de justiça social sobre o Benin é se o país pode evitar a "armadilha dos recursos" que tem afligido muitas outras nações em desenvolvimento, com substanciais jazidas de recursos naturais, especialmente petróleo.
O Benin está situado no Golfo da Guiné, rico em petróleo, lado a lado com o principal produtor de petróleo da África, a Nigéria. A estimativa convencional é de que o Benin tem reservas potenciais de 5 bilhões de barris de petróleo, que valem 400 bilhões de dólares nos preços atuais. Quando você considera que todo o PIB do Benin em 2009 foi de 6 bilhões de dólares, você tem alguma ideia do enorme potencial que essa estimativa representa.
Levantamentos preliminares também sugerem que o Benin tem depósitos consideráveis de minério de ferro, ouro, calcário, mármore e agrominerais como fosfatos, muitos quais ainda estão amplamente inexplorados.
Se esses recursos devem servir ao bem comum – ao contrário de enriquecer companhias estrangeiras e um punhado de elites locais, o padrão familiar em tantos outros lugares – é preciso que haja um forte debate público sobre como esses recursos devem ser utilizados, bem como um foco contínuo na prestação de contas. Dado o papel central que a Igreja Católica desempenha nos assuntos nacionais, os católicos terão que estar nas linhas de frente, e esse é um ponto que não se aplica somente ao Benin.
Mais uma vez, se conseguirmos evitar o "preservativo-gate", há uma chance de que a presença do papa possa impelir o mundo católico a enfrentar mais esse desafio.
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Bento XVI na África. O catolicismo e a justiça social no continente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU