06 Novembro 2011
Roma viu uma grande coincidência nos últimos dias, que poderia ser simples sorte ou um sinal das coisas que estão por vir. Houve dois grandes eventos do Vaticano, a nota sobre a reforma da economia internacional e a cúpula dos líderes religiosos em Assis. Em ambos os casos, a mesma autoridade vaticana foi a força motriz: o cardeal Peter Turkson, de Gana, presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 28-10-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Turkson, 63 anos, ainda jovem em termos eclesiais, foi o principal organizador do encontro de Assis, assim como o principal signatário do documento que detona as ideologias "neoliberais" e apela por uma "verdadeira autoridade política mundial" para regular a economia. Durante as coletivas de imprensa de apresentação de ambos os acontecimentos, Turkson foi a estrela principal.
Poderíamos dizer papabile?
Antes de esquentar os ânimos, no entanto, três precauções são necessárias.
Primeiro, não há nenhum sinal de uma crise de saúde em torno de Bento XVI. O fato é que, no dia 16 de outubro, Bento XVI usou uma plataforma móvel na Basílica de São Pedro pela primeira vez, mas porta-vozes do Vaticano disseram que foi simplesmente para facilitar as coisas para o pontífice de 84 anos de idade, e não o resultado de qualquer "indicação médica" (na verdade, a distância desde a sacristia, passando pelo corredor principal e, depois, até o altar central é de quase 100 metros. Toda liturgia envolve o percurso desse trajeto duas vezes, ou seja, o papa tem que caminhar mais de dois campos de futebol em pesados trajes litúrgicos. Francamente, dada essa opção, eu também usaria a plataforma).
Segundo, nós já estivemos nesse caminho antes... fascinados por um carismático cardeal africano em Roma, que parecia ser um candidato a se tornar o primeiro papa negro. Em seu tempo, tanto os cardeais Bernardin Gantin, de Benin, e Francis Arinze, da Nigéria, eram vistos dessa forma. Por essa razão, alguns acreditam que, se o próximo papa deve ser africano, ele provavelmente deverá ser, pelo menos, o cardeal Robert Sarah, de Guiné, 66 anos, presidente do Cor Unum, o braço político do Vaticano para as instituições de caridade católicas.
Em terceiro lugar, nem todo mundo ficou entusiasmado com os desdobramentos envolvendo Turkson na última semana. Os neoconservadores ficaram perplexos com a nota sobre economia, e os tradicionalistas vaiaram contra Assis (um colega sugeriu brincando que o Vaticano deve ter projetado essa semana para irritar a direita católica, mas isso é outro assunto). Estar associado a uma iniciativa de alto nível, em outras palavras, não apenas chama a atenção, mas também a controvérsia.
Com essas ressalvas, há ainda quatro bons motivos para manter um olho sobre Turkson.
1. Um "momento africano"
O primeiro ponto é óbvio: a África é o lugar mais dinâmico no mapa católico. Durante o século XX, a população católica da África subsaariana cresceu de 1,9 milhão para 139 milhões, um crescimento de quase 7.000%. Um papa africano daria um rosto a essa crescente pegada católica, não só na África, mas em todo o hemisfério Sul.
Turkson seria uma escolha adequada. Seu antecessor como arcebispo de Cape Coast, em Gana, John Kodwo Amissah, tornou-se o primeiro arcebispo africano nativo nos tempos modernos, em 1957. Gana é um dos poucos países no oeste da África com uma maioria cristã e tradicionalmente tem desempenhado um papel de liderança nos assuntos eclesiais (a sede da SECAM, o Simpósio das Conferências Episcopais da África e de Madagascar, fica na capital de Gana, Accra).
Hoje, muitos católicos africanos acreditam que o seu ponto de virada histórico chegou. Dois anos atrás, quando um furor no Ocidente irrompeu acerca dos comentários do Papa Bento XVI a caminho de Camarões de que os preservativos piorariam o problema da Aids, vários bispos africanos disseram meio de brincadeira: "Se eles não querem mais o papa na Europa, nós o traremos para cá".
No fim, pode se revelar mais fácil levar a África ao papado do que o contrário.
2. Tempero romano
A reputação inicial de Turkson era a de um talentoso porta-voz para a Igreja africana, mas alguns se perguntavam como ele poderia se sair sob os holofotes de Roma.
Quando Bento XVI indicou Turkson como "relator", ou secretário-geral, para o Sínodo para a África de 2009, em um primeiro momento, essas dúvidas aumentaram. No dia da abertura, durante uma coletiva de imprensa no Vaticano, Turkson deu uma resposta desconexa a uma pergunta sobre preservativos e Aids, gerando manchetes distorcidas, mas compreensíveis, como: "Bispo diz sim à camisinha". Quando Turkson fez saber privadamente que ele realmente não queria um cargo no Vaticano, isso comoveu alguns como uma louvável falta de carreirismo, mas para outros isso fomentou dúvidas sobre se ele estava à altura do desafio.
Nos últimos dois anos, Turkson melhorou essas percepções iniciais.
Sinais de confiança papal abundam agora, incluindo o fato de que Bento XVI tornou Turkson um membro da ultrapoderosa Congregação para a Doutrina da Fé há um ano e, em março passado, Bento XVI nomeou Turkson como seu enviado pessoal à Costa do Marfim (embora os combates em torno de Abidjan fizeram com que fosse impossível que ele chegasse lá). Com efeito, Turkson foi o principal exegeta e publicitário para encíclica social de Bento XVI, Caritas in veritate.
Turkson também tem impressionado as pessoas como um pensador. Um gesto pequeno, mas que diz muito, ocorreu no início do seu mandato. Seu antecessor no Conselho Justiça e Paz, o cardeal italiano Renato Martino, queria elevar o perfil do dicastério e então contratou um publicitário. A título de contraste, Turkson trouxe seu próprio conselheiro teológico, o padre jesuíta Michael Czerny. Pessoas mais íntimas viram isso como uma opção pela substância, mais do que pelas relações públicas.
3. Um nível confortável perante a diversidade
Turkson é africano por inteiro, mas é também uma figura muito viajada, que conhece línguas e culturas, e sua biografia tem-lhe dado um confortável nível perante a diversidade. De um lado, ele é filho de um pai católico e de uma mãe metodista. Por isso, o ecumenismo está, literalmente, nos seus ossos.
Turkson estudou no St. Anthony-on-the-Hudson Seminary, em Rensselaer, Nova York, na década de 1970 (o seminário fechou em 1989). Ele teve duas passagens por Roma como estudante, nos anos 1970 e novamente no início dos anos 1990. Turkson obteve um doutorado pelo prestigiado Pontifício Instituto Bíblico, onde conviveu com estudiosos e futuros líderes de todo o mundo.
A exposição de Turkson a modelos pastorais ocidentais significa que, ao contrário de alguns prelados de uma geração diferente, ele se sente confortável com a tomada de decisões colaborativa, com o empoderamento dos/as leigos/as e com um papel reforçado para as mulheres. Seu sub-secretário no Conselho Justiça e Paz, na verdade, é uma leiga italiana, Flaminia Giovanelli.
Sua formação como biblista também merece ser ressaltada.
Alguns dos prelados mais interessantes tiveram sua formação como biblistas, como o cardeal Gianfranco Ravasi, do Pontifício Conselho para a Cultura, o cardeal Carlo Maria Martini (arcebispo emérito de Milão), e o patriarca Antonios Naguib, da Igreja Católica Copta do Egito. Como regra geral, os biblistas muitas vezes apreciam a nuance, uma capacidade de olhar para além dos significados superficiais, o que pode posicionar um futuro líder em um bom lugar.
4. Não ideológico
Turkson demonstra ser refrescantemente livre de preconceitos ideológicos, pelo menos da forma como essas coisas são mensuradas no Ocidente.
Pelo fato de ele gerir o escritório vaticano sobre paz e justiça, há uma tendência natural, em alguns setores, de assumir que Turkson deve estar no lado liberal. Na verdade, as pessoas que o conhecem dizem que, em muitos aspectos, ele é bastante conservador. Por exemplo, quando o Vaticano recentemente afirmou um maior controle sobre a Caritas Internationalis, a organização com sede em Roma para as instituições de caridade católicas de todo o mundo, Turkson disse às pessoas, nos bastidores, que, talvez, reforçar a identidade católica da instituição não era uma má idéia.
Turkson certamente não se sente vinculado aos cânones da correção política ocidental. Ele é uma pessoa muito franca em várias ocasiões, por exemplo, quando afirma que o diálogo teológico com os muçulmanos é basicamente impossível, e que, por isso, é melhor se concentrar na resolução dos problemas sociais. Durante o recente Sínodo para o Oriente Médio, Turkson estava entre as vozes que pediam um desafio mais forte aos governos islâmicos para que respeitassem os direitos das minorias religiosas.
Ao mesmo tempo, o Conselho Justiça e Paz sob Turkson resistiu silenciosamente aos esforços, por parte de alguns grupos católicos neoconservadores e pró-livre mercado no Ocidente, especialmente nos Estados Unidos, de exercer uma maior influência sobre o seu trabalho – o que sugere que ele não quer que o dicastério fique cativo a qualquer agenda ideológica particular.
Sem dúvida, Turkson se vê como um defensor da África e dos povos das nações em desenvolvimento em geral.
Em uma entrevista de 2004 com o jornalista italiano Giuseppe De Carli, ele disse: "Se os países europeus querem manter seus altos padrões de vida, eles não podem ignorar a África. Eles não podem simplesmente reclamar da imigração e não podem fingir que vivem em um isolamento esplêndido. (...) O que nós, bispos africanos, pedimos? Um aumento da ética e da moralidade. Pedimos isso da classe política do Ocidente. Pedimos que a nossa agricultura não seja estrangulada por preços miseráveis, que a concorrência seja justa e equitativa, e que África não fique submergida pela dívida. Pedimos que as potências ocidentais ajudem os governos ineptos do nosso continente, os políticos incapazes ou desonestos".
Em outras palavras, Turkson combina o que chamaria a atenção de grande parte dos ocidentais como posições "conservadoras" e "liberais", se elas correspondem ao que ele percebe como as realidades afetadas.
Um papa negro?
Em fevereiro de 2010, eu entrevistei Turkson em seu escritório vaticano (foi um dia que os romanos irão lembrar, já que a cidade foi assolada por uma rara tempestade de neve). Como muitos jornalistas antes e depois de mim, eu queria lançar a pergunta sobre um papa negro. Preocupado com o fato de que ele poderia estar cansado de falar sobre isso, eu meio que girei em torno da questão, tentando voltar ao assunto.
No fim, Turkson me salvou de mim mesmo. Aqui segue como se deu a nossa conversa, que eu publiquei na época:
Você teve que aprender a falar de uma forma diferente por causa da intensa atenção da mídia aqui?
Turkson – Definitivamente. Eu tive que adquirir um pouco de circunspecção. Às vezes, eu digo coisas como uma brincadeira, mas o sorriso não é apresentado na notícia. Eu me ensinei uma pequena lição sobre isso.
Eu ainda abordo essa questão não com um pouco de inocência, mas de veracidade. Claro, eu poderia apenas dar declarações evasivas, e, no final, você não pode me imputar algo, mas eu também não disse nada. Eu decidi não fazer isso. Eu prefiro dizer o que eu quero dizer e correr o risco de que isso seja tirado do contexto.
Outro dia, por exemplo, alguém me perguntou sobre um papa negro. Eu lhe disse que, obviamente, qualquer pessoa que se torna padre pode se tornar bispo, cardeal, o que for. Mas eu também disse à queima-roupa que, infelizmente, o nosso mundo hoje é muito sensível à cor. Essa é a verdade. Alguém poderia relatar isso de uma forma que me faça parecer racista, o que seria lamentável, mas eu acho que a verdade precisa ser dita. Quando se trata de um papa negro, muitas pessoas dizem que isso não importa, mas a verdade é que importaria muito.
Um papa negro é mais ou menos provável por causa dessa sensibilidade racial?
Turkson – Eu não posso dizer o que os cardeais estão pensando, mas posso dizer isto: eu não gostaria de ser esse primeiro papa negro. Eu acho que ele terá tempos difíceis.
Esse foi Turkson ainda em 2010. Depois dessas semanas que ele teve, ficamos imaginando se ele ainda pensa da mesma forma...
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Um candidato papal conquista o centro das atenções - Instituto Humanitas Unisinos - IHU