27 Outubro 2011
"É fifty-fifty, ele me dizia. "Meio a meio. Às vezes, eu acho que Deus existe. Às vezes, não. Eu gostaria de acreditar na vida após a morte. Mas temo que, no fim, só haja um botão on-off. Um clique, a luz vai embora. E você não existe mais. Por isso, eu nunca gostei de colocar botões de ligar nos produtos da Apple".
A reportagem é do jornal Corriere della Sera, 24-10-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Walter Isaacson (foto) relata ao Corriere os tormentos de Steve Jobs, o seu interrogar-se sobre o além. É a primeira entrevista concedida a um jornal italiano depois de ter entregue à editora (Mondadori na Itália) a sua biografia do fundador da Apple. Encontramo-lo em Washington, em Aspen, o instituto do qual é presidente, depois de ter sido diretor da Time e presidente da CNN. Paredes de vidro com vista para a rotatória de Dupont Circle. Isaacson está atrasado. Ouço-o falar ao telefone na sala ao lado. Estamos separados por um sutil painel pré-fabricado. Isaacson faz longas pausas, ocasionalmente usa expressões de encorajamento, no fim saúda com uma voz quente.
Ele se assoma à porta com um sorriso triste: "Desculpe o atraso. Estava com uma pessoa da família. Estava chorando. É curioso: ele tinha medo de ser um estranho para os seus entes queridos. E, ao contrário, ele deixou um vazio enorme".
Eis a entrevista.
Já lemos muitas antecipações do seu livro, mas pouco sobre o temperamento irascível de Jobs, os traços duros do seu caráter. Quanto a Deus, ele o havia evocado falando de música. Ele, que tinha enchido o seu iPod com músicas de Bob Dylan, Beatles, Joan Baez, Rolling Stones e Yo-Yo Ma, disse uma vez ao violoncelista franco-chinês: "As suas performances são a melhor prova da existência de Deus, porque eu não acho que um ser humano pode fazer tudo isso sozinho".
Comigo, Steve começou a falar de Deus enquanto ganhávamos confiança e a doença novamente ganhava espaço. Não era medo, ele se interrogava: "Eu quero acreditar na vida após a morte", me dizia, "porque isso faz parte da minha formação budista. Toda a sabedoria que você acumulou, o seu conhecimento não desaparecerá no nada quando você não existir mais". Depois, no entanto, ele era assaltado pela dúvida de que no final da vida só haveria um "off switch".
Jobs foi um mestre da liderança, mas também tinha um temperamento áspero, um homem muitas vezes intratável. O senhor também foi e é um líder. Houve faíscas no seu relacionamento? Na Time, o senhor escreveu sobre a sua grande intensidade, mas também sobre um homem perseguido por obsessões e demônios que tinha uma visão binária do mundo.
Sim, é verdade, eu falei da dicotomia herói-medroso: para ele, era uma coisa ou outra, sem nada no meio. E talvez fazia você passar de uma categoria para a outra no mesmo dia. Muitos amigos tinham me desaconselhado a embarcar nessa aventura: você vai ter à sua frente um homem impossível, me diziam. Cortês e, depois, de repente, furioso. Bem, isso aconteceu apenas uma vez: quando eu lhe trouxe um projeto da capa do livro na qual a editora estava trabalhando. Com um logotipo da Apple e o título iSteve. Ele ficou furioso, disse que lhe daja repulsa, começou a gritou que nunca mais colaboraria com a biografia se não tivesse voz sobre a veste gráfica do livro. Não foi difícil contentá-lo, dado o seu grande talento para o design.
Mais de 49 encontros, anos a fio estudando-o. Qual o seu juízo final sobre o homem?
Ele me agradava. Com toda as suas cruezas, suas obsessões, seys demônios que o devoravam, ele me agradava. E isso é um problema. Você sabe: um jornalista sempre deveria manter um certo distanciamento. Com mais razão um biógrafo. Mas com ele foi diferente. Principalmente pela incrível riqueza da sua história, que ele explicava com um simples "gosto de viver na intersecção entre humanidade e tecnologia". E depois havia o aspecto carismático, hipnotizante, da sua personalidade, a aura que se difundia ao redor dele. Por fim, ele me desarmou com a sua abertura. Veja, um biógrafo, no fim do seu trabalho, no entanto, chega a conhecer apenas uma pequena parte – digamos, 2% – do personagem que descreve. Isso me aconteceu com Benjamin Franklin e Albert Einstein, mas também com Henry Kissinger, que, porém, eu visitei assiduamente. Com Steve, foi diferente: ele jamais me falou sobre a sua vida privada. Quando decidiu fazê-lo, ele demoliu todos os muros. Quis falar por horas e horas sobre tudo: seus sentimentos, seus sofrimentos, suas histórias românticas. Com lucidez e, muitas vezes, de modo comovente. No fim, eu tive a sensação de saber tudo sobre ele, sobre a sua natureza íntima. De conhecê-lo como a mim mesmo. Isso nunca tinha acontecido. E, de algum modo, isso é terrível.
Lemos que, no seu último encontro, ele disse que se abriu porque queria que os seus filhos o conhecessem e o compreendessem melhor. Ele se sentia como um mau pai?
Sendo o líder de uma grande empresa, ele era um pai muito presente: ele jamais ia a festas e recepções, não aceitava prêmios. Todas as noites em casa, jantando na cozinha com a família. Mas era absorvido pelo seu trabalho: mesmo na mesa, muitas vezes se alienava, seguia seus pensamentos. Ele amava os filhos, mas sentia-se incapaz de se comunicar bem com eles.
Quando ele percebeu que seus dias estavam contados? E como um homem de tecnologia como ele pôde pensar por quase um ano que poderia combater o câncer com as dietas "vegan", a acupuntura e as compressas de algum charlatão?
Aqui volta a sua visão binária do mundo. Steve era um homem fundamentalmente racional, mas a sua abordagem analítica não era absoluta. Em certo ponto, ele dava lugar ao magical thinking: o pensamento mágico que sempre permaneceu no fundo da sua alma desde os anos das experiências juvenis na Índia, da imersão na espiritualidade oriental, da adesão ao budismo. Daí também vem a ideia da inviolabilidade do corpo, à qual ele renunciou só depois de muitos meses de doença. Ele sabia que estava errado, mas fez assim mesmo: ele queria a excelência das terapias tradicionais – os melhores médicos e cirurgiões dos EUA –, mas, ao mesmo tempo, continuava procurando alternativas. Foi assim até o fim. A última vez que nos encontramos, quatro semanas antes da sua morte, ele sabia que o seu destino já estava marcado. Mas, contra as previsões dos médicos, ele estava convencido de que poderia viver mais um ano. Disseram-me que, no dia antes do fim, ele ainda estava trabalhando nos projetos da Apple e convencido de que teria tempo para ler a sua biografia. Uma confiança que só é possível explicar com o seu magical thinking.
Nos negócios, porém, o pensamento mágico não afetava a sua dureza. Exigente com os seus funcionários até ser desprezível.
Conversamos frequentemente sobre isso. Dependia da sua obsessão com a perfeição. Ele era intolerante não só com a mediocridade, mas também com tudo o que não atingia a excelência. Ele me dizia: "É verdade, eu poderia ser mais doce, e, certamente, existe um modo mais delicado para gerir os relacionamentos com os meus funcionários. Mas eu não seria eu mesmo. Se eu não gosto de alguma coisa, eu digo na cara. Entendo que é difícil, mas no fim desse processo só os melhores jogadores ficam no time. E aqueles que permanecem são intensamente leais.
Não foi assim com John Sculley. Ele o cortejou, arrancou-o da Pepsi para torná-lo administrador delegado da Apple, e este, depois de alguns anos, mandou-o embora da sua empresa.
Um quarto de século depois, Steve continuou detestando Sculley e não apenas como administrador. Quando o havia escolhido, ele também tinha visto em John a figura paterna que, na sua vida, ele sempre buscou, depois de ter sido abandonado recém-nascido pelos pais biológicos. Quando Sculley o cortou fora, ele viveu a situação como uma dupla traição.
Muitos jornalistas pensam que, com o iPad, Jobs construiu um bote salva-vidas para a imprensa em crise. Era esse realmente o seu objetivo?
Sim, ele via na informação jornalística uma defesa da democracia. Ele considerava o New York Times como um grande jornal e queria salvá-lo. Ele passou muito tempo discutindo com eles, mas também com o Wall Street Journal e a Time sobre como manter a rentabilidade desse negócio.
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O tormento de Jobs: "Às vezes, eu acho que Deus existe. Às vezes, não" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU