As marchas estudantis no
Chile devem obrigar o governo a colocar mais dinheiro na educação, qualquer que seja o resultado dos diálogos entre o presidente
Sebastián Piñera e os estudantes, iniciado com um encontro inédito no último sábado, em Santiago.
A reportagem é de
Fabio Murakawa e
Alda do Amaral Rocha e publicada pelo jornal
Valor, 05-09-2011.
Os protestos já se estendem desde junho e vêm crescendo, com amplo apoio popular às reivindicações de seus líderes, como o ensino gratuito nas instituições públicas e que a educação básica, hoje municipalizada, passe a ser gerida pelo governo central.
Segundo analistas, o governo terá que abrir os cofres para corrigir os rumos de um modelo de sucesso. Metade da população chilena tem hoje nível superior. Mas os estudantes saem da universidade com dívidas que levam no mínimo uma década para ser pagas, devido ao altos juros do atual sistema de bolsas e créditos, hoje em 7% anuais. Isso afeta, sobretudo, os alunos das classes mais baixas, cujo acesso à universidade cresceu massivamente nas últimas décadas - uma realidade para a qual o governo não se preparou.
O embaixador do Chile no Brasil,
Jorge Montero, admitiu na semana passada que a educação é cara em seu país e afirmou que é preciso "muito dinheiro" para mudar o sistema educacional. Para ele, se for preciso aumentar impostos para obter recursos para a educação, isso deve ser feito. "Se tem necessidade de aumentar impostos, tem de fazer", disse
Montero em rápida conversa com o Valor no encerramento do evento empresarial "Sabores do Chile", em São Paulo.
Além de um eventual aumento de impostos, outra medida que o governo estuda é ampliar linhas de financiamento à educação com juros mais baixos, de acordo com o embaixador.
De acordo com seus cálculos, uma mensalidade na faculdade no Chile hoje está em média US$ 500. "Imagine uma família com três filhos. É muito dinheiro."
Segundo
José Joaquín Brunner, secretário-geral de Governo durante a Presidência de
Eduardo Frei (1994-1998), o gasto total do Chile com educação superior equivale a 2,2% do PIB. Desse total, o governo é responsável por apenas 0,6%, e o restante fica a cargo das famílias.
"Os gastos são extraordinariamente fortes para as famílias no campo da educação. Esta é a razão mais de fundo dos protestos atuais", disse
Brunner, que foi conselheiro presidencial na área da educação no governo
Michelle Bachelet (2006-2010). "Chegamos a um desequilíbrio muito grande entre o esforço das famílias e o esforço do Estado. É isso que se vai querer corrigir."
Brunner disse que ainda não está claro se haverá necessidade de elevar impostos para financiar uma reforma do sistema educacional do país. "O problema é que não se sabe que tipo de medidas serão implementadas. Quando isso ficar claro é que se vai saber o custo dessas medidas e se realmente é necessário impulsionar uma reforma de caráter tributário."
Segundo ele, dependendo do tamanho das mudanças, o próprio crescimento da economia - que deve ficar entre 6% e 7% neste ano e entre 5% e 6% em 2012 - pode bastar, pois geraria as receitas necessárias para financiar os projetos por meio da arrecadação maior de impostos.
Um estudo divulgado na última sexta-feira pela Universidade do Chile calculou que as reformas no sistema educacional pedidas pelos estudantes custariam entre 1,4% e 2,2% do PIB do país (de US$ 203,3 bilhões em 2010).
A pesquisa, encomendada pelo Senado, levou em conta diferentes propostas em estudo, como a redução dos juros sobre o crédito estudantil a 2%, o aumento dos subsídios governamentais e dos salários dos professores do ensino fundamental e o aumento de bolsas gratuitas para até 70% das famílias de baixa renda, entre outras.
Segundo o estudo, o
Chile gasta uma média de 18% do que arrecada com impostos com educação, o que corresponde atualmente a 4,35% do PIB. Para implementar as reformas, esse número teria sofrer um aumento permanente para 5,8% a 9,2%.
Brunner, no entanto, acredita que as negociações entre
Piñera e os estudantes dificilmente resultarão em uma gratuidade universal do ensino público. "Não creio que [a gratuidade] seja possível nem conveniente na educação de nível superior", disse ele ao Valor.
Se isso acontecer, afirmou, os estudantes mais ricos [vindos de escolas melhores] estudarão de graça na universidade pública, enquanto os mais pobres terão que seguir pagando as particulares.
"Quando eu entrei na universidade, na década de 60, apenas cinco de cada cem chilenos tinham ensino superior. Os outros 95% ficavam excluídos, pagando a educação de famílias abastadas como a minha", disse ele. "É o mesmo fenômeno que ocorre na
Universidade de São Paulo, eu suponho. O médico mais renomado de São Paulo manda seu filho para a USP, e ele estuda de graça. Quem paga são todos contribuintes que pagam impostos no Estado."
Na opinião de analistas, Piñera está atualmente em uma encruzilhada, no momento em que sua popularidade atinge os 26% - índice mais baixo desde a redemocratização do país, em 1990.
Ainda que o Chile tenha crescido a uma taxa vigorosa de 8,4% no primeiro semestre deste ano, a população segue descontente, disse o embaixador, por causa da má distribuição da renda.
Se não atender às demandas dos estudantes,
Piñera vai desagradar ainda mais à população. Caso atenda, e isso acarrete um aumento de impostos, ele corre o risco de perder a simpatia de um dos poucos setores que ainda o apoiam no país: os empresários.
Após um almoço com
Piñera, no último dia 19, o presidente da Confederação de Produção e Comércio (CPC),
Lorenzo Constans, deu uma pista de qual é a sua posição. Ele saiu do encontro dizendo que o governo aumentará os impostos "somente se for necessário". Mas que, pelos números apresentados pelo presidente, "o país conta com recursos suficientes".
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Protesto deve fazer Chile gastar mais com educação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU