31 Agosto 2011
Se o Vaticano está preocupado com os teólogos que se popularizam, talvez devesse levar em consideração quanta propaganda ele faz em prol deles.
A opinião é de Phyllis Zagano, professora e pesquisadora da Hofstra University, de Nova York, e autora de vários livros sobre o catolicismo. Seu livro mais recente é Women & Catholicism [Mulheres e catolicismo] (Palgrave-Macmillan, 2011).
O artigo foi publicado no sítio National Catholic Reporter, 31-08-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o artigo.
Aquela que poderia ser chamada grosseiramente de Polícia do Pensamento do Vaticano está atrás da Theological Studies, a revista de 71 anos para teólogos profissionais que tem 2.848 assinantes em 90 países. Essa polícia fez alguns comentários sobre alguns dos artigos da revista, aparentemente forçando-a a imprimir uma réplica a um deles.
Há um vento frio soprando de Roma. Alguém já reparou que os teólogos católicos estão correndo para se refugiar nas montanhas seculares?
Editada pelos jesuítas, a Theological Studies é exatamente o que diz ser. Não é uma ferramenta catequética. Não é publicada pelo departamento de relações públicas da USCCB [Conferência dos Bispos dos EUA]. É uma revista na qual acadêmicos que passaram com sucesso por várias camadas de revisão dos seus pares e por um processo de edição meticuloso publicam os frutos de anos de estudos. Alguns desses artigos, eventualmente, transformam-se em livros acadêmicos publicados por editoras católicas.
Roma pode se preocupar com a pesquisa teológica publicada por profissionais para profissionais, mas ninguém parece se preocupar com a tensão que o clima atual coloca sobre a pesquisa e a publicação católicas. As editoras católicas estão cada vez mais cautelosas com escritos que possam levantar as sobrancelhas romanas. Por isso, as editoras seculares oferecem um refúgio seguro para os estudiosos que fazem perguntas que o Vaticano preferiria não ter que responder.
Alguém mais vê algum problema nisso?
Eu já publiquei na Theological Studies. Eu escrevo esta coluna bimensal publicada online pelo NCR. O que eu escrevo, seja na Theological Studies ou na coluna que você está lendo agora, é editado profissionalmente por católicos. Eu também já publiquei em editoras seculares e também católicas. Eu dependo da crítica dos meus editores e colegas.
De acordo com as melhores tradições do jornalismo, os editores do NCR velam pelo estilo, pela ortografia e pelos fatos. Eles também garantem uma discussão respeitosa das questões.
Na Theological Studies (conhecida popularmente como "TS"), o nível acadêmico e a retidão formam a linha de fundo. Cada vírgula, cada nota de rodapé, cada palavra é examinada e asseada para garantir que o sentido do artigo esteja claro ou pelo menos claro o suficiente para os teólogos. O resultado são livros muito instigantes como Levinas and Christian Mysticism after Auschwitz, de Paul Rigby, e Christological Polemics of Maximus the Confessor and the Emergence of Islam onto the World Stage, de Grigory I. Benevich. Cada um deles apareceu na edição de junho de 2011, juntamente com o artigo aparentemente não revisado pelos demais teólogos e muito levemente editado, intitulado Indissoluble Marriage: A Reply to Kenneth Himes and James Coriden, do padre jesuíta Peter F. Ryan e Germain Grisez.
Quase sete anos atrás, Himes e Coriden levantaram uma questão teológica com implicações pastorais significativas. Mas a marca da polícia do pensamento do Vaticano (provavelmente, apenas um policial da doutrina do Vaticano) decidiu que o trabalho de Himes e de Coriden não era doutrinário e era um perigo para os fiéis, que provavelmente nunca ouviram falar de nenhum deles até que essa história virou notícia.
Esse não é um novo erro não dos astutos mandantes doutrinários não midiáticos. Pense em quantos livros eles já venderam para Elizabeth Johnson. Se o Vaticano está preocupado com os estudiosos que se popularizam, talvez devesse levar em consideração quanta propaganda ele faz em prol deles.
Ele também deveria levar em consideração onde os estudiosos católicos vão publicar os seus livros no futuro, dado o clima atual. Embora existam muitos boas editoras seculares por aí, elas geralmente não têm equipe editorial católica para bancar um escritor. É claro, elas enviam os materiais para serem revisados por especialistas católicos, mas o processo editorial é muito diferente e muitas vezes mais difícil do que em uma editora católica, porque geralmente as nuances de tom e estilo técnico se perdem entre as cópias dos editores.
Editoras e revistas católicas sérias podem se inclinar um pouco para um lado ou outro, mas merecem confiança. Quanto mais denso o livro ou o artigo, mais ele será lido apenas por especialistas. Eu duvido sinceramente que os fiéis têm muita chance de serem enganados por um único artigo na Theological Studies, assumindo que eles farão o esforço de encontrá-lo nas bibliotecas de uma universidade ou de um seminário em primeiro lugar.
A Theological Studies oferece um fórum sério para uma discussão séria. Ela não toma decisões de publicação levianamente – os estudiosos só têm uma chance de 10% de terem um artigo aceito pela "TS". Por que persegui-la?
Atacar uma revista profissional não protege a doutrina. Isso a mumifica. Levar os teólogos para as ruas seculares pode realmente criar o problema que os defensores da doutrina procuram evitar.
De onde vem essa disputa? O oficialismo está amenizando a ultradireita? Será que ele nunca vai reconhecer que nada será suficiente?
Não faz nenhum sentido forçar uma revista profissional a publicar o que poderia ser um artigo rejeitado.
A Theological Studies continuará sendo o padrão de ouro para a academia. Mas o arrepiante resultado final dessa e de outras ações em nome da hierarquia é que os estudiosos católicos vão procurar mais, e não menos, publicações seculares para que seus trabalhos sejam correta e apropriadamente discutidos entre seus pares.
Os teólogos não são o problema.
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O vento frio atinge uma revista teológica americana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU