25 Agosto 2011
Perdeu sua cátedra na Universidade dos jesuítas de Granada, por solicitação do atual Pontífice. Agora é o primeiro teólogo espanhol a conseguir um doutorado honoris causa por uma Universidade não eclesiástica (a pública de Granada). José María Castillo defende o fim do celibato e a ordenação das mulheres. E fala sem rodeios sobre a visita do Papa, sobre "a fratura que existe entre religião e sociedade". E se declara católico, apostólico e romano, "sem matizes".
A entrevista é de Pedro Ingelmo e está publicada no jornal espanhol Diario de Sevilla, 24-08-2011. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Leigos brigando com papistas. Presos, feridos... O que aconteceu?
É um indicador da tensão gerada pela visita do Papa, da fratura que existe entre religião e sociedade. Mas também nos fala da violência e intransigência que nos cerca, venha de onde vier.
Apresente-se. É católico, apostólico e romano?
Sim, sem matizações.
Romano também? Roma o expulsou.
Não me expulsou. Me comunicou em 1988, sem processo prévio, que estava proibido de ensinar na cátedra da Faculdade de Teologia de Granada que naquele tempo ostentava.
O que fez? O que disse?
Quer saber, tanto tempo depois, ainda não sei?
Talvez coisas parecidas com aquelas que dizia no começo dos anos 1960 um jovem teólogo de sobrenome Ratzinger.
Ratzinger publicou dois livros de enorme influência nos anos 60. Talvez hoje estejam superados, mas o certo é que Introdução ao Cristianismo e O Novo Povo de Deus diziam coisas e apresentava ideias que o Vaticano de hoje não iria permitir.
Bento XVI censuraria o teólogo Ratzinger?
Sem dúvida nenhuma.
Diga-me algo daqueles livros e que provocaria tanto escândalo.
O teólogo Ratzinger era um firme defensor de colocar os poderes do Papa em seu lugar. Não era escandaloso. Também o Concílio Vaticano II, que vai completar 50 anos, dizia isso. Paulo VI tentou implementá-lo, mas a cúria não o permitiu. De fato, o Papado tem mais poderes que naquela época.
Em Roma há mais papistas que o Papa?
Muitos. Não sejamos ingênuos. O Papa é um homem com uma idade, com uma saúde muito limitada. Quem manda ali? O Vaticano é um organograma muito complexo e oculto. Pouca coisa se sabe sobre seus meandros.
E quando o Ratzinger liberal deixou de sê-lo?
Temos que nos situar nos anos 1960. Naquela época se falava da anticiência, da contracultura, dos teólogos da morte de Deus, do pós-cristianismo. Na Alemanha, onde Ratzinger era professor, essas teorias tinham muita força. Falamos de um homem com um porte estudioso, piedoso, psicologicamente tímido. Veio o Maio de 68. Aconteceram muitas coisas que mudaram o pensamento do jovem teólogo Ratzinger.
Voltemos à atualidade. Qual é a sua opinião sobre a concentração da juventude católica em Madri?
João Paulo II levantou um projeto muito interessante que consistia em uma concentração de âmbito mundial para recuperar as novas gerações em seus hábitos e convicções, reuni-los e ajudá-los em suas crenças e suas condutas. Era, sem dúvida, uma excelente iniciativa.
Algum porém?
Reunir jovens dos cinco continentes custa muito dinheiro. Evangelizar a toque de talão de cheque não é defensável. Se Jesus proibia os apóstolos até de levar trocado em suas viagens!
Eram outros tempos.
Para estas coisas não há tempo nem circunstâncias. O dinheiro é um fetiche do poder, tem uma sedução que o Evangelho deplora. Não se pode servir a Deus e ao dinheiro. O dinheiro é o inimigo de Deus.
Bom, mas a evangelização tem um custo. É inevitável.
O que se deve evitar é a ostentação e a pompa. O Papa é o vigário de Cristo e não me imagino Jesus sendo recebido pelos poderes e autoridades. Foram os poderes e as autoridades que ordenaram o seu martírio.
Situe-me Jesus no mundo de hoje, no 15-M, na primavera árabe.
Jesus entendia a fé como um conjunto de convicções que se traduzem em uma ética e no motor de mudança de uma sociedade. Nesse sentido, se podia entender como um político, mas Jesus não era um político, era um profeta. O 15-M e a primavera árabe são manifestações políticas nas quais a religião tem um papel ou secundário ou inexistente. Falamos de qualquer religião. Em um mundo como o árabe, com grande religiosidade, a religião não foi determinante nas revoltas. Religiosos eram tanto os defensores de Mubarak como seus detratores. Como se apresenta Deus em todas as religiões atualmente não é de recebimento.
A que se refere?
Pensar que o divino está em conflito com o humano. Proíbem coisas que limitam a felicidade do ser humano. Não faz sentido. É necessário humanizar a religião, humanizar a Deus. Deus não está a serviço dos interesses de uns poucos.
É isto que está por trás das manifestações contrárias ao Papa em Madri?
Não falo deste caso concreto, mas em Madri tudo começou por complicar a vida das pessoas, fechando ruas, incomodando comerciantes. A religião não está para complicar a vida das pessoas, não está para criar problemas, mas para resolvê-los.
Em um artigo você escreveu que o Papa teria que ter realizado esta jornada na Somália. Sua ideia teve muito sucesso, mas, na realidade, Mogadíscio está cheio de religiosos.
É a religião na qual creio e pela qual luto. Pensemos que a atividade de Jesus era curar os doentes e alimentar os famintos. Saúde e alimentação, os dois grandes problemas imediatos e, a partir daí, falava de Deus e da salvação, mas o primeiro era o primeiro. São produzidos no mundo alimentos para 10 bilhões de pessoas e um bilhão de pessoas passa fome. Esse é o grande problema deste mundo, não outro qualquer.
De que se confessaria em um confessionário móvel?
Me surpreendem essas imagens. É a confissão como espetáculo... Penso que é uma amostra de que a Igreja está em crise e sabe que está. Olhe, na Universidade de Granada há aproximadamente 60.000 universitários. Quantos vão à missa? Muito, muito poucos. Levar os confessionários às ruas é uma estratégia de publicidade.
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"A religião deve resolver os problemas, não criá-los" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU