29 Julho 2011
Humala jurou pela Constituição de 1979 e não pela atual e fujimorista. Anunciou um imposto sobre os lucros minerais.
A reportagem é de Carlos Noriega e está publicada no jornal argentino Página/12, 29-07-2011. A tradução é do Cepat.
Com a ausência do presidente em fase final de mandato, Alan García, e os gritos de protesto da bancada fujimorista, Ollanta Humala fez, nesta quinta-feira, o juramento como presidente do Peru até 2016. Em seu discurso de posse, Humala colocou o acento na luta contra a pobreza e na inclusão social e falou de uma nova era. "Dedicarei todas as minhas energias para assentar as bases para que apaguemos definitivamente de nossa história o lacerante rosto da exclusão e da pobreza reconstruindo um Peru para todos". Esta foi a frase com a qual iniciou a sua primeira mensagem como presidente. Depois acrescentou que a democracia será plena quando "a igualdade for patrimônio de todos e a desigualdade desaparecer".
Num gesto político carregado de simbolismo, Humala jurou como presidente pela Constituição de 1979 e não pela Constituição fujimorista de 1993, que está em vigor. Isso desatou a gritaria de protestos da bancada fujimorista. Depois do golpe de 1992, o ex-ditador Alberto Fujimori, preso por violações aos direitos humanos e por corrupção, derrogou a Carta Magna de 1979 e impôs a de 1993. Na campanha eleitoral, Humala, que derrotou Keiko Fujimori, filha do ex-ditador, propôs derrogar a atual Constituição – que mais de uma vez chamou de "criminosa" –, mas não obteve maioria parlamentar necessária para fazê-lo.
Quando Humala, diante dos 130 parlamentares e os convidados internacionais, entre eles Cristina Kirchner e outros doze presidentes, saiu do script e levantou a voz para dizer que jurava "pelos valores e princípios da Constituição de 1979", os 37 parlamentares fujimoristas saltaram como que impulsionados por uma mola, assobiando e gritando "não vale", e "não há presidente". Alguns levantavam exemplares da Constituição de 1993. Da bancada de Humala e das galerias responderam com aplausos e palavras de ordem como "Ollanta, presidente" e "Fora os corruptos", em alusão ao estigma da corrupção que marca o fujimorismo. Os dois vice-presidentes de Humala, Marisol Espinoza e Omar Chehade, também juraram pela Constituição de 1979. A gritaria fujimorista interrompeu mais de uma vez o seu juramento.
As reclamações iradas dos fujimoristas não pararam durante os 50 minutos que durou o discurso de Humala. A fujimorista Luz Salgado, agitando a Constituição de 1993, subiu desafiante até a mesa da presidência do Congresso para repreender o presidente do Parlamento, Daniel Abugattás, que o juramento de Humala era inválido porque não havia feito em nome da Constituição em vigor. Alguns metros dali, Humala continuava lendo seu discurso. A congressista fujimorista Martha Chávez, uma das mais alteradas durante a alocução do novo presidente, disse que Humala era "um presidente de fato" e anunciou que pedirá a anulação de seu juramento. O presidente do Tribunal Constitucional, Carlos Mesía, respondeu rapidamente dizendo que esse pedido não tem fundamentação, porque Humala jurou respeitar "a ordem constitucional" e a menção à Constituição de 1979 era apenas simbólica.
Para além do contraponto com o fujimorismo, o novo presidente anunciou na quinta-feira o cumprimento de sua promessa eleitoral de aumentar o salário mínimo de 600 soles (cerca de 220 dólares) para 750 soles (cerca de 270 dólares), o que será feito em duas etapas: um aumento imediato de 75 soles (cerca de 27 dólares) e outros 75 soles em janeiro de 2012. Esta era uma das promessas centrais que Humala fez em sua campanha. Outro anúncio esperado foi a cobrança de um imposto sobre os lucros extraordinários das empresas de mineração, cujo montante, disse, será negociado com as próprias empresas. Também ratificou sua promessa eleitoral de renegociar os contratos de exportação de gás com o consórcio Camisea, que integra as empresas argentinas Pluspetrol e Techint, para priorizar o mercado interno.
"Quero que vejam em mim um verdadeiro soldado da República, um guardião zeloso do estado de direito e um defensor dos direitos humanos e da liberdade de imprensa e expressão", assinalou o ex-comandante Humala, que também se definiu como "um soldado da democracia". Sua mensagem era constantemente interrompida, de um lado pela gritaria fujimorista e de outro, pelos aplausos de seus partidários, que gritavam: "Sim, é possível; sim, é possível".
Humala se comprometeu com uma luta frontal contra a corrupção e anunciou que vai propor a imprescritibilidade dos crimes de corrupção e a anulação de benefícios penitenciários para aqueles que roubam o Estado. Uma mensagem aos fujimoristas e também ao presidente Alan García, que encerrou seu mandato, que teve uma gestão cheia de escândalos de corrupção.
Anunciou uma política antidrogas "soberana" e disse que vai reclamar uma "responsabilidade compartilhada" com os países consumidores, mas não deu maiores detalhes de qual será o conteúdo desta política. Propôs a convocação de uma Cúpula Presidencial Regional Antidrogas, que reúna os países produtores e consumidores. O presidente peruano ratificou que priorizará o fortalecimento da Unasul e da Comunidade Andina.
Humala finalizou sua primeira mensagem como presidente pedindo à oposição que seja responsável e respeite o resultado eleitoral e a democracia, e aos seus partidários, que sejam pacientes para esperar os resultados de sua gestão em prol dos mais pobres.
O inflamado presidente, que na campanha prometeu mudar o modelo econômico neoliberal, assinalou que seu governo continuará com a atual política macroeconômica e prometeu "uma economia nacional de mercado aberta ao mundo", mas anunciou que o Estado será fortalecido para que seja "promotor não apenas do crescimento, mas também do desenvolvimento social". Anunciou a criação de um Ministério do Desenvolvimento e Inclusão Social. Antigo crítico dos Tratados de Livre Comércio, garantiu que esses tratados comerciais serão respeitados.
Depois de seu discurso, Humala estreou no cargo como anfitrião de uma cúpula presidencial da Unasul. No momento do envio desta nota, iniciava a festa popular convocada para a praça situada em frente ao Palácio do Governo para festejar a chegada ao poder do progressista Humala.
O dia havia começado com as ruas do centro da cidade vazias e com uma impressionante vigilância policial, que não deixou a população se aproximar do Palácio do Governo, onde García se despediu de seus ministros e recebeu as últimas honras militares. O presidente García, que encerrou seu mandato, não foi ao Congresso para fazer a entrega da faixa presidencial por medo de ser vaiado, como aconteceu em 1990 ao término de seu primeiro governo. É a primeira vez que um presidente não vai ao Congresso para a transmissão do comando ao seu sucessor.
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"A democracia é plena quando há igualdade para todos", afirma Humala em discurso de posse - Instituto Humanitas Unisinos - IHU