17 Junho 2011
Estamos em uma reviravolta. A própria globalização exige mudanças no registro e que, do utilitarismo, se passe ao convivialismo.
A análise é do padre e jornalista italiano Vittorio Cristelli, publicada na revista Vita Trentina, da diocese de Trento, na Itália, 19-06-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Há encontros na vida que nos marcam e voltam à memória como fontes que te inspiram e também te atormentam para obter uma resposta tranquilizadora, explicativa. Para mim, um encontro desse tipo ocorreu há mais de 20 anos (não lembro mais em que ano exatamente), em Vicenza, em um estudo de três dias com os Beati i Costruttori di Pace [associação italiana de voluntariado].
Estava Enrique Dussel, um dos pioneiros da teologia da libertação, que à mesa me confiou que estava pensando em um ensaio em que ele proporia como modelo da economia a Eucaristia. Eu lhe apresentei a minha perplexidade, ligada ao perigo de confundir o sagrado com o profano. E ele me objetou que, na Eucaristia, trata-se sempre de comer e sobretudo de comer juntos e, portanto, de um convívio.
Não sei se Dussel, depois, escreveu esse ensaio que ele tinha em mente, mas deixo que vocês imaginem a feliz surpresa quando, na semana passada, li que, na França, apareceu o Manifesto do convivialismo. É uma teoria econômica apoiada pelo sociólogo Allain Caillé, junto com Serge Latouche, que denuncia há anos uma globalização para a qual tudo é mercadoria.
O convivialismo faz parte de um movimento mais amplo que pretende lançar o antiutilitarismo nas ciências sociais. Chama-se Mauss e significa "Movimento Antiutilitarista nas Ciências Sociais". O nome foi escolhido em homenagem a Marcel Mauss, o autor de um estudo que se chama Ensaio sobre o dom, que ele demonstra que, na origem do laço social, não está o lucro egoísta, mas sim o dom como gesto primário que faz com que o indivíduo saia de si mesmo e o projeta aos outros.
Saindo do vago e do genérico, redescobre-se que o que "move o Sol e as outras estrelas" e cria socialidade é o amor. "Palpitação do universo" foi como o amor foi poeticamente definido, mas, mais concretamente e, se quiserem, mais prosaicamente, o amor é o impulso que une as pessoas, especialmente naquela que foi definida como a "célula da sociedade", isto é, a família.
Mas o que tem a ver a economia? Tem a ver, e como! Talvez a chamada "economia familiar" não é economia? É claro, não se propõe o lucro, mas sim o serviço às pessoas que a compõem. A todos e em espacial aos mais fracos, como são as crianças.
Os teóricos do convivialismo denunciam um pecado original na nossa sociedade e na nossa democracia: o de ver só a função de salvaguarda dos interesses individuais. Característica que marca até a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Isso foi ressaltado anos atrás até por um congresso internacional de juristas, celebrado em Viena. No documento final, afirma-se que, na Declaração Universal, falta "o direito do outro". Um déficit que caracteriza sobretudo a economia quando, dogmaticamente, se define pelo lucro.
Portanto, é significativo que tenha surgido também no último Festival da Economia de Trento esse limite, percebido pelo grande sociólogo Zigmunt Bauman, quando, como documentou a revista Vita Trentina, lhe opôs o amor, para o qual "não há limites".
Certamente, a partilha dos bens também implica em renúncias e sacrifícios. Mas hoje também parecem ser objetivamente necessários se, como disse o próprio Bauman, para garantir um nível de consumo igual ao ocidental, seriam necessários três mundos. E o amor se repropõe com o seu "meio" essencial: o dom.
Estamos em uma reviravolta. A própria globalização exige mudanças no registro e que, do utilitarismo, se passe ao convivialismo. A propósito, não existe também, talvez, o Movimento dos Focolares, fundado pela nossa Chiara Lubich, que há décadas leva adiante o ideal de uma economia diferente? Chama-se "Economia de Comunhão". E aqui Enrique Dussel me reaparece na frente. Ele falava da Eucaristia como modelo econômico, mas a Eucaristia não se chama também, talvez, de "Comunhão"?
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Da partilha à convivialidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU