06 Junho 2011
"Mas, é de se celebrar que em um momento em que na América Latina o imperialismo e a reação estão passando à contraofensiva com inusitada agressividade, cercando a região com bases militares, a vitória de Ollanta pode representar um marco, anunciando a reversão dessa nefasta tendência", escreve o cientista político argentino Atilio Boron, em artigo publicado no jornal argentino Página/12, 06-06-2011. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
No momento em que escrevi estas linhas, todas as bocas de urna davam Ollanta Humala como vencedor. Ao se confirmar essa tendência, o clima de renovação política e social instalado na América Latina desde o final do século passado se verá consideravelmente fortalecido. Um Peru que supostamente abandonaria, com o novo governo, sua postura de incondicional peão do império – lamentável situação a que chegou não pela mão do conservador Alejandro Toledo, mas pelo ex-líder aprista Alan García –, seria uma lufada de ar fresco para os governos de esquerda e progressistas da América do Sul.
Não é um mistério para ninguém que Washington moveu todo o seu arsenal financeiro, político e propagandístico para impedir a vitória de Humala. O nervosismo evidenciado na semana passada pela "comunidade de negócios" do Peru que, assim como seus homólogos de outras partes do mundo, tem acesso à informação que os demais não têm, refletia a preocupação que causava em suas fileiras a eventual derrota do fujimorismo: por causa disso, a Bolsa de Lima registrou uma queda de 6%. O establisment peruano, personificado desde o século XIX por seu intelectual orgânico, o jornal El Comercio, assumiu com tal descaro seu papel de organizador do anti-humalismo que o próprio Mario Vargas Llosa renunciou a continuar escrevendo em suas páginas. A CNN não foi atrás dele: na sexta-feira passada, sua principal apresentadora, Patricia Janiot, submeteu o candidato da coligação Gana Perú a um interrogatório que, por sua forma e por seu conteúdo, a desqualifica, pela enésima vez, como jornalista e a confirma, ao contrário, como operadora política a serviço da Casa Branca. O governo de Alan García, evidentemente, não ficou atrás nesta cruzada direitista.
Convém, em todo o caso, descartar hipóteses maximalistas: o Peru assinou o Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos, que entrou em vigor no dia 1º de fevereiro de 2009, e os condicionamentos deste acordo não deveriam ser subestimados. Por outro lado, a coalizão eleitoral forjada por Humala será outro elemento restritivo no caso de que se desperte no novo presidente a vocação "bolivariana" que muitos lhe atribuem, mas que refreou durante a campanha. E seus inimigos – a oligarquia e as transnacionais, ambas apoiadas por Washington – são muito poderosos para serem desafiados sem antes preparar cuidadosamente a batalha. Mas é um homem que denunciou como poucos as injustiças que desde tempos imemoráveis são cometidas no Peru, e há razões para supor que será fiel a tão nobres sentimentos. Além disso, os ensinamentos que as recentes eleições deixam – Chile, em 2010; Espanha, há duas semanas; e Portugal, no último domingo – são uma sóbria advertência de que diante da gravidade da crise capitalista e da acentuação da congênita incapacidade desse sistema para distribuir, sequer com um mínimo de equidade, os frutos do crescimento econômico (mais que evidente no "milagre peruano"), a adoção de uma política resignada e "possibilista" que continue pela vereda não necessariamente luminosa traçada por seus antecessores é o caminho seguro para uma rotunda derrota ao cabo de alguns poucos anos. Há um velho dictum da teoria política que diz que os povos preferem o original à cópia: sofreram-no na própria carne a Concertación no Chile, o PSOE na Espanha e o (mal chamado) Partido Socialista em Portugal.
Mas, ultrapassando estas notas chamando à cautela, é de se celebrar que em um momento em que na América Latina o imperialismo e a reação estão passando à contraofensiva com inusitada agressividade, cercando a região com bases militares, a vitória de Ollanta pode representar um marco, anunciando a reversão dessa nefasta tendência. Por enquanto, a liga reacionária do Pacífico, pacientemente construída por Washington para neutralizar a Unasul e a ALBA, e que tinha como esteios o México, a Colômbia, o Peru e o Chile, perdeu uma de suas duas peças vitais para o controle da Amazônia, pelo menos. O que não é pouca coisa!
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Os dilemas de Humala. Artigo de Atilio Boron - Instituto Humanitas Unisinos - IHU