31 Mai 2011
Não é de se admirar que, a 60 anos da morte de Wittgenstein, seu culto jamais cessou, mas, ao contrário, se alimenta também com a pesquisa e a publicação dos inéditos.
A análise é do filósofo italiano Maurizio Ferraris, professor da Università degli Studi di Torino, em artigo publicada no jornal La Repubblica, 29-05-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Trattenbach, Hassbach, Puchberg e Otterthal são povoados da Baixa Áustria, onde Ludwig Wittgenstein (Viena, 1889 - Cambridge, 1951) se retirou nos anos 20 para ser professor do ensino fundamental. Antes, ele havia sido estudante de engenharia em Manchester e aluno de Bertrand Russell em Cambridge, eremita por um ano em uma cabana em um fiorde norueguês, soldado austro-húngaro na Galícia e no altiplano de Asiago, depois prisioneiro na Itália, em Cassino, apreciador de música e leitor de Schopenhauer. Além de autor do Tractatus Logico-Philosophicus, um livro em que ele considerava ter encontrado a solução final para os problemas da filosofia.
Depois desse livro, não havia nada mais a acrescentar, e convinha ser professor de ensino fundamental (mas, entre as outras atividades secundárias com relação à filosofia, também estará para Wittgenstein o trabalho como jardineiro de um convento e a construção de uma casa em estilo racionalista em Viena).
Certamente não era a necessidade de dinheiro que o levava a essa escolha, já que Wittgenstein era o herdeiro de uma das famílias mais ricas de industriais da Áustria. Uma família culta e iluminada, amiga de pintores, escritores e músicos, e que havia enriquecido mais porque, durante a guerra, isto é, quando Wittgenstein era primeiro soldado e depois prisioneiro, seu pai tinha investido seus capitais em ações inglesas, francesas e americanas que aumentariam no final do conflito. Mas Ludwig havia renunciado a tudo, para não ser perturbado pelo dinheiro.
Já nessa altura havia tudo o que é necessário para construir um mito não só filosófico, mas também literário, e o bonito é que a história não terminava aí. Porque, depois de alguns anos na Baixa Áustria, Wittgenstein retornou a Viena, influenciou toda uma geração de filósofos, depois foi novamente a Cambridge e, em seminários quase privados e em textos que permaneceram em boa parte inéditos – intercalados com viagens e estadas na Rússia e na Irlanda, e no fim também por algumas aulas nos Estados Unidos –, desenvolveu uma segunda filosofia que é o contrário da primeira, e que defende que, na filosofia, não existe uma solução final, um fundamento último. Tornou-se assim a origem de grande parte das filosofias do século XX, fundacionistas e antifundacionistas.
Acrescente-se que ele era atormentado por escrúpulos religiosos como poderia ter sido um santo das hagiografias e que sofria por causa de sua homossexualidade. E que, ao contrário daquele que durante muito tempo foi o outro filósofo de culto do século XX, Heidegger, não se vestia como uma espécie de tirolês deportado em uma sala de aula universitária, com loden, paletós impossíveis e solidéus ainda mais impossíveis.
Não, Wittgenstein vestia, nas belíssimas fotografias que restaram, ora paletós de tweed elegantes e muito inglesas, ora até jaquetas de couro de piloto, vindo quase a tocar um outro culto do século XX, entre Liala e Saint-Exupéry, isto é, justamente, o aviador.
Não é de se admirar que, a 60 anos da sua morte, o culto jamais cessou, mas, ao contrário, se alimenta também com aquela típica forma de veneração que se refere a quem escreve, que é a pesquisa e a publicação dos inéditos. A perfeição é selada por uma série de ditos memoráveis, incluindo aquele pronunciado a ponto de morrer e que parece se dirigir programaticamente aos leitores futuros: "Diga-lhes que eu tive uma vida maravilhosa".
Em Kirchberg, perto dos vilarejos em que ele havia sido professor de escola, só um pouco maior e com alguns albergues, sempre em agosto organizam um encontro de estudos wittgensteinianos, e – com uma ironia que teria encantado Thomas Bernhard – as lojas vendem caixas de chocolates que trazem na tampa uma foto de Wittgenstein, com sua jaqueta de couro e o olhar que parece acompanhar a asa do redemoinho inteligente.
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A vida nos antípodas do místico-lógico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU