27 Mai 2011
"Ganham relevância políticas sociais como a ampliação (público alvo e valor transferido) do Programa Bolsa Família e, melhor ainda, a implementação da Renda Básica Cidadã, onde todos os indivíduos possam usufruir, por direito, das riquezas socialmente produzidas, sem que precise entrar numa luta desigual pela sobrevivência, uma vez que o Direito à Vida consiste num princípio inalienável e universalmente reconhecido", escreve Sandoval A. Rocha, mestrando do PPG em Ciências Sociais da Unisinos.
Eis o artigo.
Estudando o Sistema de Proteção Social Brasileira, que registra as diferentes maneiras de se assegurar aos cidadãos as condições mínimas de uma existência digna, não deixa de chamar atenção, uma manchete veiculada no Caderno de Economia de um dos jornais de circulação local : “Estado deve se adaptar ao novo ritmo do mercado” (1). A matéria versa sobre a necessidade de o Estado investir nos novos mercados que emergem no cenário da economia mundial. Neste contexto cita-se a indústria petroquímica e de energia como empreendimentos promissores e elogia-se iniciativas de incentivo à liberação de crédito por bancos de fomento, além de estimular o acúmulo de reservas internacionais e a criação de políticas que deram ao Brasil estabilidade diante dos problemas globais.
Sem entrar nos detalhes, a mencionada matéria destaca-se pelo fato de se referir à atuação do Estado, instituição que tinha há algum tempo a missão de manter um equilíbrio razoável entre as classes sociais (empresariado e operariado), evitando a deterioração social dos últimos e os efeitos perversos do mercado nas vidas dos cidadãos. Instigados pela manchete jornalística, podemos prevê que esta postura entra em choque com a atual tendência do Estado Brasileiro, que enfatiza a “necessidade” de se empreender esforços no sentido de “entrar no ritmo do mercado”, alinhando-se à dinâmica neoliberal, que propõe a regulação da sociedade pela lógica mercantil, primando, assim, pela competitividade. Sob esta perspectiva, o cidadão torna-se responsável exclusivo pelo seu êxito ou fracasso. Tudo vai depender de sua capacidade de adequar-se à arena de competição instalada na sociedade. Joga-se com a idéia (ilusória) de que todos são iguais e estão munidos das mesmas capacidades e possibilidades de obter sucesso. Nesta ótica, todos começariam do mesmo ponto de partida e avançariam em direção ao ponto de chegada.
A exacerbação desse postulado vai de encontro aos princípios da Proteção Social, que busca garantir aos cidadãos uma margem de vida fora das relações mercadológicas, ou seja, onde eles possam viver sem a preocupação de competir com os outros. Tal postulado torna-se mais problemático em sociedades como a brasileira, que é marcada por uma grande desigualdade social, não permitindo uma competição entre iguais.
Aqui, a partida não é do mesmo ponto, mas alguns já nascem em posições privilegiadas para competir, ou seja, já nascem em pontos mais próximos da chegada! Nestas condições, a competição desemboca na ampliação das desigualdades sociais e no aumento da pobreza. É neste contexto que ganham relevância políticas sociais como a ampliação (público alvo e valor transferido) do Programa Bolsa Família e, melhor ainda, a implementação da Renda Básica Cidadã, onde todos os indivíduos possam usufruir, por direito, das riquezas socialmente produzidas, sem que precise entrar numa luta desigual pela sobrevivência, uma vez que o Direito à Vida consiste num princípio inalienável e universalmente reconhecido.
Há algum tempo, a modernidade vem sendo criticada por seus nefastos efeitos. Como exemplo, podemos citar a colonização da vida cotidiana pela lógica do capitalista, onde as relações pessoais, ou coletivas, são reguladas pela dinâmica da compra e venda, ou “a lógica do toma-lá-dá-cá”. Nesta dinâmica, atitudes como a gratuidade, momentos lúdicos e a preocupação com o outro perdem cada vez mais espaço. São colocadas à serviço do mercado, taxadas de vagabundagem, ou simplesmente esquecidas. Tal dinâmica, não deixa de afetar a dimensão religiosa. Cultua-se um deus, que não conhece a gratuidade, nem a generosidade, mas está muito interessado com o que vai receber diante de um favor realizado em prol de alguém. Dessa forma, multiplica-se os terços rezados, aumenta-se os sacrifícios, avolumam-se as ofertas nas igrejas e sofistica-se as promessas realizadas.
Para tornar-se mais leve e competitivo, ou seja, tornar-se “mínimo”, o Estado transfere suas responsabilidades sociais para a sociedade (Educação, Saúde, Cultura, Lazer, etc.), que as realiza sob a égide da caridade. Entram em cena as ONGs superfaturadas e as obras filantrópicas mal-intencionadas. O direito deixa de ser uma garantia dos cidadãos, perde seu valor vinculante e torna-se uma mera ajuda condicionada pelas instáveis circunstâncias financeiras do momento. Instaura-se o reinado do mercado!
Nota:
1.- Jornal do Comércio, 28 de abril de 2011.
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O Reinado do Mercado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU