23 Janeiro 2011
Ex-militante da luta armada que chegou à Presidência, Dilma Rousseff recebeu como herança do governo Luiz Inácio Lula da Silva temas espinhosos para tratar com os militares. Um deles é a chamada Comissão da Verdade, alvo de polêmica há cerca de um ano, no lançamento do Plano Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH 3) e que colocou o então secretário de Diretos Humanos, Paulo Vannuchi, em rota de colisão com o ministro da Defesa, Nelson Jobim, contrário à instalação da comissão e mantido no cargo por Dilma. A comissão pretende abrir as informações sobre torturas, mortes e desaparecimentos ocorridos no regime militar.
A reportagem é de Ana Paula Grabois e publicada pelo jornal Valor, 24-01-2011.
O recado das Forças Armadas a Dilma chegou rápido, dois dias depois da presidente ter mostrado tom conciliatório na posse ao homenagear os que tombaram e, ao mesmo tempo, ao afirmar que não tinha "ressentimento ou rancor". O novo chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, general José Elito Siqueira, contrário à abertura das informações, declarou em sua posse que os desaparecidos não deviam ser motivo de vergonha ou de vangloriação, mas tratados como fato histórico. Era o mesmo dia da posse da secretária de Direitos Humanos, Maria Rosário, que defendeu a aprovação da Comissão da Verdade no Congresso.
O ministro Jobim, mais recentemente, se disse favorável à Comissão da Verdade. Em entrevista à TV estatal Empresa Brasil de Comunicação (EBC) no início deste mês, poucos dias depois das declarações do general Siqueira, defendeu a investigação também dos grupos da esquerda armada contrários ao regime. "Houve uma divergência inicial com o então secretário Paulo Vannuchi sobre a natureza do projeto [PNDH 3]. O projeto pretendido por ele era unilateral, pretendia fazer uma análise da memória apenas por um lado da história. Nós queríamos que fosse feita uma visão completa do tema, ou seja, as ações desenvolvidas não só pelas Forças Armadas à época como também pelos movimentos guerrilheiros", disse Jobim - que terá como assessor o ex-deputado federal José Genoino (PT), um ex-guerrilheiro do Araguaia - na TV.
Outro tema delicado é a decisão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) culpando o Estado brasileiro pelos desaparecimentos de opositores políticos da ditadura. A OEA pede a investigação das mortes, o que significaria uma revisão da Lei da Anistia, com a possibilidade da abertura de processos judiciais contra os torturadores. A decisão da OEA contradiz o Supremo Tribunal Federal (STF), que derrubou pedido de revisão da lei.
Os ex-militantes da luta armada ouvidos pelo Valor defendem a instalação da Comissão da Verdade, mas se dividem quanto à punição dos militares. "Espero que a Dilma avance na direção da verdade. O ideal seria que quem cometeu esse tipo de ato, tortura, morte, respondesse por ele", diz o cineasta Helvécio Ratton. "Não somos vítimas, sabíamos muito bem o que estávamos fazendo, do risco que estávamos correndo", afirma um ex-companheiro de Dilma da VAR-Palmares que não quis ser identificado. Por diversas vezes torturado nos anos do regime militar, ele é contrário à punição dos militares.
O Brasil é um dos poucos países da América do Sul onde os crimes cometidos por agentes de Estado não tiveram punição. Na Argentina, Chile e Uruguai, militares foram processados e presos. A ex-presidente do Chile Michelle Bachelet, cujo pai foi morto e torturado na ditadura de Augusto Pinochet, abriu processo contra os militares enquanto presidente da República. "Vai levar um tempo ainda para que a gente possa limpar esse caminho todo. A Maria do Rosário e o Nelson Jobim são forças que vão negociar", avalia a ex-militante da VAR-Palmares Linda Goulart.
Jorge Durão, ex-integrante da organização, classifica como "sinuca de bico" a situação do governo brasileiro com relação ao imbróglio entre OEA e STF sobre a Lei da Anistia, de 1979.
"O assunto deve parar no Congresso. No mínimo, é uma perda, do ponto de vista da credibilidade internacional do país", diz Durão, contrário à condenação dos torturadores. "É muito mais grave uma turma da escola militar se denominar Garrastazu Médici."
Na avaliação de Lenira Machado, que dividiu cela com Dilma nos anos 70, não há revanchismo em julgar militares que participaram da repressão ou em exigir a localização dos corpos dos desaparecidos políticos. "Revanche seria perseguição interna", afirma.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Temas espinhosos ocupam a pauta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU