24 Outubro 2016
Os estudantes de pós-graduação do país não estão sozinhos nos cortes na área de ciência: a faca deve chegar também aos docentes que fazem pesquisa.
A expectativa é que as chamadas "bolsa de produtividade" da agência federal de fomento à ciência CNPq sejam reduzidas de 20% a 30% no próximo ano.
A reportagem é de Sabine Righetti, publicada por Folha de S. Paulo, 24-10-2016.
A informação veio à tona na semana passada, durante a reunião dos 220 comitês de área do CNPq – que avaliam quem deve ganhar a bolsa.
Os comitês teriam sido convidados a ranquear os bolsistas produtividade com bolsas ativas – algo inédito –, com a informação de que não seriam concedidas bolsas novas.
Na área de história, por exemplo, há 57 bolsas vigentes. De acordo com Durval Muniz, da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), que integra um dos comitês do CNPq, a expectativa é que o ranking permitisse cortar 17 do benefícios vigentes na área. Nenhuma bolsa nova seria concedida.
"Isso nunca aconteceu, nem na época da ditadura militar bolsas vigentes de pesquisa foram cortadas", diz. "O meu trabalho técnico tem o objetivo de definir quem tem produtividade relevante para ter a bolsa e não quem deve ter a bolsa cortada por falta de recursos".
As bolsas produtividade são destinadas a docentes altamente produtivos – com produção científica significativa e de alto impacto. O valor varia de R$ 1.100 a R$1.500 mensais por pesquisador, dependendo da sua produção e do seu currículo acadêmico.
Na prática, é uma espécie de complemento salarial. Em alguns casos, a bolsa tem ainda um acréscimo que, nesse caso, deve ser usado exclusivamente para gastos de pesquisa como equipamentos, material de laboratório e congressos.
A Folha apurou que parte dos comitês CNPq – incluindo o de história – se negou a fazer o ranking. Todos os bolsistas produtividade receberam nota dez e prioridade máxima. Para Muniz, o episódio e os cortes recentes que a área científica vem sofrendo fazem parte "de um desmonte da ciência nacional".
O mal-estar fez com que o então presidente do CNPq, o médico Marcelo Morales, no cargo interinamente até o último dia 20, fizesse uma espécie de reunião de emergência com os membros dos comitês.
De acordo com assessoria de imprensa da pasta, a ideia da conversa foi mostrar "a situação orçamentária da agência de fomento." Em nota, a assessoria diz que o julgamento das bolsas de produtividade foi feito normalmente na semana passada "dentro dos critérios estabelecidos".
O CNPq afirma ainda que não há perspectiva de cortes de bolsas, já que o orçamento de 2017 ainda não está definido. O martelo será batido pelo engenheiro Mário Neto Borges, da UFSJ (Universidade Federal de São João Del Rei), que substitui em definitivo o químico da USP Hernan Chaimovich na chefia da pasta.
O orçamento do CNPq, assim como da Capes (agência ligada ao MEC que financia ciência e formação docente), está em queda nos últimos anos. Não há perspectiva de crescimento. Na melhor hipótese, a verba será mantida.
"O problema é que o número de universidades, de grupos de pesquisa e de doutores cresceu recentemente", diz Helena Nader, presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência). "Agora, no entanto, há muito menos recursos".
Há mesmo: o orçamento federal para a ciência brasileira neste ano é de R$ 4,6 bilhões –cerca de 40% menos do que montante investido pelo governo em 2013 (R$ 7,9 bilhões), desconsiderando perdas pela inflação. Para 2017, a previsão é de R$ 5,9 bilhões – incluindo, aqui, a fatia da pasta de Comunicações, que foi unificada à Ciência na gestão Temer (PMDB).
Estudantes já sentem na pele os cortes de bolsas do CNPq. Em agosto, a agência reduziu em 20% a quantidade de bolsas de iniciação científica – que permite a realização de pesquisa ainda na graduação.
"A iniciação científica é essencial para atrair os estudantes para a carreira de cientista. É a base da pesquisa nacional", diz Tamara Naiz, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos. O número de bolsas de mestrado e de doutorado do CNPq enviadas às universidades também está em queda.
O problema é que são essas bolsas que movem a ciência nacional. "Você precisa de recursos para fazer a pesquisa, viagem de campo, participação em congresso", diz Armando Soares dos Reis Neto, 30, doutorando em energia e meio ambiente na USP. Sem bolsa – e com família para sustentar– ele não pode largar o emprego para se dedicar apenas à pesquisa.
A história se repete: na UnB, o número de mestrandos aprovados em biologia vai cair de 15 para oito porque o número de bolsas enviadas caiu pela metade, diz o docente Marcelo Hermes-Lima.
A biomédica Bianca Ferreira, 24, da Unifesp, também ficou sem bolsa. O departamento no qual estuda, na área de infectologia, diz, costumava receber anualmente quatro bolsas para os doutorandos.
Neste ano, a infectologia recebeu apenas uma bolsa de doutorado. Bianca ficou sem. Para se manter, dá aulas de reforço para alunos do ensino médio e recebe uma ajuda de custo do orientador para o transporte de casa até a Unifesp.
"Solicitei bolsa para Fapesp [agência estadual de fomento à pesquisa]. Se não conseguir, não sei o que farei." Para Reis Neto, os cortes são parte de um problema maior: "o programa de bolsa é muito precário", diz.
Os alunos de pós reclamam, por exemplo, da falta de benefícios como licença-maternidade, plano de saúde e férias e do valor das bolsas. Um doutorando com bolsa do CNPq, hoje, recebe em média R$ 2.200 mensais – sem previsão de reajuste.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Corte na área científica deve afetar até bônus de produtividade docente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU