05 Outubro 2021
A alegria dificilmente pode ser o primeiro cartão de visitas vencedor do cristão. Muito mais promissora, em vez disso, é a possibilidade de fazer com que o outro se sinta amado assim como é desde o início e de tentar acompanhá-lo aonde e como ele se deixa acompanhar, e não aonde e como nós pensamos que ele deve ir.
A opinião é de Gilberto Borghi, teólogo leigo, filósofo e psicopedagogo clínico italiano, formador na cooperativa educativa Kaleidos. O artigo foi publicado por Vino Nuovo, 01-10-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Publicada recentemente, uma entrevista com Armando Matteo [disponível em italiano aqui], um dos teólogos mais conhecidos no panorama italiano atual, não me convence. Outras vezes, eu tive a impressão de que Armando tinha ideias interessantes sobre a situação da relação atual entre a Igreja e a cultura pós-moderna.
Neste caso, a impressão é de que a tentativa de fundo de dar indicações concretas para a revitalização das paróquias e da pastoral é boa, mas os conteúdos não me convencem.
Quanto às categorias de fundo com as quais é lida a pós-modernidade de hoje: “Somos a sociedade da eterna juventude, do gozo perpétuo, da egolatria absoluta”. Podem parecer categorias adequadas, mas eu tenho a impressão de que, desde a crise de 2008, as coisas estão mudando.
Mais do que a eterna juventude para todos, hoje prevalece a ideia de que cada um deve viver o seu presente “como se não houvesse amanhã”. Por isso, jovens ou menos jovens, todos somos levados a nos concentrar no momento presente e a tentar explorar ao máximo as suas possibilidades.
Segundo, a tendência ao gozo perpétuo está dando lugar a uma angústia generalizada, a um rancor socializado, à dúvida sistemática sobre si mesmo e à desorientação, precisamente porque essa tendência demonstrou ser utópica. Por isso, mais do que gozar, hoje somos levados a encontrar formas de sobreviver o melhor possível, o que é muito diferente.
Terceiro, a egolatria absoluta também não me parece mais tão pregnante como categoria para ler o presente. Muito mais evidente, na minha opinião, é a enorme dificuldade de dar um conteúdo suficiente e um limite mínimo ao “eu”. Para se ter uma egolatria, é necessário que a percepção da própria consistência seja suficiente. Mas hoje isso é cada vez menos difundido, e cada vez mais assistimos a pessoas que não sabem mais quem são e se realmente existem ou apenas “vegetam”.
Pode ser que o meu ponto de observação sejam os jovens, e eles sempre anunciam algo de futuro, e essas condições que eu descrevi são evidentes neles. Talvez sejam menos evidentes entre os adultos, mas a tendência cultural parece ampliar enormemente essas dificuldades de relação com a vida.
Armando continua depois com a proposta pastoral que ele chama de “opção Francisco”: aceitar que estamos em uma mudança de época, que um certo modo de ser fiel acabou, que devemos encontrar juntos um modo diferente para sê-lo hoje. Absolutamente compartilhável.
Mas, depois, quando ele passa para as exemplificações concretas para revitalizar as comunidades cristãs, a impressão é que ele se mantém em indicações já antecipadamente obsoletas e abstratamente concretas.
1) Recomeçar a partir dos adultos, porque “o seu testemunho cristão – que hoje é realmente monótono e anêmico – é fundamental no processo de transmissão da fé às novas gerações”. Como não ver que um dos efeitos da pós-modernidade é precisamente a fragmentação, também geracional? É impensável restaurar uma cadeia geracional de transmissão da fé, porque esta não foi interrompida pela má vontade de alguns (os adultos?), mas porque a velocidade da mudança social e cultural é tamanha que torna não mais utilizável o testemunho dos pais para a educação, também de fé, dos filhos. Se a fé dos jovens puder recomeçar, certamente não será porque os adultos a entregarão como herança tradicional, mas porque os primeiros terão “experiências” da presença de Cristo na sua vida, independentemente daquilo que os adultos poderiam ou gostariam de transmitir.
2) “Aproximar os jovens mais diretamente do grande tesouro dos Evangelhos, transmitir-lhes a força extraordinária que o gesto de rezar possui, inseri-los no grande canteiro de obras da caridade, assim que eles puderem o pé na paróquia para a catequese.” Indicações compartilháveis, mas que levantam a hipótese de que os jovens estão disponíveis para isso e que ainda “habitam” os territórios paroquiais, eclesiais, dos oratórios. É precisamente isso que está faltando. Por isso, o verdadeiro trabalho deve ser feito antes dessas indicações: ir e procurá-los onde eles estão (também nas mídias sociais), aprender as suas linguagens, observá-los e escutá-los o máximo possível, sem preconceitos, oferecer-lhes relações nas quais eles possam se reconhecer como são desde o início, sem a pressa e a pretensão de poder ou de ter de “salvá-los”. Muitas vezes, quem faz isso se dá conta de eles não precisam ser salvos, mas que o Espírito já está trabalhando dentro deles, por caminhos incomuns, e nos pede para acompanhá-los, mesmo que não saibamos bem o caminho. A ideia de que Palavra, Oração e Caridade são caminhos eficazes é teórico. Tudo depende de se, como, quando e por que tal proposta pode ser feita. Por isso, esqueçamos as boas receitas para todos.
3) “A palavra-chave de tudo isso será a alegria. A alegria do Evangelho.” Muito verdadeiro na teoria. Mas, na prática, quando predominam socialmente a angústia e o rancor, a dúvida sistemática sobre si mesmo e a desorientação, é muito difícil imaginar que a oferta da nossa alegria (admitindo-se que nós realmente a vivamos!) produza interesse, desejo e acolhida. Muito mais frequentemente, há reações de incredulidade, baseadas no preconceito da falsidade da nossa alegria; reações agressivas de culpabilização em relação a nós, baseadas no delírio de que, se verdadeiramente somos alegres, não podemos deixar de resolver os problemas alheios; reações de rejeição pelo excesso de “luminosidade” que carregamos, pois isso tende a pôr em crise o paradigma da vida como infelicidade invencível, cada vez mais difundido.
Por isso, a alegria dificilmente pode ser o primeiro cartão de visitas vencedor do cristão. Muito mais promissora, em vez disso, é a possibilidade de fazer com que o outro se sinta amado assim como ele é desde o início e de tentar acompanhá-lo aonde e como ele se deixa acompanhar, e não aonde e como nós pensamos que ele deve ir.
De 04 de junho a 10 de dezembro de 2021, o Instituto Humanitas Unisinos – IHU realiza o XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição, que tem como objetivo debater transdisciplinarmente desafios e possibilidades para o cristianismo em meio às grandes transformações que caracterizam a sociedade e a cultura atual, no contexto da confluência de diversas crises de um mundo em transição.
XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição
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Armando Matteo e a “opção Francisco” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU