06 Junho 2022
Para o mundo cristão, a guerra na Ucrânia é um fato trágico: de fato, é uma guerra entre cristãos. E essa guerra é duas vezes trágica para a Ortodoxia russa, porque tanto os russos que invadem quanto os ucranianos que contra-atacam são seus fiéis.
O comentário é do vaticanista italiano Luigi Accattoli, publicado em seu blog, 03-06-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Se as sanções do Ocidente fossem estendidas ao Patriarca Kirill, elas teriam como primeiro efeito esmagá-lo ainda mais sobre Putin, tornar ainda mais sangrenta a sua fratura com os ortodoxos ucranianos, mais caótica e perigosa toda relação ecumênica no mundo.
Não convém a ninguém acentuar a já trágica identificação do Patriarcado de Moscou com a guerra de Putin.
Considero um erro a tendência dominante no Ocidente de isolar a Rússia nos fóruns internacionais: nas agências da ONU, em todos os tipos de organização governamental e não governamental, incluindo as culturais e esportivas, nas festas e nos festivais, na mídia, no digital. O seu isolamento só pode favorecer a propaganda de Putin sobre a russofobia e o seu domínio sobre a opinião pública interna. As sanções contra o patriarca parecem-me ser a última etapa de uma ofensiva de isolamento que eu considero deletéria.
Sancionar o patriarca como oligarca, assim como os outros oligarcas, reforça a sua pertença à oligarquia que constitui o núcleo duro do poder de Putin. Pelo menos reforça-a na percepção e no sentimento popular, que, em relação ao cristianismo russo, é o fundamento dos fundamentos. Para toda ação ou mensagem dirigida à Ortodoxia russa, devemos nos perguntar se ela a impulsiona ou a retém em relação ao abraço com Putin. As sanções contra o patriarca certamente a impulsionariam.
Eu não sei nada sobre as supostas riquezas pessoais de Kirill e espero que a tempestade em curso sobre esse capítulo possa fornecer algum esclarecimento. Mas, mesmo que fossem comprovadas as estimativas mais surpreendentes, do ponto de vista cristão elas provariam muito pouco. Ao longo da história e em todo o mundo cristão, de Constantino até hoje, houve e há inúmeros cristãos poderosos, ricos e oligarcas, com os papas em primeiro lugar, pelo menos até todo o século XVIII, até o Papa Braschi e o seu tranquilo nepotismo: Pio VI, falecido em 1799. Alguém poderia dizer: mas já se passaram mais de dois séculos. Argumento fraco: Francisco e Kirill estão presentes no planeta ao mesmo tempo, mas não são contemporâneos.
Além do obscuro capítulo dos bens pessoais, Kirill sempre foi honrado como uma pessoa digna nas relações ecumênicas. Sabemos o quanto Francisco o honrou por ocasião do encontro em Cuba em 2016 e ainda mais – na minha opinião – com a teleconferência do dia 16 de março, mas Bento também falou do patriarca de Moscou com estima e gratidão: quem quiser se informar sobre o assunto, leia a partir da página 130 do livro “Luz do mundo” (Ed. Paulinas, 2011). Lá, encontrará estas passagens: “Sou muito grato pela amizade e pelo grande afeto demonstrados pelo Patriarca Kirill [...] que traz consigo uma espécie de alegria, uma fé dos simples, encarna, por assim dizer, a simplicidade da alma russa e, ao mesmo tempo, aquela decisão e aquela cordialidade que lhes são próprias. Assim nasceu imediatamente um bom entendimento entre nós”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Ainda bem que a União Europeia não puniu o Patriarca Kirill - Instituto Humanitas Unisinos - IHU