15 Abril 2020
"Fique em casa", mas, não esqueça: o bem-comum, sem políticas públicas, é um discurso sem obras", escreve Vitor Hugo Mendes, presbítero da Diocese de Lages (SC), doutor em Educação e doutor em Teologia. Atualmente realiza estudos em Salamanca (Espanha) e colabora com serviços pastorais na Diocese da Guarda (Portugal).
Desde a notificação do primeiro caso de coronavírus em Wuhan, na China, em dezembro de 2019, em poucos meses a “epidemia” se transformou em uma “pandemia”. A repentina expansão do COVID-19, pelo mundo afora, trouxe para o dia-a-dia imagens de uma realidade assombrosa e brutal. O caos em ação faz recordar aquelas dramáticas simulações cinematográficas que há décadas vinham “profetizando” uma catástrofe mundial. Enquanto alguns preveniam dos riscos bélicos, temendo as consequências de uma batalha nuclear, para além do ecrã, diferente de uma guerra armada, são os efeitos de um ataque viral – um malfeitor invisível – que está sacudindo a terra e a consciência dos humanos.
Sem tempo para uma reação planejada, a incontida mescla de temor, pavor e insegurança rapidamente tomou conta das redes sociais. Em meio a tudo o que é postado, é “viral” a precariedade das análises “paroquiais”, assim como, é notório o despreparo global dos governos para enfrentar, conjuntamente, o inimigo comum. Já não se trata de uma fake news anunciando o apocalíptico “fim do mundo”. Letal e silencioso, o vírus ignora fronteiras e sorrateiramente carcome os protocolos nacionais e internacionais de intervenção em situações de crise. Diante da inevitável tragédia, nem mesmo os instrumentos estatísticos dão conta de indicar a extensão da pandemia e listar com exatidão o número de vítimas. Será preciso remexer os cadáveres para saber quantos, exatamente, perderam a vida e permanecem anônimos nos dados oficiais e são omitidos nas plataformas virtuais.
Talvez, nesse momento, os sistemas de saúde pública (e privada) – do primeiro ao quarto mundo –, insuficientes e sobrecarregados, evidenciam a medida exata da tragédia real. É o triste espetáculo de uma economia globalizada, sem rosto humano, que, não é de hoje, seleciona, inclui, exclui e, sem remédio, “deixa morrer”. Antes os “descartáveis” eram os mais pobres. Agora, improvisadamente, o critério se tornou flexível. Qualquer um pode ser presa fácil do infortúnio. Diante da urgência de priorizar e “salvar vidas”, alguns milhares de contagiados podem ser excluídos – deixados para morrer – na antessala do atendimento hospitalar. Não se trata de boa ou má vontade. Em muitos lugares, além de carecer de estruturas suficientes (hospitais, leitos, respiradores, testes), são poucos os profissionais da saúde disponíveis e, em muitos lugares, falta inclusive material básico (máscaras, luvas, álcool gel, etc.).
Diante dessa crua realidade, enquanto alguns discutem que faltou ciência, outros dizem que faltou religião (Deus). O fato é que, agora, deixados à mercê da sorte, (in)crédulos ou não, depauperados, percebemos que o que falta são políticas públicas fortes e competência político-administrativa para enfrentar as outras epidemias e a dolorosa pandemia que hoje tem extensão mundial. Para isso deviam trabalhar o Estado, a política, os políticos e, como se espera, contribuir a ciência, a religião e os seus corifeus.
Nestes dias ainda de tumulto, embora tendo nas mãos decretos e “textos sagrados” (governamentais, acadêmicos, religiosos), escutemos a vida ameaçada que reclama aquilo que nós, juntos, podemos fazer. Fique em casa, mas, não esqueça: o bem-comum, sem políticas públicas, é um discurso sem obras.
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Coronavírus: políticas públicas, ciência e religião - Instituto Humanitas Unisinos - IHU