19 Agosto 2016
"O hebraico bíblico, por exemplo, conhece ao menos três raízes de significado para dizer 'silêncio': porém, é uma língua primitiva, reduzida ao essencial, refratária ao supérfluo. Com esse pluralismo de palavras, ela não pode deixar de nos dizer que existem tipos e universos diferentes de silêncio, que este não significa sempre a mesma coisa. Que pode significar muitas coisas diferentes."
A opinião é da escritora italiana Elena Löwenthal, estudiosa do judaísmo, em artigo publicado no jornal La Stampa, 17-08-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Há silêncios e silêncios. Pode não ser eloquente quanto a palavra (e também não "ensurdecedor"), embora o Prêmio Nobel de Literatura Jean-Marie Le Clézio diga que é "o objetivo supremo da linguagem e da consciência", mas certamente a língua italiana encontra-se a enfrentá-lo desarmada de léxico.
O hebraico bíblico, por exemplo, conhece ao menos três raízes de significado para dizer "silêncio": porém, é uma língua primitiva, reduzida ao essencial, refratária ao supérfluo. Com esse pluralismo de palavras, ela não pode deixar de nos dizer que existem tipos e universos diferentes de silêncio, que este não significa sempre a mesma coisa. Que pode significar muitas coisas diferentes.
Por essa razão, o livro de Alain Corbin, Histoire du silence. De la Renaissance à nos jours [História do silêncio. Do Renascimento aos nossos dias], recém-publicado na França pela editora de Albin Michel, é uma viagem literária repleta de pequenas e grandes descobertas.
O desafio é falar do silêncio através das palavras: uma espécie de oxímoro, no entanto, inevitável. Além disso, Guy Barthélemy, que "definiu magnificamente a especificidade do silêncio do deserto", explica que não "podemos considerar o silêncio como o contrário do ruído; ao contrário, ele é um estado que introduz uma nova dimensão do real imediatamente interiorizada (…) e que inspira uma nova relação com a realidade".
A análise do silêncio se desdobra, portanto, não em um nível lexical – aliás, não é apenas o italiano que se vê desprovido de instrumentos principais para definir o silêncio; o francês também –, mas sim literário. E, através dos textos, delineia-se, pouco a pouco, uma interessante e surpreendente taxonomia do silêncio. Há o silêncio da intimidade, feito pelas paredes domésticas e quietas. Os nossos lugares falam e, não raramente, fazem-no com o silêncio. Os objetos também falam, aqueles que, em italiano, se chamam de "inanimados" e sabe-se lá até que ponto é verdade que eles não têm uma alma: às vezes, parece o contrário, pela força com que se depositam sobre a nossa alma, atiçando a nostalgia e as recordações, as esperanças e os flashes de felicidade.
E pensar que, não por acaso, em hebraico, eles se chamam de "objetos mudos" ou, melhor, "silentes". No entanto, do silêncio, ensina-nos Proust, eles nos falam, e como falam, na fluvial stream of consciousness do autor da Recherche. E como são aparentemente insignificantes, marginais, prontos para serem esquecidos.
O universo das coisas estabelece, no silêncio, uma densa trama de relações com nós, que estamos vivos: ele nos liga, às vezes nos encadeia, força-nos a criar raízes, corta-nos as asas. No silêncio, lugares e coisas inventaram para nós a nostalgia.
Depois, há o silêncio denso que emana às vezes dos animais. O que conta o passo de um gato? Quantas vezes na literatura ele se torna o próprio símbolo do silêncio, mas de um silêncio que não é ausência, ao contrário. É presença, viva.
E, do silêncio como presença, nos fala, no fundo, um rico léxico de verbos sobre a disciplina entendida como obediência muda, desprovida de palavras, "fazer silêncio", "impor o silêncio", "observar o silêncio": mandar o silêncio é o princípio da ordem, mesmo que, no cosmos, não seja de fato assim. O caos se cala, diz a Bíblia no início da criação, quando Deus o despedaça e começa a fazer o mundo com a palavra.
Se, quando está fechado dentro dos muros de casa, amada e vivida, perdida e desejada, o silêncio é o da intimidade e da quietude, também há um silêncio dos lugares oposto. Feito de consternação e desorientação. Ou de uma memória tão distante que não pode ser encontrada mais, e nos perdemos, dentro e fora de nós mesmos.
É o silêncio do deserto, por exemplo: o nada a perder de vista. Ele também é um silêncio tremendamente eloquente, porque, apesar da aparência de fixidez, o deserto é sempre o antes e o depois, a origem e o fim. E, assim, o silêncio se torna uma vertiginosa viagem no tempo.
Corbin também aborda o silêncio da fé e o faz isso com uma figura emblemática do percurso cristão, a de José: pai mudo. "O silêncio de um homem, José, e o de um lugar, Nazaré, estão estreitamente ligados: são absolutos. O pai adotivo de Jesus está sempre mudo nas Escrituras. Ele é o patriarca do silêncio. É inútil buscar até mesmo uma única palavra dele nos quatro Evangelhos." O seu silêncio é o coração que escuta, "a interioridade mais absoluta", a contemplação pura.
Mas há um silêncio bíblico ainda mais denso, mais abissal, em que interioridade e exterioridade se fundem por causa de uma experiência tão absurda que não pode ser narrada, senão aproximando os contrários. É a revelação que atravessa Elias, modesto profeta do fazer, que arregaça as mangas e fala pouco.
Um dia, Deus decide que ele merece uma recompensa, envia-o para dentro de uma gruta e lhe promete que Se revelará a ele de um modo totalmente especial. Não no trovão, na tempestade. Não no prodígio, nem no barulho da criação, mas em uma "voz que é é silêncio sutil", e esse "silêncio sutil" é totalmente feminino. E é voz, mas não diz ou, melhor, se cala.
Deus, para Elias, está lá, naquela experiência que sabe-se lá quanto tempo durou, se um instante ou uma eternidade, que sabe-se lá se era um zumbido, um eco de memória, uma pontada de nostalgia, uma iluminação.
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"Escute, o silêncio está falando." Artigo de Elena Löwenthal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU