30 Janeiro 2018
“Os mestres do ateísmo nos obrigaram a redescobrir, de outro modo, o Deus que pensávamos conhecer bem; e a relê-lo a partir das Sagradas Escrituras, em particular do Evangelho. Portanto, não devemos temer um cristianismo não cumprido, caracterizado por novidades que não supomos hoje.”
A opinião é do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por Vita Pastorale, n. 2, de fevereiro de 2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A Igreja que está na Itália é dotada de muitos dons e ainda é uma realidade viva nesta nossa sociedade marcada pela secularização, certamente, mas sobretudo pela indiferença em relação àquilo que constituía sua alma até meio século atrás: a “religião católica”.
Ainda não estamos em uma situação de cristãos em diáspora e nem de pequenas comunidades de fiéis que testemunham o Evangelho em condições de minoria. O panorama é variado, mas ainda há regiões em que as comunidades cristãs são realidades visíveis, eloquentes, nas quais, embora em diminuição, não são escassas as vocações ao ministério presbiteral.
Há, portanto, uma grande oportunidade para o cristianismo e, consequentemente, para as Igrejas, que deveriam ficar vigilantes mais do que nunca e dotar-se de um novo sopro de vida. Isto é, são chamadas a favorecer uma maturação da subjetividade dos batizados, uma renovação da fé, cada vez mais pensada, e o exercício de um estilo que saiba ser eloquente, transmitindo o Evangelho aos homens e às mulheres que ainda pedem, mesmo que de modo não explícito: “Queremos ver Jesus” (Jo 12,21).
Estamos todos conscientes da grande mudança em curso, com velocidade acelerada, nos últimos dez anos: são notáveis tanto a diminuição dos participantes na Eucaristia dominical quanto a redução da presença das mulheres nas liturgias e nas diversas diaconias paroquiais.
Mas acima de tudo, as novas gerações são marcadas por incertezas no crer, pela falta de pertença à Igreja, pela rejeição das imagens tradicionais de Deus e da moral católica. Sua terra é “a terra do meio”, sem as polarizações do ateísmo ou da militância religiosa. As análises, não só sociológicas, mas também eclesiais, que Armando Matteo e Alessandro Castegnaro propuseram, nos advertem há muito tempo sobre o caminho a se percorrer.
Não somos ingênuos e incautos, nem entusiasmados, mas acreditamos que, mesmo nessa situação, é possível ter confiança no futuro do Evangelho. De fato, mesmo que hoje o discurso sobre Deus se tornou até um obstáculo à fé, mesmo que a Igreja com as suas misérias e fragilidades não goza de boa fama, mesmo assim o Evangelho e Jesus Cristo continuam intrigando e fascinando os nossos contemporâneos.
É significativo que, hoje, o ateísmo militante conheceu uma “doce morte”, que os ateus não se professam mais como tais, que os não crentes confessam “crer”. E, em todo o caso, todos mostram, em relação a Jesus de Nazaré, uma grande atenção, simpatia, interesse. É emblemático que um livro de Massimo Cacciari sobre Maria e uma recente entrevista com ele sobre o Natal autêntico de Jesus tiveram uma grande repercussão na sociedade, muito além de entre os cristãos.
Este é um tempo favorável para a evangelização que não seja proselitismo, nem propaganda, nem apologia arrogante, mas sim uma proposta simples e clara do Evangelho, nada mais do que do Evangelho. Quais são, portanto, as urgências para a Igreja?
Acima de tudo, acho que é necessária uma conversão de perspectiva. Estamos acostumados a pensar o cristianismo como uma herança do passado a ser conservada zelosamente, impedindo qualquer possível empobrecimento e descontinuidade. A Igreja é católica não só na extensão sobre a terra, mas também no tempo: do Pentecostes até nós, a Igreja é uma comunhão que não pode desmentir a si mesma, nem amputar suas raízes.
No entanto, é verdade que, como Aleksandr Men’ escrevia profeticamente, “o cristianismo não faz nada mais do que iniciar, todos os dias inicia”. É preciso que nós pensemos o cristianismo como não cumprido, ainda não realizado; um cristianismo que saiba explorar novos caminhos na história e na sociedade, que entre em consonância com as perguntas dos homens e das mulheres de hoje, que estão, acima de tudo, em busca de sentido.
Trata-se de não ter medo de ir ao largo, em direção a novas margens, que nos permitirão experimentar novos modos e estilos de viver o Evangelho, novos modos de invocar a Deus, novas linguagens para dizer a nossa esperança no amor mais forte do que a morte.
A sociedade fundada à imagem de um Deus que se impunha como poder absoluto, um Deus de quem nem a filosofia nem a cultura duvidavam, já está às nossas costas, incapaz de intrigar as pessoas. A palavra “Deus” tornou-se ambígua. E, quando escuto os jovens, ouço-os associar Deus ao fanatismo, ao terrorismo, à intolerância. Na melhor das hipóteses, eles o concebem como uma entidade indefinida que todas as religiões propõem, uma em concorrência com a outra. Os jovens de hoje perderam todo o interesse em Deus.
Se, para a minha geração, a fórmula quaerere Deum, “buscar Deus”, era fonte de grande paixão, hoje somente através de um quaerere hominem, uma busca pelo humano, pode-se instaurar um diálogo com os jovens, que não pode deixar de pôr em evidência Jesus de Nazaré, aquele que, com sua vida de homem, plenamente humana, narrou Deus.
A visão triunfante e autoritária de Deus já está afônica. E hoje parece-me urgente sair também do paradigma que declarou sua morte. De fato, temos a graça de ter sido libertados de estruturas religiosas impregnados de idolatria, que davam ao nosso Deus um rosto “perverso”. Os mestres do ateísmo nos obrigaram a redescobrir, de outro modo, o Deus que pensávamos conhecer bem; e a relê-lo a partir das Sagradas Escrituras, em particular do Evangelho.
Portanto, não devemos temer um cristianismo não cumprido, caracterizado por novidades que não supomos hoje. Deus continua nos dizendo: “Eis que estou fazendo uma coisa nova: ela está brotando agora, e vocês não percebem?” (Is 43, 19).
O Senhor vem para toda a humanidade, pedindo-lhe que viva, assim como veio na carne de Jesus de Nazaré “para nos ensinar a viver neste mundo” (cf. Tt 2, 12). Quando fala de “Igreja em saída”, Francisco também indica uma Igreja aberta ao futuro, ao novo, ao não previsto.
Nessa conversão pastoral, será necessário bater estradas inéditas, correndo o risco de uma nova enunciação da fé. Trata-se não apenas de renovar a linguagem, mas também, mais em profundidade, de ousar – como fez o apóstolo Paulo – uma operação transcultural, de modo que a salvação, a libertação trazida por Cristo e a mensagem da sua ressurreição sejam expressáveis e eloquentes hoje nas diversas culturas.
Por isso, é necessária uma grande confiança no povo de Deus, um povo profético, ou seja, chamado a falar em nome de Deus à humanidade. Dar confiança ao povo de Deus significa estar verdadeiramente convencido de que a cada batizado cabe a missão de testemunhar e evangelizar, e que a cada cristão cabe a tarefa de edificar a Igreja, que tem como seu primeiro nome “fraternidade”.
Se a comunidade cristã conseguir ser fraternidade, ventre do amor de Deus e, portanto, maternidade geradora, o Evangelho poderá completar sua corrida no mundo, com resultados imprevisíveis, mas inspirados pelo Espírito e por ele tornados dinâmicos e eficazes.
Tudo isso, sempre acompanhado pela convicção fundamental, essencial: ontem, hoje e sempre é preciso olhar para Jesus de Nazaré, para o seu estilo, fonte de inspiração em todo o tempo e em toda a terra. Quando ele consegue emergir com sua autoridade, com sua coerência entre o falar, o agir e o sentir, então os homens e as mulheres são atraídos.
Sim, atraídos de acordo com sua promessa: “Quando me virem no ato de dar a vida e de afirmar apenas o amor, contra toda inimizade e violência, de afirmar o perdão em vez da vingança, então se sentirão todos atraídos por mim” (cf. Jo 12, 32).
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Jesus de Nazaré fascina ainda hoje. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU