28 Junho 2017
Ainda que os indícios já mostrassem uma tendência em direção à Suécia como o ator principal para o catolicismo nos países nórdicos antes da era Francisco, sob o seu comando os sinais deste interesse se multiplicaram, culminando neste momento em que ele dá ao país o seu primeiro cardeal da história. Oportunidades evangélicas, imigração e ecumenismo podem todos fazer parte do contexto desta decisão do papa.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 26-06-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Embora seja exagero dizer que o Papa Francisco tenha uma “estratégia sueca” explícita, está cada vez mais claro que a Suécia tem um lugar especial no coração do papa argentino assim como uma função a desempenhar em seus planos de uma “Igreja das Periferias”.
Em certo sentido, os indícios já vinham mostrando a direção da Suécia para o ator principal do catolicismo nos países nórdicos bem antes da era Francisco. Em 2002, por exemplo, a residência do núncio apostólico para a Escandinávia foi transferida da Dinamarca para a Suécia, num sinal da centralidade crescente deste último aos olhos vaticanos.
Com Francisco, no entanto, os indicadores de interesse se multiplicaram.
No ano passado, Francisco viajou para a Suécia onde se juntou à Federação Luterana Mundial para celebrar o 500º aniversário da Reforma Protestante, sendo o primeiro papa a visitar o país desde São João Paulo II em 1989.
Esta semana, o Papa Francisco também criará o primeiro Príncipe da Igreja sueco, na verdade o primeiro cardeal de toda a Escandinávia – não só desde a Reforma, mas desde sempre. O consistório será em Roma, na quarta-feira, 28 de junho, dia dos santos Pedro e Paulo.
Sendo que a Suécia tem apenas 113.000 católicos, o que representa 1.15% da população, o que Francisco estaria esperando com esse movimento?
Antes de tudo, é preciso dizer: não se pode descontar o fator pessoal quando das escolhas dos seus cardeais. Francisco ficou encantado e impressionado por Dom Anders Aborelius, de Estocolmo, durante a breve visita entre os dias 31 de outubro e 1º de novembro de 2016.
Segundo os que conhecem Arborelius, é fácil gostarmos dele.
“O bispo de Estocolmo é um homem muito bom, muito competente e aberto. Ele se dá bem como todo mundo”, disse Dom Czeslaw Kozon, da Dinamarca, membro também da Conferência dos Bispos Escandinavos, em entrevista ao Crux em 15 de junho.
“Ele será um representante muito bom para a Igreja aqui”, disse Kozon.
Além da personalidade, no entanto, o papa pode ter em mente três grandes objetivos ao elevar o status não só de Arborelius, mas da Igreja Católica em geral nesta parte do mundo.
Primeiro, Francisco sabe que, embora a população católica da Suécia seja ainda pequena pelos padrões dos países tradicionalmente católicos, ela todavia está crescendo, com mais católicos na Suécia, hoje, do que em qualquer época desde a Reforma. O próprio Arborelius converteu-se ao catolicismo, sendo antes luterano, e o primeiro sueco a ocupar o cargo atualmente sob sua responsabilidade desde os tempos de Martinho Lutero.
Além disso, os bispos escandinavos dizem sentir um interesse crescente na mensagem católica entre as gerações mais jovens em seus países, apesar do ethos esmagadoramente secular. Em geral, os jovens suecos, finlandeses, dinamarqueses, e assim por diante, estão entrando na idade adulta depois de terem acabado as batalhas culturais contra a autoridade eclesiástica e, portanto, às vezes eles olham para as igrejas não com hostilidade, mas sim com curiosidade.
A possibilidade de um “momento católico” na Escandinávia dá-se pelo fato de que as igrejas estabelecidas na região vêm perdendo fiéis, muitas vezes em decorrência daqueles que buscam evitar pagar a taxa religiosa anual coletada pelo Estado.
Na qualidade de defensor das periferias, Francisco sempre tem um grande carinho pelos desfavorecidos, e pode ver na Igreja sueca e em toda a Escandinávia um necessitado que passa por aquele que pode ser um período de oportunidades. Afinal de contas, a Escandinávia pode não ser uma “periferia” em termos econômicos, mas, em termos católicos, certamente o é.
“Ter um cardeal nos coloca um pouco mais presente no mapa católico do mundo, o fato de termos um cardeal”, disse Kozon. “É algo bem importante para gente”.
Em segundo lugar, Francisco igualmente sabe que grande parte do crescimento da Igreja na região, hoje, é consequência da imigração. Em toda a Escandinávia, influxos de poloneses, filipinos, vietnamitas, cingaleses (Sri Lanka), eritreus, sírios e outros vêm preenchendo as fileiras da Igreja local.
A realidade de liderar uma Igreja com cada vez mais imigrantes tem dado aos bispos escandinavos uma sensibilidade mais profunda aos desafios que essas pessoas enfrentam, numa época em que Francisco enxerga a crise migratória e de refugiados como talvez o drama humanitário mais premente do mundo.
Esta transformação da Igreja está acontecendo em um momento no qual os países da região parecem se voltar a uma direção mais contrária aos imigrantes. A Dinamarca já possui algumas das políticas mais restritivas do mundo, diretrizes amplamente compartilhadas pelos setores da direita e da esquerda, enquanto o primeiro-ministro sueco Stefan Löfven recentemente declarou que o país “jamais irá voltar aos dias de imigração em massa” depois que se soube que o agente por trás de um atentado em Estocolmo era uma pessoa que buscava asilo no país e que não havia conseguido.
Consequentemente, Francisco pode estar tentando fortalecer a Igreja na Escandinávia para defender os direitos dos imigrantes, num período em que os ventos políticos e sociais sopram em sentido contrário.
Por fim, desde o começo de seu papado Francisco deixou claro que o ecumenismo, ou seja, a busca de uma maior união entre os cristãos, é prioritário.
Como seus antecessores, São João Paulo II e o Papa Emérito Bento XVI, dentro do campo ecumênico Francisco tem mostrado uma “opção preferencial” pelos ortodoxos, o que se justifica, visto que a divisão entre o Oriente e o Ocidente é o cisma cristão primordial, e também porque a teologia e a eclesiologia ortodoxas, assim como a compreensão do ministério e dos sacramentos dessas igrejas, em geral estão mais próximas às compreensões católicas.
No entanto, o papa também vem demonstrando um interesse em estender a mão ao mundo da Reforma, motivo que o levou à Suécia. Sem dúvida, ele acredita que a minoria de católicos na Escandinávia possui uma vocação ecumênica para construir pontes com as igrejas da Reforma Protestante, de forma muito parecida como viram os papas anteriores com as igrejas católicas orientais em lugares como o Oriente Médio, os Balcãs, o Cáucaso e a Europa oriental, tendo uma vocação ecumênica natural com os ortodoxos.
E, é claro, Francisco sabe que dar à Suécia um cardeal irá ajudar a Igreja a desempenhar este papel com uma autoridade e uma visibilidade maiores.
Naturalmente, um papa encarregado de liderar uma igreja mundial com quase 1.3 bilhão de membros presentes em todos os cantos do planeta não pode se dar ao luxo de concentrar toda a sua atenção, ou mesmo grande parte dela, em um local específico.
Mesmo assim se a Suécia não é exatamente aquilo sobre o que o Papa Francisco pensa quando se levanta todas as manhãs, estes sinais recentes sugerem que o país pode, não obstante, cruzar os seus pensamentos em algum momento durante o dia.
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O que Francisco tem em mente ao dar à Suécia o seu primeiro cardeal? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU