10 Fevereiro 2025
Se olharmos a frequência dos transtornos que estão ocorrendo na Terra, especialmente com o crescente aquecimento global, somado ao fato de os negacionistas serem poderosos como o presidente Trump dos USA, cabe seriamente perguntar se o planeta é ainda sustentável ou ruma na direção de uma fenomenal tragédia.
Leonardo Boff escreveu O doloroso parto da Mãe Terra (Vozes, 2021), Cuidar da casa comum (Vozes, 2023) e Habitar a terra (Vozes, 2021), entre outros.
Tomemos como advertência os dados publicados pelo Institute and Faculty of Actuaries da Exeter University (Reino Unido), conhecido por sua seriedade: aí se afirma: “com temperaturas 3°C acima dos níveis pré-industriais – a mortalidade humana poderá atingir a metade da humanidade, cerca de quatro bilhões de pessoas” não num futuro distante, mas em algumas décadas.
Precisamos de um conceito de sustentabilidade mais amplo do que aquele famoso do Relatório Brundland (1987) por se centrar só no ser humano e omitindo a natureza. Proponho um mais inclusivo: “Desenvolvimento sustentável é toda ação destinada a manter as condições energéticas, informacionais, físico-químicas que sustentam todos os seres, especialmente a Terra viva, a natureza e a vida humana, visando a sua continuidade e ainda a atender as necessidades da geração presente e das futuras de tal forma que o capital natural seja mantido e enriquecido em sua capacidade de regeneração, de reprodução, e de coevolução.
Que fazer para garantir este tipo de sustentabilidade? Estou convencido de que as narrativas do passado já não nos apontam um futuro de esperança. Isso não significa que desistiremos de melhorar a situação. O princípio esperança que arde dentro de nós, pode projetar utopias minimalistas que aliviam a vida e preservam a natureza. Para isso deve-se partir debaixo, do território, na qual se pode construir uma sustentabilidade no quadro das condições ecológicas traçadas pela natureza, com suas florestas, seus rios, sua população com suas religiões tradições.
Depende de nós, se queremos mudar ou prosseguir no mesmo caminho. Chegou um momento em que não temos outra alternativa senão crer, confiar e esperar em nós mesmos. Temos que beber de nosso próprio poço. Nele estão os princípios e valores que, ativados nos poderão salvar. Elenco alguns principais.
Em primeiro lugar o cuidado. Sabemos pela reflexão antiga (mito do cuidado de Higino) e pela moderna (Heidegger) que a essência do ser humano reside no cuidado, condição para viver e sobreviver. Se todos os elementos da evolução não tivessem entre si um cuidado sutil, não irromperia o ser humano. Como não possui nenhum órgão especializado, precisa do cuidado para viver e sobrevier. Da mesma forma a natureza se não for cuidada definha.
Em seguida, como os biólogos (Watson/Krick) mostraram o amor pertence ao DNA humano. Amar significa estabelecer uma relação de comunhão, de reciprocidade, com todas as coisas e implica criar um laço afetivo com elas.
Fundamental é o valor a solidariedade. A bioantropologia mostrou que a busca dos alimentos, consumidos comunitariamente permitiu o salto da animalidade para a humanidade O que foi verdadeiro outrora, vale muito mais ainda nos sombrios dias atuais.
Somos também seres de compaixão: podemos nos colocar no lugar do outro, chorar com ele, partilhar suas angústias e nunca deixá-lo só. É uma das virtudes mais ausentes nos dias de hoje.
Ainda somos seres de criação: continuamente estamos inventando coisas para resolver nossos problemas. Hoje mais do que nunca a inovação é urgente se não queremos chegar atrasados na salvaguarda da vida e da natureza.
Somos, desde a mais alta ancestralidade, quando emergiu o cérebro límbico há 200 milhões de anos, seres de coração, de afeto e de sensibilidade. No coração sensível reside o enternecimento, a espiritualidade e a ética. Hoje mais do que nunca devemos unir mente e coração, racionalidade e sensibilidade, pois todo o edifício científico se construiu colocando sob suspeita a afetividade. Hoje é pela sensibilidade humanitária que condenamos o perverso genocídio, feito a céu aberto, na Faixa de Gaza de mais de 13 mil crianças inocentes e de mais de 60 mil civis.
Somos, no mais profundo de nossa humanidade, seres espirituais. A espiritualidade pertence à natureza humana, com o mesmo direito de cidadania que a inteligência, a vontade e a libido. Ela deve ser distinguida da religiosidade, embora possam vir juntas e se potenciar. Mas não necessariamente. A espiritualidade natural, no entanto, é mais originária. A religiosidade supõe e se alimenta da espiritualidade. A espiritualidade vive do amor incondicional, da solidariedade, da compaixão, do cuidado com os mais frágeis e com a natureza. Mais ainda, como seres espirituais somos capazes de identificar aquela Energia vigorosa e amorosa que sustenta todas as coisas e o inteiro universo, com qual podemos reverentemente nos abrir. Ou integramos a espiritualidade natural, vivendo como irmãos e irmãs junto com a natureza ou então nos condenamos a repetirmos o passado com todos os riscos que hoje ameaçam nossa existência.
Uma eco-civilização, fundada sobre tais valores e princípios, pode garantir a sustentabilidade da Casa Comum. Dentro dela se encontram os vários mundos culturais que podem e devem conviver pacificamente. Uma utopia? Sim, mas uma utopia necessária se ainda quisermos ter um futuro sustentável junto com a Mãe Terra.