09 Julho 2024
"Os intelectuais blasés entenderam perfeitamente o evento eleitoral organizado em 3 turnos e do qual o Macron (o centro) se saiu bem melhor do que era previsto e a esquerda totalmente redefinida", escreve Giuseppe Cocco, graduado em Ciência Política pela Université de Paris VIII e doutor em História Social pela Université de Paris I (Panthéon-Sorbonne). Leciona na Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e é editor das revistas Lugar Comum e Multitudes. O foi artigo publicado em sua página do Facebook, 08-07-2024.
Eis o artigo.
Na esquerda dita "radical" (na realidade apenas ideológica) há duas grandes interpretações depois do grande alívio que foi o voto de ontem, as duas são simplesmente erradas:
- Uma parte (muitos pós-autonomos à deriva, desde Itália até a Argentina interpretam o primeiro lugar do Nouveau Front Populaire como e fosse a vitória de La France Insoumise (LFI-Mélenchon).
- A outra parte, alguns intelectuais blasés franceses (ou francofonos) entenderam muito bem que não é nada disso e que Macron, apesar de tudo, se deu bastante bem que não há nenhuma hegemonia da esquerda radical.
A gente encontra essas duas posições juntas quando se fala da vitória do Labour no Reino Unido: estão tristes e não comemoram, pois não é a esquerda pura (Corbin) que ganhou, mas um Labour que soube se reapresentar como referência social-democrática.
As duas interpretações, como dissemos, são ideológicas (defendem a esquerda como ideia e não como movimento social real), sendo que a segunda interpretação já serve para mostrar quanto a primeira é estúpida ou ignora o que realmente rolou.
Os intelectuais blasés entenderam perfeitamente o evento eleitoral organizado em 3 turnos e do qual o Macron (o centro) se saiu bem melhor do que era previsto e a esquerda totalmente redefinida.
(1) Nas europeias, foram os fascistas xenófobos e pro-russos do RN que ganharam e saíram fortíssimos. Ao mesmo tempo, LFI fez um score inferior à coalizão entre o PS e Place Publique (R. Glucksmann).
(2) Em seguida, Macron dissolveu de maneira abrupta sem deixar as forças se reorganizarem. Ficou evidente desde o inicio que a dissolução visava recapturar parte dos votos que foram para o PS-Place Publique, mas essa operação foi bloqueada pela rápida implementação do Nouveau Front Populaire (NFP). Se o NFP impediu o primeiro objetivo do Macron, o segundo foi bem sucedido: a recomposição da esquerda se fez sem que o Mélenchon conseguisse impor suas condições. O resultado do 30 de junho foi, na aparência, desastroso para o macronismo (Ensemble)
(3) no dia 7 de julho, o que contou foi o Front Républicain e funcionou ainda mais do esperado: em algumas semanas o RN passou de primeiro a terceiro colocado (perdente), o macronismo se manteve e o NFP se tornou primeiro, mas sem hegemonia de LFI (contrariamente às analises apressadas do esquerdismo o NFP é pluralista).
O grande momento de resistência de ontem diz respeito à defesa da democracia e nisso - ao contrário do desejo de fascismo que atravessa boa parte da esquerda - inclui o macronismo (seus eleitores votaram para o NFP e votaram nele porque LFI não é hegemônica).
Ao passo que as leituras esquerdistas (na Itália, Argentina e alhures) são totalmente erradas, os intelectuais blasés entenderam que Macron saiu mais forte desse ciclo do que o resultado das europeias marcava. Ele continua dando as cartas e agora começa o verdadeiro desafio: transformar essa grande vitória democrática e republicana em um governo viável (sem o qual, os fascistas vão voltar ainda mais fortes).
Os blasés falam de migrantes e refugiados, mas estão preocupados com a mensuração do grau de pureza das forças. Pelo visto nunca foram nem migrantes nem refugiados e não fazem a menor ideia de como para quem estaria hoje na linha de mira de um governo xenófobo esse calculo da "pureza" é a última das preocupações.
A esquerda precisa voltar a a ser materialista (parar de discutir em termos ideológicos, de basear toda sua análise sobre o neoliberalismo) e estar dentro dos movimentos que todos os dias produzem novos horizontes, quer dizer novos tecidos, novas tramas e não novos modelos.
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Quem ganhou na França? Artigo de Giuseppe Cocco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU