08 Julho 2024
"Apesar de tudo, o aborto se torna assim o mal menor comparado ao infanticídio ou ao suicídio. No entanto, rompendo uma praxe de relativa tolerância, em 1588 o Papa Sisto V, em uma bula, condena o aborto como homicídio e excomunga aqueles que o praticam. Pedidos de esclarecimento chegam a Roma vindos de toda a Itália; em muitos casos, pede-se a absolvição para as mulheres que, segundo escreve um bispo, haviam abortado 'para escapar da desonra e da infâmia do mundo'", escreve Michaela Valente, historiadora da Università del Molise, em artigo publicado por Corriere della Sera, 07-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em janeiro de 1596, em Roma, na noite de núpcias, José descobre que sua esposa, Rosana, não é virgem. Alguns meses antes, foi estuprada pelo cunhado. Para evitar o escândalo e a denúncia, o estuprador oferece um dote, mas não termina aí porque a moça está grávida. O homem decide então que ela precisa abortar. A história desponta dos documentos processuais, que não dão voz a Rosana, mas a seu marido, ao estuprador e ao sujeito que faz a sangria. Não há vestígios da sentença. Essa é uma das histórias com as quais John Christopoulos (L'aborto nell'Italia moderna, traduzido por Filippo Benfante, publicado pela editora Viella) rompe o muro do silêncio e relata abusos, violências e chantagens que deveriam ter permanecido ocultos.
L'aborto nell'Italia moderna, de John Christopoulos. (Foto: Divulgação)
Nas salas dos tribunais e nos confessionários, nos vemos avaliando circunstâncias e desespero de mulheres que recorriam ao aborto e de outras que o sofriam por decisão ou violência de terceiros. Apesar de tudo, o aborto se torna assim o mal menor comparado ao infanticídio ou ao suicídio. No entanto, rompendo uma praxe de relativa tolerância, em 1588 o Papa Sisto V, em uma bula, condena o aborto como homicídio e excomunga aqueles que o praticam. Pedidos de esclarecimento chegam a Roma vindos de toda a Itália; em muitos casos, pede-se a absolvição para as mulheres que, segundo escreve um bispo, haviam abortado "para escapar da desonra e da infâmia do mundo". Alguns anos depois, em 1591, Gregório XIV atenua a intransigência de seu antecessor. E retorna a praxe de fechar os olhos depois de advertir sobre a gravidade do pecado. Teólogos, médicos e juristas tratam do aborto, expondo preconceitos, hipóteses e interpretações arbitrárias, sabendo muito bem que a indignação e a condenação não impedem o recurso ao aborto, porque serve a muitos e variados propósitos.
O livro de Christopoulos é realmente excelente. Nele, observa-se como as tentativas da Igreja e dos Estados de controlar a prática do aborto e, ao mesmo tempo, de disciplinar clero e leigos, fracassaram.
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Quando os papas toleravam o aborto. Artigo de Michaela Valente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU