G7, entrevista com Lula: “Uma força-tarefa para vencer a fome no mundo. É hora de taxar o clube super-rico"

Foto: Ricardo Stuckert

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14 Junho 2024

O presidente do Brasil fala ao Repubblica. “A vitória da extrema direita na Europa é um perigo para a democracia.” E depois: “Com um G20 fortalecido, o G7 e os Brics não teriam mais razão de existir. A ONU? O direito de veto deve ser abolido"

A entrevista é de Fabio Tonacci, publicada por La Repubblica, 14-07-2024.

Eis a entrevista.

Presidente Lula, o senhor foi convidado para o G7 na Itália. Que propostas concretas trará?

Discutirei algumas de nossas prioridades para a presidência brasileira do G20, como desigualdade, mudanças climáticas e reforma da governança global. Lançaremos um grupo de trabalho contra a fome e a pobreza aberto a todos os países, incluindo os que não são membros do G20. Lançamos também um grupo de trabalho de mobilização para as alterações climáticas para impulsionar a implementação do Acordo de Paris. O Brasil reduziu o desmatamento e apelou aos países mais ricos para manterem o apoio prometido pela COP-15 na Dinamarca de 100 bilhões de dólares para a conservação ambiental.

Realisticamente, o que pode o Sul Global obter do G20 sob a sua presidência?

O Sul do mundo já não é o que era há 20 anos, quando fui presidente pela primeira vez. Depois queríamos expandir a cooperação Sul-Sul, agora temos novas rotas para o comércio e o investimento. O G20 é muito representativo, inclui a União Africana, os países do G7, que por sinal já não são as sete maiores economias mundiais, e os Brics. Se o G20 tivesse sido fortalecido, estes blocos não precisariam de existir. Queremos reformar instituições globais envelhecidas, como as de Bretton Woods, presas na década de 1940.

Este é o quadro. Mas o que há dentro?

Apoiamos a tributação dos super-ricos. Um grupo de apenas 3 mil indivíduos concentra a riqueza do planeta. Se colocarmos um imposto de 2%, ajudaria a eliminar a fome no mundo. Três mil bilionários possuem quase 15 trilhões de dólares. O Brasil apoia medidas para enfrentar a dívida das economias em desenvolvimento. Devemos converter dívidas impagáveis em ativos e projetos de infra-estruturas, especialmente aqueles de transições energéticas em África, Ásia e América Latina.

Está preocupado com o avanço dos partidos soberanistas e de extrema direita na Europa?

Sim, a democracia como a conhecemos está em risco. A única forma de combater o extremismo é promover mais democracia entre o povo. Democracia com conteúdo, que traz melhorias concretas para a vida de todos. Os resultados das eleições demonstram que na Europa ainda existe uma maioria de indivíduos democráticos a favor da integração.

Que futuro você vê para a esquerda?

Combater as desigualdades e a pobreza e promover os valores humanistas é hoje mais importante do que nunca. Porém, muitas pessoas não conseguem perceber isso, imersas no individualismo e nas ilusões promovidas pelas redes sociais. Os partidos democráticos e de esquerda devem fornecer novas respostas políticas aos problemas de hoje, numa linguagem e numa forma que possam falar com as pessoas através dos meios de comunicação atuais.

Como?

Proteger os trabalhadores no novo mercado de trabalho, definido pela digitalização e pela inteligência artificial, e permanecer próximo das pessoas nos seus bairros, no local de trabalho e nas redes sociais.

A China e o Brasil apoiam uma proposta conjunta para uma negociação de paz que coloque a Ucrânia e a Rússia na mesma mesa. Segundo Zelensky é um presente para Putin porque legitima a invasão e abre a legitimação de outras invasões. O que responde a isto?

O Brasil condenou a invasão russa da Ucrânia. No entanto, acreditamos que não haverá solução militar para este conflito, nem que qualquer país possa negociar a paz sozinho sem considerar o outro lado. Os dois lados terão de resolver as suas diferenças na mesa de negociações. Como disse o antigo secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, a paz não é feita entre amigos, é feita entre inimigos.

As Nações Unidas podem gerir a negociação?

A ONU é fraca, e os países que promoveram as invasões nas últimas décadas, por exemplo o Iraque e a Líbia, são precisamente os membros permanentes do Conselho de Segurança. É necessário reformar a ONU, ampliando o Conselho e retirando o poder de veto.

Há relatos de submarinos nucleares russos nas águas perto de Cuba. Você está preocupado?

Este episódio, que lembra a Guerra Fria, não me preocupa. Estou preocupado com o aumento da beligerância e dos conflitos em todo o mundo, na Ucrânia, em Gaza, na África e no Oriente Médio, precisamente quando países de todo o mundo precisam unir esforços contra as alterações climáticas, a fome e o risco de pandemias. Com uma fração do que é gasto em armas, poderíamos garantir que 150 milhões de crianças em todo o mundo não morram de fome.

Um dos conflitos que você mencionou, Gaza. O roteiro apoiado por Biden para acabar com a guerra tem chances reais de sucesso?

Não sei se o primeiro-ministro israelense está interessado no seu sucesso, mas espero que esteja. O mundo inteiro aguarda ansiosamente o fim da guerra e a libertação dos reféns. O povo de Gaza já sofreu o suficiente. O cessar-fogo deve ser o primeiro passo para a única saída, ou seja, a solução de criar dois Estados independentes e viáveis.

Muitos observadores internacionais acreditam que o Brasil corre um grande risco devido à sua dependência econômica e comercial da China.

Estou feliz com esta expansão com a China. Também expandiremos as nossas relações com a Índia, a África, o México, os países árabes e os nossos vizinhos da América do Sul. Em 2023 superamos nosso recorde de exportações para os EUA, este ano caminhamos para um crescimento de 14% acima do recorde do ano passado. Poderia correr melhor, claro, mas, por exemplo, a Europa negocia há 20 anos um acordo com o Mercosul e ainda não o fechou.

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