A identidade de católico, o Papa e o cristianismo de libertação versus a direita. Artigo de Jung Mo Sung

Foto: Vatican Media

Mais Lidos

  • Esquizofrenia criativa: o clericalismo perigoso. Artigo de Marcos Aurélio Trindade

    LER MAIS
  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • O primeiro turno das eleições presidenciais resolveu a disputa interna da direita em favor de José Antonio Kast, que, com o apoio das facções radical e moderada (Johannes Kaiser e Evelyn Matthei), inicia com vantagem a corrida para La Moneda, onde enfrentará a candidata de esquerda, Jeannete Jara.

    Significados da curva à direita chilena. Entrevista com Tomás Leighton

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

02 Março 2024

"Nesse sentido, o debate sobre a família-sexualidade e o Papa não é somente uma questão moral, mas faz parte da grande luta da defesa do direito dos pobres de viver dignamente e pela igualdade humana de todas pessoas. Desqualificar o Papa e outras lideranças cristãs do mundo em torno de questões de moral sexual é parte de uma estratégia dos grandes “gestores” do capitalismo de desqualificar a luta deles em favor dos pobres", escreve Jung Mo Sung, teólogo, cientista e professor titular da Universidade Metodista de São Paulo no PPG em Ciências da Religião.

Eis o artigo.

No artigo anterior sobre a identidade de católico e o Papa Francisco, eu me perguntei: o que leva um católico-católico, aquele que tem orgulho de ser católico (que se diferencia de outros cristãos por devoção à Nossa Senhora e por ver o Papa como chefe da sua Igreja), a criticar publicamente o Papa? Um dos principais motivos não deve ser a defesa do Papa aos pobres e imigrantes, pois a Igreja sempre praticou e ensinou ajudar os pobres, mas a sua visão moral e pastoral de abrir as portas das comunidades cristãs às pessoas e famílias “não tradicionais”. Por exemplo, permitir que os presbíteros possam abençoar relacionamentos homossexuais.

O diálogo dos que podemos chamar de católicos de cristianismo de libertação com os setores da igreja católica que são contra essa postura do Papa é importante, não só pela questão moral-sexual, mas porque a direita mundial está aproveitando esse conflito para fortalecer a aliança entre esses moralmente conservadores com os neoliberais, que querem destruir o que ainda existe do papel social e econômico do Estado. Assim, consolidar a aliança entre cristãos moralmente conservadores e os neoliberais contra o chamado o “mal” do mundo de hoje: os que defendem os direitos das mulheres e da comunidade LGTBQ+ e, ao mesmo tempo, são comunistas, os que defendem os pobres.

Nesse sentido, o debate sobre a família-sexualidade e o Papa não é somente uma questão moral, mas faz parte da grande luta da defesa do direito dos pobres de viver dignamente e pela igualdade humana de todas pessoas. Desqualificar o Papa e outras lideranças cristãs do mundo em torno de questões de moral sexual é parte de uma estratégia dos grandes “gestores” do capitalismo de desqualificar a luta deles em favor dos pobres.

Para resgatar católicos que caíram nessa armadilha e estabelecer um diálogo e aliança em torno da missão da Igreja no mundo de hoje, precisamos ter argumentos pastorais e teológicos. Pois, na lógica da identidade de católicos, a linguagem sociológica (p. ex., o gênero não é biológico, mas é uma construção social) não tem força valorativa que tem a linguagem religiosa-teológica. O que faz uma pessoa se sentir bem com a sua identidade de católico é a sua pertença a uma comunidade religiosa e esse tipo de comunidade se define como religiosa por compartilhar a mesma linguagem religiosa.

Assim, um tema que nos permite estabelecer um diálogo com católicos conservadores é o da missão da Igreja hoje. Com católicos que não estão preocupados com essa missão e só querem criticar o Papa ou a luta dos pobres, não é possível dialogar e é só perda de tempo. Ponto. Diálogo só é possível com pessoas que têm a mesma preocupação, um mesmo problema ou missão.

A missão da Igreja, nesse diálogo, não é libertar os pobres ou defender os direitos do LGTBQ+. Essa é uma linguagem “secular”, moderna e progressista, tudo o que os conservadores não gostam e, de uma certa forma, estão certos. Teologicamente, a missão da Igreja é anunciar e testemunho o amor de Deus no mundo. Isto é o evangelho! Aceito esse ponto comum, podemos caminhar no diálogo.

Nesse processo, é fundamental distinguir que o amor de Deus e as leis que as sociedades e instituições religiosas, como igrejas, elaboram para que a vida social seja possível. Por exemplo, em situações em que o estupro (violência do forte contra o fraco na forma de sexo) é “normal”, ou há um caos social na organização familiar, leis são importantes para defender a ordem social que permita viver. Mas, na medida em que a sociedade e a história caminham, surgem outros “clamores” das vítimas pedindo liberdade e Deus envia os seus profetas. Isso é a história da Bíblia: manter a memória de como o amor de Deus atua e tem atuado no mundo e, aprendendo com essa tradição, atualizarmos a ação do Espírito de Deus, que é Amor.

Como dizia o Paulo apóstolo, a lei é necessária, como pedagoga, mas o que salva é a fé e o amor. Isto é, as regras morais familiares e sexuais foram necessárias e uteis como pedagogas, mas na medida em que a história caminha e surgem novos clamores, clamores esses que Deus ouve e chama profetas para lhes responder, a Igreja atender. É em nome do amor de Deus que o Papa Francisco defende os direitos pobres de viver dignamente e também das pessoas e grupos sociais que estão ou foram marginalizadas na sociedade. Antes de definir legalmente – processo que vai ser longo – o direito dessas de pessoas de pertencer plenamente à Igreja e participar do sacramento do matrimônio, o que o Papa ensina é que eles e elas não estão fora do amor de Deus. Pois, o Amor e a misericórdia de Deus são infinitos.

O principal argumento teológico para esse embate pode ser: o que nos deve mover não é a lei (seja do mercado, do Estado ou da Igreja), mas sim o Amor de Deus e a compaixão para com quem sofre. Com quem aceita esse princípio, podemos e devemos dialogar.

Leia mais