21 Fevereiro 2024
Não há dúvida de que o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, cativou a camada social evangélica na política dos Estados Unidos. Em janeiro, antes das primeiras prévias do país em Iowa, o Rev. Paul Figie, pastor de uma Igreja não denominacional do outro lado do Rio Mississippi, em Mt. Carroll, Illinois, disse ao The Washington Post que Trump havia sido "ordenado por Deus”, presumivelmente para voltar à Casa Branca.
A reportagem é de Mark Pattison, publicada em La Croix International, 19-02-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os comentários de Figie, que atuou como diretor de campanha de Trump, apareceram na segunda metade da reportagem de 1.600 palavras, mas a expressão “ordenado por Deus” tornou-se a manchete da história.
Figie não foi encontrado para ampliar seus comentários. Sua esposa, Michele, que é copastora com o marido e trabalha durante a semana em uma segunda igreja em Mt. Carroll, disse que ele estava cortando lenha com serra elétrica para aquecer a casa.
Michele, que também foi entrevistada – mas não citada – pelo Washington Post, acrescentou que nenhum dos dois tinha visto a reportagem do Post até que este repórter fez referência dela para eles. Ele não sentiu nenhum remorso pelo que disse, e seus colegas não fizeram nenhuma provocação brincalhona durante um mês depois que a história apareceu impressa e online. Enquanto isso, Trump levou mais da metade dos votos dos delegados do Partido Republicano do Iowa nas prévias.
Em 2021, Figie concorreu a uma vaga no Conselho Escolar Comunitário de Easton Valley, em Iowa. Ele também se considerava igualmente ordenado por Deus? Ele não ganhou.
“Você não deve misturar linguagem religiosa com uma expressão secular, com um processo secular”, disse Susan Timoney, que dirige os programas de pós-graduação em Teologia (doutorado) e em Pastoral (especialização) na Universidade Católica dos Estados Unidos, a instituição com licença papal nos Estados Unidos. “A Igreja faz essa distinção entre o civil e o sagrado.”
Ela acrescentou: “Se um ministro evangélico protestante fosse entrevistado de forma mais explícita, ele diria que acredita que é um chamado de Deus. Esse é o destino de Trump, não é verdade? É um destino dado por Deus. Enquanto nós vincularíamos a linguagem sobre a ordenação apenas ao sacramento da ordenação”.
Como a compreensão católica da ordenação difere da compreensão protestante? “O que compartilhamos com eles é que acreditamos que a comunidade chama uma pessoa à ordenação. Então, a comunidade apresenta uma pessoa. E a nossa mudança é ontológica. Você pode vê-lo agindo como padre, e ele pode ser laicizado em circunstâncias incomuns, mas nós diríamos que ocorre uma mudança ontológica e que torna esse homem diferente”, disse Timoney.
"É fácil focar no sacramento e na permanência dele. Como padre, você age apenas sob a autoridade do bispo local. Portanto, você está sempre ligado à Igreja institucional. Você não pode agir separadamente da instituição. Para os protestantes, isso está por toda a parte. Pode ser necessário estudar para receber um diploma de Mestre em Teologia”, observou ela, mas as denominações fora do protestantismo tradicional "podem chamá-los e abençoá-los, mas eles podem não ter necessariamente uma situação sacramental a fim de tornar aquele homem um ministro. Na comunidade evangélica, há casos em que um homem pode ser um ministro autodefinido.”
A ordem sagrada é um “sacramento de serviço”, disse Timoney, “principalmente para poder celebrar os sacramentos e servir o bispo no cumprimento da missão da Igreja local”. O conceito da ordenação, acrescentou, data dos tempos romanos, no sentido de “uma incorporação de um ‘ordo’ – de um sistema. A ordenação integra o recém-ordenado na ordem do bispo, do padre e do diácono”.
Visto que todos os sacramentos foram instituídos por Cristo, as ordens sagradas encontram suas raízes no Grande Envio do Evangelho de Mateus 28,16-20 a “fazer discípulos todos os povos, batizando-as em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo”. “É aí que vemos a reserva da ordenação aos homens. Fica muito claro e explícito quem ele enviou”, disse Timoney. “Embora possa ter havido mulheres na Última Ceia, trata-se do longo discurso em que Jesus fala aos Onze”. Além disso, a Última Ceia foi onde Jesus instituiu o sacramento da Sagrada Comunhão.
A unção é uma prima da ordenação, segundo Timoney, com um pouco de sobreposição. “As mãos do padre são ungidas durante os ritos da ordenação. Mas tendemos a relacionar a unção com o batismo”, explicou ela. “As mãos (do padre) podem consagrar o pão e o vinho, e também curar no Sacramento da Unção dos Enfermos”.
Quem é elegível para a ordenação continua sendo um problema. A maioria das denominações protestantes ordena tanto homens quanto mulheres, solteiros ou casados. As Igrejas orientais em comunhão com Roma ordenam homens casados como padres – alguns deles atrasam sua ordenação sacerdotal para poderem se casar – mas reservam a ordenação episcopal aos homens celibatários. Timoney chama isso de “um sinal para permitir que a Igreja oriental chame os homens casados de algo cultural, histórico, e que não muda a natureza do sacramento... Há algo de concessão em ambos os lados”, já que a política da Igreja de rito latino sobre a ordenação é uma disciplina, não uma regra.
Uma ordenação não sacramental “definitivamente não é possível na Igreja Católica”, disse Timoney, “porque sempre ocorre dentro de um sacramento. Na Igreja Católica, reservamos essa expressão sobre a ordenação apenas para os diáconos, os padres e os bispos. Se tomarmos o significado literal da palavra, não me surpreenderia se algumas comunidades cristãs usassem essa expressão, ordenando homens e mulheres para servirem na comunidade: ‘Recebemos uma ordenação de Deus’”.
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Donald Trump foi “ordenado por Deus”? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU