13 Dezembro 2023
"Esperar solução milagrosa de onde não pode viver é que não dá. Ou afirmamos praticamente o princípio da territorialidade combinado com subsidiariedade em níveis políticos mais amplos – nacionais, regionais e mundiais – ou não temos saída. É difícil e longo? Sem dúvida! Mas é onde temos exemplos concretos de outro mundo sendo construído", escreve Cândido Grzybowski, doutor em Sociologia pela Sorbonne, e ex-diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – IBASE, em artigo publicado por seu blog Sentidos e Rumos, 22-11-2023.
Já estamos na COP28 – Conferências das Partes, dos Estados membros da ONU, para buscar acordos multilaterais sobre o clima. Quantas ainda vão acontecer antes que a mudança climática se torne irreversível? Esperar transformações reais das copiosas boas propostas é acreditar no multilateralismo fracassado da ONU, notável pela incapacidade de selar acordos impositivos para todos os países, dado o poder de veto de alguns. Vivemos num mundo de dominação imperial implacável, onde podemos discutir bastante, desde que o poder não seja ameaçado de fato.
Mas, então, por que as COPs tem tanta visibilidade? Sem dúvida, a questão da hegemonia de um modo de pensar e propor sempre será determinante na implementação de propostas com capacidade transformadora, mas não necessariamente virtuosa e pacífica. A transformação para valer sempre implica em mudanças nas relações de poder e nas estruturas e processos sociais, até com perdas e danos. Pior ainda, nem sempre para melhor. Esta é uma verdade histórica para a humanidade como um todo. Ficando na questão da ameaça das mudanças climáticas, o cenário de uma destruição da integridade dos sistemas ecológicos do planeta e das próprias condições de sobrevivência da humanidade não é de todo descartável nas avaliações de muitos cientistas.
A questão da mudança climática saiu de um círculo intelectual especializado e ganhou destaque público com a Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável, em 1992, no Rio de Janeiro. As COPs, cujo ciclo anual inicia em 1995, buscam concretizar a agenda abrangente então definida. Mas é como termos dois movimentos em disputa um com outro: a globalização capitalista neoliberal hegemônica em plena expansão desde os anos 80 do século passado e um movimento cidadão de múltiplas vozes, cada vez mais amplo, mas sem ganhar poder político efetivo diante da globalização comandada pelas cada vez maiores corporações e seu poder quase absoluto. Grandes movimentos e eventos contestatórios do status quo foram se multiplicando por toda parte, sem conseguir deter ou influir no curso da globalização.
Lembro alguns pela novidade e impacto conjuntural, sem maiores consequências no processo dominante: ATTAC, Seattle contra a OMC, Guerra da Água em Cochabamba, FSM, Gênova contra G7, Cancun contra OMC, M15 na Espanha, Occupy Wall Street, Primavera Árabe, Ceriza na Grécia, as juventudes com Greta, entre tantos outros. De evidente mesmo é uma agenda emergente multifacetada, sem unidade e, sobretudo, sem poder para mudar a correlação de forças, cada vez mais mundial e fechada sobre si mesmo.
É neste quadro de demandas múltiplas por transformações ecossociais que as COPs anuais se realizam. O espaço vibrante é da sociedade civil planetária em sua diversidade de identidades e vozes, cada vez mais representativo e com propostas abrangentes, realizado apartado dos salões de representantes governamentais. Na conferência oficial, dos governos e empresas, até pontuam questões e são elaboradas propostas de enfrentamento da questão da mudança climática, potencialmente razoáveis, como na COP de Copenhague e de Paris, mas não passam de declarações multilaterais oficiais, sem compromissos efetivos, pois dependem da boa vontade de cada governo. Neste emaranhado, prevalece sempre o capitalismo destruidor, com o seu desenvolvimento acima de tudo e de todos os povos.
A aposta dos “donos do mundo” é tecnológica, de um capitalismo verde. Bem, não só isto, pois andam tentando inventar naves que os levem a outras planetas, em busca de sobrevivência caso este nosso maravilhoso planeta Terra se torne inviável, devido a seu afã de acumulação de riqueza sem limites. Como implodir com esta “casta” antes que o pior aconteça para o planeta e a humanidade?
De mais importante em termos oficiais e de referência no diagnóstico da questão da mudança climática são os informes produzidos regularmente pelo IPCC – Intergovernmental Panel on Climate Change. São diagnósticos incontestáveis pela qualidade, produzidos por reconhecido grupo de cientistas mundiais. Em termos de visão e propostas virtuosas, sem dúvida, a multiplicidade de movimentos de cidadania engajados na questão, são uma grande fontes. Mas a questão central é de ordem política de como o mundo funciona e, sobretudo, como o poder das grandes corporações define as agendas dos governos, em cada país e nos espaços multilaterais.
O absurdo completo na COP28 é ter o presidente da empresa petrolífera dos Emirados Árabes presidindo a conferência, sendo que a energia fóssil – motora do capitalismo – é a grande vilã climática pelas suas emissões de gases de efeito estufa. Mas não precisamos ir longe para ver como tal engrenagem funciona. Podemos olhar para nós mesmos, com Lula sendo uma voz respeitada e ouvida na COP e espaços multilaterias com suas declarações sobre mudanças ecossociais necessárias em nome da justiça social, ao mesmo tempo em que anuncia a adesão do Brasil à OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo. E o presidente da PETROBRAS afirmando que explorará até a última gota de petróleo no Brasil, esperando ser a última empresa a acabar. Bota contradição nisto!
Volto a uma questão central que tenho tratado em diferentes postagens do blog: o tal desenvolvimento – entendido como crescimento medido pelo PIB – como o nó górdio na questão da mudança climática. O poder econômico-financeiro, com o mantra do desenvolvimento, está acima de tudo. Ou seja, a grande causa tanto da exclusão e desigualdade social como da destruição ambiental não pode ser enfrentada. Claro, alguém inventou o malabarismo do “desenvolvimento sustentável” – um absurdo conceitual pois onde há desenvolvimento sustentável não pode haver sustentabilidade ambiental. Mas a ONU adota tal definição com se fosse virtuosa e propos aquela ilusão dos ODS – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
Estamos numa difícil encruzilhada histórica. Não temos muito tempo para mudar. O problema é que apesar de tantos movimentos e vozes, que expressam a diversidade do que somos como cidadanias e nossas vibrantes culturas na diversidade de modos de viver, que o planeta permite e que inventamos, não temos a hegemonia de fato, capaz de enfrentar este capitalismo destruidor. Não formamos um bloco capaz de ameaçar tal sistema e seus poderes de fato, esta é a realidade. Nossa ação é potencialmente mais eficaz ao nível local, dos territórios comuns onde levamos a nossa vida. Sinais de processos virtuosos neste nível se encontram em toda parte. Mas como fazer o amálgama de tal diversidade capaz de se contrapor ao pequeno grupo das classes dominantes, que se locupletam com este estado do mundo? Saberemos formar coalizões planetárias? Por que as várias irrupções de cidadania, a seu modo impactantes, foram de vida curta? O que nos falta e como enfrentar nossos próprios desafios?
Termino afirmando que não podemos desanimar e nem nos iludir. Dos espaços multilaterais atuais é que não dá para esperar mais que declarações de boas intenções. Nossa força e poder brota no chão da sociedade. A nosso favor está a própria natureza, múltipla em sua diversidade. Portanto, é daí que precisamos extrair virtuosidade ecossocial transformadora e é aí, ao nível dos territórios de vida, que precisamos derrotar o capitalismo.
Esperar solução milagrosa de onde não pode viver é que não dá. Ou afirmamos praticamente o princípio da territorialidade combinado com subsidiariedade em níveis políticos mais amplos – nacionais, regionais e mundiais – ou não temos saída. É difícil e longo? Sem dúvida! Mas é onde temos exemplos concretos de outro mundo sendo construído: redes agroecológicas e cultura alimentar adaptada às potencialidades dos territórios e saudável, prática de economia solidária, a centralidade de bens comuns geridos entre pares, a reciclagem e reuso de tudo o que for possível, a defesa da água e da biodiversidade, dos centros de cultura e valorização das muitas expressões e formas de viver, a internet livre, os experimentos de cidades solidárias, entre múltiplas iniciativas. Se cada grupo territorial fizer sua parte estaremos enfrentando a lógica concentradora e destruidora de gente e do planeta. Precisamos de ousadia e determinação, lutando pelo direito nosso e de gerações futuras à integridade dos sistemas naturais e de vida.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
As COPs e a transformação ecossocial necessária. Artigo de Cândido Grzybowski - Instituto Humanitas Unisinos - IHU