28 Novembro 2023
A Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara dos Deputados, por iniciativa da deputada Luizianne Lins, convidou a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para debater, em uma audiência pública, realizada na quarta-feira, 22, sobre a orfandade de crianças e adolescentes em decorrência da pandemia de Covid-19.
A reportagem é publicada por CNBB, 24-11-2023.
Representando o arcebispo de Porto Alegre (RS) e presidente da CNBB, dom Jaime Spengler, o assessor da Comissão para a Ação Sociotransformadora da CNBB, padre Dário Bossi, apresentou uma reflexão sobre a urgência do cuidado com os grupos de pessoas mais fragilizados, que ainda carregam as feridas do longo tempo da pandemia.
O padre destacou que, em algumas culturas indígenas, para avaliar o que é bom ou mau se devem considerar os efeitos das ações e decisões tomadas sobre as seguintes gerações, até a sétima. “Na contramão desta perspectiva, vivemos numa sociedade que gera órfãos, pelas guerras, as pandemias e o ataque ao planeta vivo. Trata-se de cortes definitivos com a história da humanidade e de negações profundas da assim chamada ‘justiça intergeracional’”.
Padre Dário destacou que em algumas de suas passagens bíblicas, a Palavra de Deus pede um cuidado prioritário aos grupos humanos mais desprotegidos. Um exemplo é o do profeta Zacarias que clamou: “Não oprimam a viúva e o órfão, o estrangeiro e o pobre; e ninguém fique, em seu coração, tramando o mal contra o seu irmão” (Zac 7, 10).
Segundo o assessor da CNBB, Zacarias diagnostica neste versículo uma doença ainda mais grave e difusa que a pandemia de Covid-19: a “sclerocardia”, o endurecimento dos corações. “Realmente, o coronavírus revelou os corações: muitos deles compassivos e sem medida na doação. Em contrapartida, outros se fecharam em seu egoísmo” disse.
A pandemia de Covid-19 provocou no Brasil mais de 700 mil mortes, com a consequência de cerca de 113 mil órfãos. Números que o representante da CNBB considerou absurdamente alto de mortes, que se deram, segundo ele, por uma combinação de incompetência, desinteresse e uma estratégica negação da ciência.
Na audiência, o padre fez ainda uma referência ao estudo publicado na Revista Interdisciplinar do Pensamento Científico intitulado “A experiência do luto de crianças na pandemia do Coronavírus”. O estudo comprova que, a partir de um contexto municipal específico no estado do Espírito Santo, a falta de registro e o desconhecimento das políticas públicas sobre a quantidade e situação de crianças e adolescentes que perderam seus cuidadores na pandemia. “Não esqueçamos que a perda de cuidado, para as crianças, frequentemente comporta também perda da educação, isolamento, violência doméstica e abusos”, disse.
Para o padre Dário, a consequência direta da negação da existência das vítimas é o apagamento da solidariedade. “Esta é uma das características que faz dos brasileiros e brasileiras um povo generoso e sensível. Porém, numa sociedade cada vez mediada pela comunicação, a solidariedade depende demais da visibilidade. Situações graves e de emergência alcançam visibilidade imediata e despertam mobilização abundante da comunidade. Em paralelo, situações escondidas (quase sempre propositalmente) ficam rapidamente esquecidas”, reforçou.
De acordo com o religioso, a pandemia deixou um legado de solidariedade e dignidade, mas também de isolamento e profundas fraturas sociais que para ser sanadas é necessário combinar duas perspectivas de ação das políticas públicas e da solidariedade.
Com respeito ao tema da solidariedade, padre Dário destacou que, na encíclica Fratelli Tutti, o Papa Francisco a reconheceu como o principal instrumento de transformação social. “Pela Doutrina Social da Igreja, solidariedade é ‘pensar e agir em termos de comunidade’. É uma ‘determinação firme e perseverante de se comprometer pelo bem comum’. É a melhor ‘estratégia para reparar as estruturas de pecado social’”.
Na ação concreta da Igreja, o representante da CNBB reforçou que a solidariedade se faz como um projeto de proximidade. Como exemplos, o padre citou a experiência da Pastoral da Criança, que organiza redes de famílias solidárias e participa do programa “Família Acolhedora”, uma parceria entre a sociedade civil e as secretarias municipais de Assistência Social.
A audiência pública teve a participação do Conselho Nacional dos Direitos de Crianças e Adolescentes, da Coalizão Nacional Orfandade e Direitos, da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente, da Associação Nacional de vítimas e familiares de vítimas da Covid, de núcleos de pesquisa e de comissões especiais sobre os direitos de crianças e adolescentes.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
CNBB participa de audiência pública na Câmara dos Deputados sobre orfandade em decorrência da pandemia de Covid-19 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU