25 Outubro 2023
A Reforma desencadeou muitas mudanças, teve uma influência histórica profunda, mas o que isso tem a dizer ao nosso presente e ao nosso futuro?
A pergunta é de Paolo Tognina, em artigo publicado por Riforma, 27-10-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ele pergunta: "A Reforma desencadeou muitas mudanças, teve uma influência histórica profunda, mas o que isso tem a dizer ao nosso presente e ao nosso futuro? Foi um evento importante, mas quais consequências poderá ter para o século XXI? Como superar o justificado respeito para com as conquistas do passado e descobrir a relevância da Reforma para os dias de hoje em que vivemos?"
Segundo ele, "o problema da irrelevância da Reforma hoje está ligado à incompreensibilidade da sua mensagem central, aquela da justificação pela fé. Essa mensagem não é mais compreendida na sociedade contemporânea. E talvez não a percebamos mais nem mesmo nós. Tentativas de demonstrar a relevância das nossas igrejas destacando as suas contribuições no campo das ajudas humanitárias, da diaconia, do amor ao próximo que elas põem em jogo, não são convincentes: as funções úteis desempenhadas por uma comunidade de fé não são fé, mas funções. Não contribuem para resolver o problema do sentido, não são respostas relativas à substância da fé".
Paolo Tognina, jornalista, estudou teologia na Faculdade Valdense de Roma de 1985 a 1989, depois por dois semestres no Columbia Theological Seminary em Atlanta. Regressado dos Estados Unidos em 1990, realizou um ano de prática pastoral na Ligúria. Depois de se formar em 1992, casou-se com Lara Robbiani e foi ordenado pastor durante o Sínodo Valdense-Metodista em Torre Pellice. De regresso à Suíça, exerceu o seu ministério pastoral na comunidade evangélica reformada de Locarno e arredores até 2000. Pai de três filhos, desde 2001 é coordenador de programas evangélicos da RSI e editor-chefe do jornal mensal “Voce Evangélica”.
Em 31 de outubro de 1517, o frade agostiniano Martinho Lutero pregou 95 teses sobre as indulgências na porta da igreja do castelo de Wittenberg. Aquela data e aquele gesto são muitas vezes lembrados como um momento do início da Reforma Protestante e como uma transição histórica de um mundo medieval monolítico para uma concepção nova e moderna do mundo.
As igrejas evangélicas veem aquele evento como o início do desenvolvimento da sua própria identidade, a sociedade civil reconhece nele a raiz de muitos valores que foram elaborados e especificados ao longo dos séculos seguintes.
Do ponto de vista das igrejas evangélicas, deve-se reconhecer que a Reforma foi um movimento ambivalente: é a história de pecadores redimidos e não de santos, os reformadores não são heróis sem mácula, a luz da liberdade redescoberta pela Reforma foi obscurecida, deturpada e traída várias vezes desde o século XVI. E, de forma mais geral, a conquista central da Reforma foi a redescoberta do Evangelho, e não a construção de novas igrejas ou a afirmação de uma identidade particular confessional.
A Reforma certamente forneceu impulsos importantes. Por exemplo, ressaltou o princípio do “sacerdócio universal dos crentes”, uma novidade para a Europa da época e uma intuição que teve repercussões até os dias de hoje: os processos de participação democrática podem ser vistos como um produto de tal princípio. Para a estrutura da Igreja, aquele princípio comportou a distinção pragmática entre ofício e pessoa: o que distingue o pastor, por exemplo, é a função que desempenha, e não a ordenação que recebeu.
Em segundo lugar, a Reforma – que assumiu para si o slogan da Renascença ad fontis, isto é, o retorno às fontes de saber e conhecimento – promoveu a formação: os crentes, homens e mulheres, devem ter acesso à Bíblia e, portanto, devem aprender a ler. E, portanto, é preciso abrir escolas onde as garotas também possam ser admitidas. Isso teve, a longo prazo, uma influência na emancipação das mulheres na Igreja, embora a forte oposição contra esse desenvolvimento não possa ser ignorada. Além disso, nas igrejas evangélicas desenvolveu-se uma teologia que soube cultivar o diálogo crítico com a Escritura, com a pretensão absolutista do cristianismo, com o pensamento científico e que se caracteriza por uma busca constante de uma religiosidade esclarecida.
A intuição central de Martinho Lutero, e de todos os reformadores, de que a justificação é obra da fé através da graça, e não do fruto de obras realizadas de acordo com a lei, suscitou um impulso de liberdade que ressoou através dos séculos. A liberdade de que fala a Reforma, enraizada na Palavra de Deus, não é a liberdade de que fala o mundo moderno, mas é certamente uma das fontes, em particular no que diz respeito aos direitos humanos e ao respeito pela dignidade humana.
Não esqueçamos, além disso, a influência que a Reforma teve sobre a igreja católica romana: sem a Reforma, o catolicismo romano não seria o que é hoje, pois reformulou a sua identidade no constante confronto também com a Reforma. As duas confissões também contribuíram indiretamente para a formação do mundo moderno através dos seus embates: as guerras de religião resultaram no desenvolvimento de uma concepção do Estado e das suas leis em que se distinguem os direitos civis e religiosos, nos quais se afirmam as liberdades individuais e religiosas. Não tem como se orgulhar dos embates do passado, mas hoje católicos e protestantes, que aprenderam através daqueles a tolerância, podem indicar a outras comunidades de fé e ideologias o caminho da renúncia ao fundamentalismo.
No final desta breve lista de conquistas alcançadas pela Reforma, um sentimento de insatisfação.
A Reforma desencadeou muitas mudanças, teve uma influência histórica profunda, mas o que isso tem a dizer ao nosso presente e ao nosso futuro? Foi um evento importante, mas quais consequências poderá ter para o século XXI? Como superar o justificado respeito para com as conquistas do passado e descobrir a relevância da Reforma para os dias de hoje em que vivemos? E nesse ponto, não vamos dourar a pílula: o problema da irrelevância da Reforma hoje está ligado à incompreensibilidade da sua mensagem central, aquela da justificação pela fé. Essa mensagem não é mais compreendida na sociedade contemporânea. E talvez não a percebamos mais nem mesmo nós. Tentativas de demonstrar a relevância das nossas igrejas destacando as suas contribuições no campo das ajudas humanitárias, da diaconia, do amor ao próximo que elas põem em jogo, não são convincentes: as funções úteis desempenhadas por uma comunidade de fé não são fé, mas funções. Não contribuem para resolver o problema do sentido, não são respostas relativas à substância da fé.
Na época de Lutero a igreja era hiperativa, tinha respostas para todos os problemas: santos padroeiros, indulgências, ritos, celebrações, peregrinações, milagres, relíquias. Talvez não estivesse em uma situação muito diferente daquela em que nos encontramos hoje. E mesmo então, e apesar daquele arcabouço religioso, prevalecia um sentimento de insegurança, prevaleciam os medos pelo presente e pelo futuro. Naquele contexto de medo, Lutero conseguiu encontrar uma resposta na graça de Deus que liberta do medo. No contexto dos medos em que o nosso mundo, a nossa sociedade se debate, qual é a mensagem evangélica que liberta da angústia as mulheres e os homens da nossa geração? É sobre isso que precisamos falar se quisermos fazer da memória da Reforma não uma celebração de coisas passadas, mas uma oportunidade para olhar para o nosso presente e para o nosso futuro à luz da libertação do medo que se encontra na fé.
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A Reforma e nosso futuro. Artigo de Paolo Tognina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU