11 Outubro 2023
Em novo ensaio, o cardeal Ravasi explica que o Filho de Deus aprendeu hebraico na escola da sinagoga de Nazaré para poder ler as Escrituras.
O artigo é do cardeal italiano Gianfranco Ravasi, ex-prefeito do Pontifício Conselho para a Cultura, publicado por Il Sole 24 Ore, 08-10-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Que línguas falava Jesus? Sabia realmente ler e escrever? A primeira pergunta pode surgir quando no Evangelho de João se narra que Jesus havia encontrado um grupo de gregos no templo de Jerusalém, talvez no chamado “Pátio dos Gentios”, onde até as gentes podiam entrar, ou seja, os pagãos (12,20-28). Ou quando se conta o seu diálogo com o governador Pilatos durante o julgamento romano (18,33-38). A questão surge para as quatro línguas que vigoravam na Palestina da época: grego, hebraico, aramaico e latim. Não deve se esquecer, de fato, que o “título” da cruz da condenação de Cristo era, segundo João 19,20, também em latim. No entanto, esta última língua era quase exclusivamente utilizada pelas forças de ocupação romanas: a lista, portanto, restringe-se às demais três.
O grego era usado no Império Romano como língua franca, uma espécie de inglês da época. Em Jerusalém, era conhecida pelas classes altas sobretudo para as transações comerciais; o povo se contentava com o indispensável para comunicar-se com os “gentios”, isto é, com os estrangeiros presentes em Palestina. É provável, portanto, que Jesus também tenha usado um pouco do grego – língua posteriormente adotada pelo Novo Testamento para uma comunicação mais universal – quando tinha contatos com não judeus e talvez durante o diálogo processual com Pilatos. O hebraico sofreu um declínio após o exílio babilônico, sendo substituído no uso comum pelo aramaico, a língua mais comum no antigo Oriente Próximo da época. No entanto, nunca se extinguiu como língua escrita (bem como língua litúrgica), de acordo com o atestado pelas famosas descobertas de Qumran, perto do Mar Morto. O hebraico era uma língua culta, usada nas discussões exegético-teológicas e por grupos de elite de judeus rigorosos e zelosos, justamente como aqueles de Qumran. Jesus, provavelmente, o aprendeu na escola da sinagoga de Nazaré para poder ler as Escrituras. No máximo poderia ter usado parcialmente o hebraico nas controvérsias teológicas com os escribas e os fariseus relatadas pelos Evangelhos. No entanto, como mestre que falava à massa de camponeses, de pescadores e de artesãos judeus comuns, Jesus recorria ao seu idioma cotidiano, que era o aramaico.
Um estudioso alemão, Joachim Jeremias, excluindo nomes próprios e adjetivos, contava 26 palavras aramaicas atribuídas a Jesus pelos Evangelhos ou fontes rabínicas. E identificava o aramaico de Jesus como uma versão da Galileia do aramaico oficial, tanto que, durante a negação de Pedro, os presentes acusam o apóstolo assim: “É verdade. Certamente você é um deles! O seu modo de falar o denuncia” (Mt 26,73).
Jesus sabia ler e escrever? Tendo em conta a importância que tinha no antigo Oriente Próximo a cultura oral, para responder à questão há três passagens evangélicas para verificar. No Evangelho de João temos esta observação sobre os judeus de Jerusalém: “Como é que esse homem conhece as Escrituras, sem ter estudado?” (7,15) Por si só, a expressão "conhece as Escrituras" em grego (grámmata ói-den) também poderia significar simplesmente: "sabe ler". Na realidade, porém, a objeção é dirigida contra Jesus como uma acusação - ensinar em público - sem ter frequentado a escola de um dos vários rabinos ou mestres importantes da época. A declaração, portanto, tentaria apenas afirmar que Jesus tinha um nível surpreendente de cultura teológica.
Que ele soubesse ler transparece claramente no já citado texto de Lucas (4,16-30): em Nazaré, no sábado, “levantou-se para ler o livro do profeta Isaías; e achou o lugar em que estava escrito: O Espírito do Senhor é sobre mim...” (Is 61,1-2). No fim, “enrola o livro e devolve-o ao ministro" e começa a proferir aquela "homilia" que suscitará forte reação entre seus companheiros. Cristo, portanto, sabia ler.
Mas ele também sabia escrever? As duas coisas não estavam necessariamente ligadas: a aprendizagem na escola da sinagoga muitas vezes ocorria segundo o método oral, recorrendo à vitalidade fértil da memória, especialmente semítica. A única indicação, na verdade muito vaga, sobre a capacidade de Jesus para escrever aparece numa terceira passagem. No Evangelho de João recorda-se que, diante da adúltera e dos seus acusadores, Jesus “inclinando-se escreveu com o dedo na terra” (8,6). Tem havido muita especulação sobre esses escritos misteriosos. Há quem tenha pensado na retomada de textos bíblicos. Outros levantaram a hipótese de uma antecipação de suas palavras subsequentes: “Aquele que dentre vós está sem pecado seja o primeiro a atirar uma pedra contra ela”. A solução mais provável, porém, poderia ser aquela de acreditar que Cristo apenas desenhasse linhas ou letras casuais. Portanto, também aqui não haveria uma atestação precisa e direta de uma capacidade de escrita do Jesus histórico. O conhecimento das línguas originais da Bíblia é uma aventura curiosa. O adjetivo “curioso” tem origem no latim cura que implica empenho, tensão, preocupação e afã. É “cuidar”. A fé também inclui também um conhecimento que exige estudo e aprofundamento, até mesmo laborioso. O grande tradutor da Bíblia do hebraico e do grego para o latim, São Jerônimo, confessava: “De vez em quando eu me desesperava, várias vezes desisti, mas depois retomava com a obstinada decisão de aprender”.
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A língua falada por Jesus. Artigo Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU