02 Junho 2023
Tibério Graco era defensor público na república romana. Sua função, no século II a.C., era assegurar os direitos do povo e impedir que as autoridades violassem o que a lei estabelecia. A desigualdade social era gritante na sociedade romana. Uma pequena classe privilegiada esbanjava riqueza, enquanto a maioria da população vivia em estado de pobreza crescente. Os conflitos sociais eram constantes e, no contexto do século II a.C., giravam em torno, principalmente, da posse da terra.
O artigo é de Frei Betto, escritor, autor de “Paraíso perdido – viagens ao mundo socialista” (Rocco), entre outros livros.
Eis o artigo.
Com o aumento do território da república, havia a esperança entre os sem-terra, principalmente os que retornaram da guerra, de que conquistariam uma área de lavoura, o que não aconteceu na prática. Muitos camponeses haviam perdido terras em decorrência das invasões das tropas de Cartago na Península Itálica, e os pais ainda foram obrigados a pagar as despesas dos filhos que abandonaram as lavouras para lutar nas guerras.
Tibério Graco propôs ao Parlamento um projeto de reforma agrária. Nenhuma propriedade rural poderia ultrapassar 120 hectares. Além dessa extensão, a área era considerada latifúndio e, automaticamente, desapropriada pelo poder público e entregue aos sem-terra. Inúmeras famílias de sem-terra receberam, assim, glebas de 7 hectares. Porém, muitos senadores se opuseram à reforma agrária. O juiz Marco Otávio encabeçou as forças de oposição ao projeto e entrou em colisão com Tibério Graco, acusado de sectário pelo Senado.
Os parlamentares decidiram vetar os recursos destinados à reforma agrária. Tibério Graco recorreu, então, à iniciativa privada, principalmente à herança deixada por um multimilionário grego e repassada ao Estado. O Senado considerou a medida um ataque à sua autoridade.
Quando Tibério Graco decidiu concorrer à reeleição para defensor público, a turba mobilizada pelos latifundiários e impregnada de ódio espancou-o até a morte. Caio Graco, irmão de Tibério, se elegeu defensor público e deu continuidade às reformas. Além de implementar as reformas fundiárias, proibiu que menores de 17 anos fossem convocados a prestar serviço militar e conseguiu a aprovação da lei que obrigava certa quantidade de grãos a ser vendida a preços populares. Criou também estoques reguladores de alimentos.
A elite se insurgiu contra as reformas de Caio Graco em defesa dos direitos dos sem-terra. Perseguido, ele se refugiou no Monte Aventino. Ali faleceu e até hoje as circunstâncias de sua morte não foram esclarecidas, se por assassinato (teria sido “suicidado”) ou suicídio. Lúcio Opímio, que liderava a oposição a ele, perseguiu ferozmente os movimentos sociais que apoiavam Caio Graco, o que resultou na morte de três mil pessoas.
O mundo gira, a Lusitana roda e a elite não aprende, envenenada por sua ambição desmedida. Felizmente prevalece, ao longo da história, a pedagogia dos oprimidos. É apenas uma questão de tempo.
Leia mais
- CPI contra o MST - I. Artigo de Frei Betto
- CPI contra o MST - II. Artigo de Frei Betto
- CPI contra o MST – III. Artigo de Frei Betto
- Por que o MST assusta tanto? Artigo de Frei Betto
- Mortes em virtude de conflitos no campo aumentam 1.044% em 2021
- Menos de 1% das propriedades agrícolas detém 45% da área rural no país
- Discutir a função das terras públicas é fundamental para superar as desigualdades sociais. Entrevista especial com Gustavo Ferroni
- Atlas Agropecuário permitirá relacionar posse da terra com serviços ambientais. Entrevista especial com Gerd Sparovek
- Do latifúndio ao agronegócio. A concentração de terras no Brasil. Entrevista especial com Inácio Werner
- Conflitos no Campo 2022: aumento de 30,5%. Artigo de Gilvander Moreira
- Campo teve números de guerra com Bolsonaro; para CPT, solução é Lula fazer a reforma agrária
- Lançado Caderno de Conflitos no Campo Brasil 2022: memória, histórias, análises, resistências
- A concentração de terra estimula a violência e a impunidade. Entrevista especial com Frei Henri B. des Roziers
- MST denuncia ‘fake news’ sobre suposta contaminação de arroz agroecológico
- Criminalização dos Movimentos Sociais Populares e Lei antiterrorismo
- Por uma CPI sobre a violência no campo
- Dados parciais de Conflitos no Campo 2020. 2020: o ano do fim do mundo… como o conhecemos
- Brasil é líder em conflitos socioambientais na Amazônia
- Lançado o Atlas de Conflitos Pan-Amazônico, “um grito de defesa e de proteção da Amazônia e de seus povos”
- Caderno de Conflitos no Campo 2019: memória de um ano de ascensão da violência e do ódio contra os pobres
- Região Amazônica concentra 60% dos casos de conflitos no campo
- O campo brasileiro em ebulição. O ano de 2019 vai passar para a história como um ano de grandes tragédias
- Sob governo Bolsonaro, conflitos no campo aumentam e assassinatos de indígenas batem recorde
- Rondônia. A violência no campo não respeita quarentena, denuncia a CPT
- Despejos, assassinatos e reforma agrária paralisada marcam primeiro ano do governo Bolsonaro, constata a CPT
- Roraima: Comissão Pastoral da Terra apresenta Relatório Conflitos no Campo Brasil 2018
- Crescem os conflitos e a violência no campo; a luta também
- “Ajudar a violência no campo” é o que quer o Presidente Bolsonaro. Nota de Repúdio
- Amazônia registra mais da metade dos conflitos no campo brasileiro
- Comissão Pastoral da Terra lança relatório Conflitos no Campo Brasil 2018 na sede da CNBB
- Conflitos no campo atingem quase 1 milhão de pessoas em 2018
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
CPI contra o MST – IV. Artigo de Frei Betto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU